quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Resumo: "A dissecção da personalidade psíquica" (1932-1933)


Na presente obra, Freud faz uso da pena para discorrer a respeito de suas novas formulações acerca das instâncias psíquicas, a saber, superego, id e ego, e suas relações internas. É isso que vamos encontrar aqui.

A abertura da investigação é então colocada e questionada por seu próprio intento de tomar o ego por objeto. Seria possível tal empreendimento? O autor não hesita em responder afirmativamente, trazendo-nos a ideia de que este ego pode-se dividir, pode tomar a si mesmo como objeto, pode observar-se e criticar-se. É a partir desta afirmação que começa a versar sobre a introdução do primeiro novo termo presente aqui: o 'superego' – essa instância separada do ego, de aspecto regular na estrutura daquele, cujas funções são de “consciência” (aqui numa conotação vulgar: “Sinto-me inclinado a fazer algo que penso irá dar-me prazer, mas abandono-o pelo motivo de que minha consciência não o admite”), auto-observação, atividades de julgar e punir e busca por perfeição (o 'ideal de ego').
Como acontece então a formação do superego?
Lembramos que a “consciência” não está lá desde o início e que uma criança conserva um alto grau de dependência de seus pais por um longo período: crianças são amorais e não possuem inibições internas contra seus impulsos que buscam prazer. Portanto, é um poder externo o responsável por essa função – e este poder externo apresenta-se através da autoridade dos pais. São eles que concedem provas de amor e, igualmente, ameaças de castigo – que são, pra criança, sinais da perda do amor, e por isso são temidas. Essa ansiedade realística vivida pela criança é o precursor da ansiedade moral.
Na base da formação deste superego encontra-se o processo de 'identificação' (o processo de um ego vir a assemelhar-se a outro). Os pais que educam uma criança tomaram eles também como modelo os valores de seus pais, tomaram aquilo tudo o que puderam captar psicologicamente do que existe de mais elevado na vida para exercer a educação dos filhos. Nesta educação serão transmitidas as expectativas inconscientes dos pais, as quais terão um papel fundamental no processo de identificação que dá origem ao superego, assim como no ‘ideal de ego’. Dessa forma mostra-se como essa instância torna-se o veículo das tradições e dos valores, e verifica-se sua importância no comportamento social do homem.
Ao recordar que toda a teoria da psicanálise está pautada numa proposição que admite que o paciente oferece resistência a tornar consciente aquilo que é inconsciente, emerge para o autor um dilema: e quando a própria resistência permanece inconsciente, assim como o conteúdo reprimido?
Se entendermos que o reprimido tem um impulso a irromper na consciência, a resistência só pode ser manifestação do ego, de vez que foi ele que originalmente forçou a repressão e agora deseja mantê-la – ou seja, a resistência não advém do inconsciente. Repressão, pois, seria efetuada pelo superego e pelo ego, em obediência àquele. Quando a resistência permanece inconsciente, podemos ver nisso o significado de que existem operações inconscientes no ego e no superego, podemos dizer que existem porções inconscientes nessas instâncias. Então é possível formular da seguinte maneira: ego e consciência não coincidem, assim como reprimido e inconsciente também não.
Desde essa observação é realizada uma revisão da relação consciente-inconsciente, a começar pelo próprio termo “inconsciente”. Sucede que, em razão da descoberta da existência de porções inconscientes do ego e do superego, não mais seria conveniente falar em 'sistema ICS' – como uma região mental alheia ao ego – pois que essa característica [de ser inconsciente] não lhe é exclusiva. Com o fim de resolver esse impasse, Freud lança mão de um expediente simples: em lugar de usar o termo 'inconsciente' pra indicar a existência de uma região mental, ele cunha o termo 'id'.
Passamos então a elencar seus atributos:
O 'id':
1 – é parte inacessível da personalidade
2 – o que dele se sabe advém do estudo da elaboração onírica e da formação dos sintomas neuróticos
3 – está repleto de energias originárias das pulsões
4 – não encontra-se de maneira organizada
5 – busca irrestritamente a satisfação das necessidades pulsionais
6 – é dirigido pelo “princípio de prazer”
7 – encerra contradições (coexistência de impulsos contrários)
8 – é não-temporal
9 – é alheio à valores
“Catexias pulsionais que procuram a descarga – isto, em nossa opinião, é tudo o que existe no id”, segundo o autor nos sugere.
A partir das diferenciações entre superego e id feitas até aqui, é que o autor diz poder melhor esclarecer as características do ego ('ego real', segundo consta do texto). Suas palavras vão de encontro ao seu intento: “o ego é aquela parte do id que se modificou pela proximidade e influência do mundo externo, que está adaptada para a recepção de estímulos, e adaptada como escudo protetor de estímulos”.
De suas características podemos dizer:
O 'ego':
1 – é voltado para o mundo externo
2 – é receptivo às excitações externas e do “interior da mente”
3 – tem como uma de suas funções representar o mundo externo perante o id (devendo excluir da percepção do externo tudo o que for interno)
4 – modula o acesso do id à motilidade (faz isso através da atividade do pensamento)
5 – substitui o “princípio de prazer” regente no id pelo “princípio de realidade”
6 – introduz, por via do sistema perceptual, a relação com o tempo
7 – sintetiza conteúdos do id, combinando e unificando
8 – evolui da percepção das pulsões para o controle dessas
“O ego deve, em geral, executar as intenções do id, e cumpre sua atribuição descobrindo as circunstâncias em que essas intenções possam ser bem realizadas”, arremata o autor.
Ao fim, é postulado que este ego, entretanto, não relaciona-se apenas com o id, mas que “serve a três senhores”: 1) o mundo externo, 2) o superego e 3) o id. E é em virtude de ter como função harmonizar as exigências destes que, eventualmente, quando pressionado, pode falhar, resultando disso a ansiedade.



  
Escrito por Rafael Moura, monitor de Psicanálise do Curso de Psicologia – FACHS/SP

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Esquizofrenia e laço social em Freud


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACHS - FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA CLÍNICA
LABORATÓRIO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL







 Esquizofrenia e laço social em Freud





         Relatório Final
Orientanda: Aline Silva da Costa
Curso de Psicologia
Orientador: Dr. Prof. Manoel Tosta Berlinck



São Paulo - 2013




















NOTA PRÉVIA
Relatório científico de Pesquisa de Iniciação Científica aprovada pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da PUC-SP, subsidiado pelo PIBIC-CNPq e desenvolvido no período de agosto de 2012 a julho de 2013.

Resumo: O objetivo desta pesquisa é analisar a relação do sujeito esquizofrênico com o laço social a partir de um levantamento bibliográfico, propondo uma reflexão da condição humana nessa psicopatologia. Será considerado o contexto histórico da esquizofrenia. Também será realizada uma interlocução entre a Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana a respeito da esquizofrenia. Soma-se à pesquisa uma breve experiência clínica de atendimento voluntário a pacientes psicóticos num grupo terapêutico de reflexão em que, em conclusão, para atender a demanda de alguns pacientes, bem como uma possibilidade de estabelecimento de vínculo, laço social com o esquizofrênico, segundo uma perspectiva freudiana, será apresentada uma proposta de intervenção clínica em “educação terapêutica” através do ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos em um hospital psiquiátrico, refletindo sobre a introdução de outro idioma - a língua espanhola - como terceiro na relação sujeito esquizofrênico - língua materna. As principais contribuições serão as de Freud, da Psicanálise, da Psicopatologia Fundamental, da Psiquiatria e da Psicopatologia Fenomenológica.

Palavras-Chave: Esquizofrenia, Psicanálise, Psicopatologia Fundamental, Psicopatologia Fenomenológica, Língua Estrangeira.











7.00.00.00-0 – CIÊNCIAS HUMANAS
7.07.00.00-1 – Psicologia

Sumário






Resumo ............................................................................................................. 3                          
Primeira Parte - Relatório de atividades ............................................................ 5
Segunda Parte - Relatório Científico ................................................................29
Introdução .........................................................................................................29
Objetivos ...........................................................................................................31
Metodologia ......................................................................................................31
A evolução histórica do conceito de esquizofrenia e demência precoce .........32
Tratamento da esquizofrenia – uma possibilidade de laço? ............................44
Esquizofrenia e demência precoce em Freud ..................................................48
O diálogo entre as Psicopatologias sobre a esquizofrenia ...............................55
Esquizofrenia e laço social ...............................................................................63
Esquizofrenia e laço social em Freud ...............................................................69
Tratamento da esquizofrenia - uma proposta de intervenção clínica com pressupostos freudianos ........................ ..........................................................81
Conclusão .........................................................................................................82
O ensino de língua estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos .................................................................................82
Referências bibliográficas .................................................................................90
Anexos ..............................................................................................................94
Relatório do Estágio em Psicopatologia Fundamental ....................................94
Cronograma da Monitoria de Psicanálise em Freud .......................................96
Pôster: Esquizofrenia como pathos e tratamento clínico em Freud ................98
Primeira Parte: Relatório de Atividades
Os primórdios da concepção desse projeto de pesquisa surgiram no 2º ano (4º semestre) do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, quando o professor Manoel Tosta Berlinck apresentou aos alunos da graduação uma palestra sobre Pesquisa em Psicanálise a convite do professor Marcelo Sodelli da disciplina de Modelos de Investigação.
Posteriormente, a pesquisadora comunicou o interesse em realizar a Iniciação Científica com o professor Manoel Tosta Berlinck como orientador da pesquisa. Após a delimitação do tema de pesquisa (Psicose) e mais especificamente Esquizofrenia, a pesquisadora direcionou sua escolha às disciplinas eletivas da Faculdade, cursou “Psicose: uma herança Psíquica?” lecionada pelo professor Hemir Baricão no primeiro semestre de 2012 e “Psicose em Freud e Winnicotti” lecionada pelas professoras Chu Regina Cavalcanti e Paula Perón no segundo semestre de 2012. E também “Pesquisa em Psicanálise” disciplina ministrada pela professora Elisa Cintra também no sexto período.
Nessas disciplinas foram realizadas várias leituras sob o referencial psicanalítico e elaborados trabalhos específicos para as avaliações dessas matérias que muito contribuíram para a ampliação do tema da pesquisa.
A presença e o contato com o professor orientador Manoel Tosta Berlinck foi semanal. Quinzenalmente, a pesquisadora participou do Laboratório de Psicopatologia Fundamental às quintas-feiras das 9h00 às 12h00. O professor orientador, a pesquisadora e os membros do Laboratório compartilhavam comentários das pesquisas, lidas com antecedência, e ofereciam também possíveis indicações bibliográficas.
Alternavam-se às aulas do Laboratório, quinzenalmente, os seminários ministrados pelo professor Manoel Tosta Berlinck. O primeiro seminário assistido pela aluna foi sobre O método Clínico no 2º semestre de 2011.
Nesse curso, o professor Manoel Tosta Berlinck deu orientações pertinentes que foram úteis à pesquisadora posteriormente. Por exemplo, mencionou que o pensar é para depois da clínica. Na clínica, o que precisa prevalecer é o devanear, o sonhar, o que brota. Pois, a clínica voltada para o pensamento afasta-se da psicanálise.
Não obstante, o professor destaca a importância da pesquisa e da reflexão ao dizer que apesar de a clínica ser de uma realidade, e a escrita de outra, a escrita tenta dar um sentido racional ao trabalho da clínica, que é inapreensível.
A continuidade da clínica e a escrita transforma a vivência em uma experiência, o clínico compartilha consigo mesmo a partir da escrita aquilo que foi vivido na clínica. Coloca em palavras o vivido. E deve escrever sobre uma questão enigmática.
A clínica é um trabalho que tanto o clínico quanto o paciente pagam, o clínico faz um esforço penoso e o paciente também precisa se esforçar. O professor disse ainda que o trabalho psíquico é um esforço penoso, mesmo o sonho é uma loucura, como diz Freud é uma psicose controlada. Há pessoas que sonham de olhos abertos, isso é crise. Na crise, a mudança na imagem corporal altera as identificações. De repente, a identidade deixa de ser.
No filme “Uma Mente Brilhante”, o professor comenta que o personagem se dá conta que enlouqueceu quando percebe que a menina (alucinada) não envelhece. Ele consegue estabelecer distância. A dissolução da transferência é a distância que se estabelece entre eu e o outro.
Segundo o professor, a identificação é uma dinâmica interminável. E a sanidade é a capacidade de não ficar consumido pela identificação e deslocar dos objetos. È possível, mesmo em caso de psicose, estabelecer relações objetais. E a livre associação permite outros objetos de amor.
Essas comunicações foram relevantes para a pesquisadora especialmente porque durante o período da pesquisa, ela realizou um trabalho clínico voluntário de atendimento a pacientes psicóticos em uma Casa de Saúde, que será relatado posteriormente, e esta experiência acrescentou ricas reflexões à pesquisa, e foram aplicadas tais valiosas informações dessas aulas.
  As considerações sobre Melancolia e Mania foram realizadas no 1º semestre de 2012 com continuidade no 2º semestre de 2012 e abarcaram temas psicanalíticos como a Perda, Narcisismo Primitivo, a Concepção Psíquica e o Infantil e no 1º semestre de 2013 considerou-se a Neurose Obsessiva.
As orientações específicas do professor Manoel Tosta Berlinck à pesquisadora após o início do projeto foram, primeiramente, iniciar o trabalho de reunir o que ela chamou de “Compilado das Obras de Freud”, que consistiu em buscar no índice remissivo de todos os 24 volumes das obras de Freud, as palavras esquizofrenia, melancolia, mania, paranoia e psicose, e digitar arquivando em pastas todo o conteúdo.
A seguinte orientação foi iniciar a escrita sobre esquizofrenia. Ao passo que a pesquisadora contextualizou historicamente o conceito de esquizofrenia e fez um esboço sobre o diálogo entre a Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana, o professor disse ter lido o texto e ter ficado feliz com ele. Acrescentou que no texto, a pesquisadora avançou e a pesquisa é sempre um avanço paulatino em direção à compreensão de um fenômeno. Então propôs que ela continuasse a trabalhar nos textos de Freud.
Além disso, o professor destacou que seria muito interessante se a pesquisadora investigasse o conceito de dementia praecox e esquizofrenia em Kraepelin e em Kurt Schneider. Depois disso, seria muito importante pesquisar um pouco mais de Eugen Bleuler, que foi um clínico fantástico.
Disse também que o capítulo sobre a esquizofrenia na psiquiatria fenomenológica poderia ficar para mais tarde. Mas, ele seria importante.
Para tudo isso, o professor disse que seria interessante ir a esses autores e deixar de lado, agora, os manuais de psiquiatria, que são muito úteis para dar um panorama.
Em uma orientação posterior, o professor sugeriu a leitura do livro de German E. Berrios e Roy Poter. Uma história da Psiquiatria Clínica - II. As psicoses funcionais. São Paulo: Escuta, 2012.
No 1º semestre de 2013, a pesquisadora escreveu seu projeto para o Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia com o tema “O ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos” que será uma continuidade teórica e prática das considerações trabalhadas paralelamente nessa pesquisa de Iniciação Científica.
As orientações do professor, as investigações da pesquisadora e as atividades acadêmico-culturais contribuíram muito para a construção da presente pesquisa.
E outra atividade de grande importância foi o estágio em Psicopatologia Fundamental realizado entre fevereiro e agosto de 2012, cujos trabalhos principais foram: a organização do V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental - 2012 e as atualizações dos sites Laboratório de Psicopatologia Fundamental www.psicopatologiafundamental.org e da Associação de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental www.fundamentalpsycophatology.org. (Relatório em anexo).
Tal estágio por ser remunerado forneceu a possibilidade financeira para a presença da pesquisadora nos Congressos, o que consequentemente, contribuiu para a produção dessa pesquisa.
A presença da pesquisadora no V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental – 2012 e participação com a apresentação do Pôster Esquizofrenia como pathos e tratamento clínico em Freud (publicado nos Anais do Congresso e em anexo), envolveu uma pesquisa prévia com leitura de textos de Freud, da psicanálise, teses e dissertações, bem como artigos da Revista Latinoamericana de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Nesse Congresso cujo tema: Dietética Corpo Pathos, a pesquisadora pode apreciar várias apresentações, algumas dessas, relacionadas a seu tema de pesquisa.
Outra Conferência relevante para a presente pesquisa foi a palestra de Gabriel Lombardi, com o tema “Delírio, discurso e verdade: o sujeito psicótico e o laço social” proferida em espanhol no dia 01/11/2012 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Nessa palestra, o conferencista afirmou que podemos falar não somente em pacientes psicóticos, com também em analisantes psicóticos.
Citando “O Seminário V” de Lacan, o palestrante mencionou que nesse texto, o autor descreve a ruptura dos laços sociais por meio da passagem ao ato, seja o ato suicida, o crime ou a fuga. Destacou que para Lacan, nesses casos, rompem-se as cadeias borromeanas do laço social, ou melhor, do nó social, do laço com o desejo do outro.
Então, quando um psicótico chega à ruptura do laço, como pode ter e buscar laço com o analista? Como se demanda a busca pela análise?
Após descrever e explicar o famoso esquema de Lacan sobre o discurso do amo, Gabriel Lombardi apontou que há quatro formas fundamentais de laço e mencionou seu livro Delírio y lazo social.
De acordo com o conferencista, o amo ocupa o lugar de prestígio, da ordem. O amo identifica-se com a demanda, “governa” sobre o escravo que obedece. No capitalismo, o amo apreende o saber das máquinas e que, consequentemente, os escravos que vendem sua força de trabalho podem ser substituídos. Outra das formas de laço social, a partir de Freud, mencionada pelo palestrante, é o sintoma histérico, o laço social histérico.
Citando “O Seminário III”, de Lacan, Gabriel Lombardi diz que na psicose é melhor não interpretar. Pois, com o psicótico o analista não pode brincar com as interpretações e fazer um jogo com o que lhe ocorre a partir do que diz o paciente, porque, segundo o palestrante, o psicótico não possui a metáfora paterna como princípio da linguagem. E isso poderia irromper uma passagem ao ato.
Nesse sentido, a atitude do analista em relação ao analisante deve ser de estrita submissão, deve haver uma destituição subjetiva do analista, sair da posição de divisão.
O palestrante mostrou um esquema em que, basicamente, em comparação com a perversão e a neurose, na psicose o grau de referência ao pai é consideravelmente menor, porém, em relação às essas outras estruturas subjetivas a psicose não é tão deficitária assim, pois nela, de acordo com Gabriel Lombardi, o grau de liberdade é maior.
O palestrante destaca que ao passo que o paciente apenas padece, o psicótico é também ativo, agente do discurso. E ao analista cabe escutar o diálogo amoroso, psicotizado desse paciente em que a alienação consiste na eliminação do outro.
Quanto à transferência, Gabriel Lombardi menciona que existe e é plena. E acrescenta que o psicótico tem liberdade, o que não significa que não se possa voltar aos laços sociais.
Em seu discurso, o palestrante chamou de próteses sociais as tentativas de restabelecer laços sociais por meio, por exemplo, da musicoterapia nos casos de psicose.
Quanto ao movimento antimanicomial e ao excesso de medicação, Gabriel Lombardi afirma que em substituição à camisa de força, há a camisa química, que pode ter o efeito de manicômio químico pessoal.
Gabriel Lombardi mencionou também a necessidade de incluir a foraclusão. E não pensar apenas na realidade compartilhada, pois a realidade do psicótico é mais forte. Mencionou que no texto “Psicologia das massas”, Freud aprofunda a questão dos laços sociais.
Acrescentando que na análise, há um lugar para o delírio, o palestrante afirmou que é necessário escutar sem julgar, ou seja, que não temos o direito de dizer o que não é realidade, pois devemos ser respeitosos, porque não somos os amos da realidade.
A palestra encerrou-se com a discussão da possibilidade de passe para que psicóticos possam ser analistas, e destacou que é necessário deixar de lado os preconceitos. E que em uma sociedade que o perverso não esconde sua perversão, o psicótico não deve precisar esconder sua psicose.
Nessa palestra acima citada, a pesquisadora encontrou-se com a psicóloga Silvana Rabello, uma das palestrantes que esteve presente nos Congressos já mencionados, e a pesquisadora manifestou seu interesse em participar de alguns encontros, reflexões e discussões de casos do Espaço Palavra que é um Laboratório na PUC-SP em que os psicólogos atendem crianças, adolescentes e adultos com estrutura psíquica como o autismo e a psicose.
Após a autorização de Silvana Rabello, a pesquisadora participou dos encontros com o compromisso de manter sigilo como postura ética. Participar desse lugar em que se dá espaço para a palavra do paciente através do clínico que o atende foi uma experiência muito importante, pois, contribuiu para o contato com casos vivos, reais, em que se pode sentir a vivência clínica mais próxima.
A pesquisadora também participou da assistência do Simpósio “Esquizofrenia como eu diagnostico e trato” realizado no dia 24/11/2012 no Anfiteatro do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas FMUSP, uma realização do Programa Esquizofrenia – PROJESQ IPQ HC FMUSP e do CEIP – Centro de Estudos do Instituto de Psiquiatria.
Na comissão organizadora estavam Hélio Elkis e Mario Louzã, autores que a presente pesquisa fará posteriores referências bibliográficas.
Na Mesa 1: “Pródromo e 1º Episódio”, com o subtítulo “Período prodrômico e identificação do primeiro episódio psicótico” participaram o médico Pedro Gordon e as psicólogas Paula Martins e Priscila Gonçalves.
O período prodrômico foi chamado de “janela de oportunidades”, pois é o período em que uma intervenção imediata pode diminuir possíveis riscos e prevenir maiores danos que uma psicose talvez acarrete.
Os palestrantes informaram a duração de uma psicose não tratada, que abarca um primeiro período de episódio agudo, episódio psicótico, seguido de um segundo período, o crítico. E definiram a síndrome de psicose atenuada que possui como característica os delírios, as ideias deliróides e as alucinações.
No relato de um caso clínico, os autores acrescentaram que no período prodrômico os sintomas psicóticos estão atenuados, entre esses foram relatados que o paciente apresentava persecutoriedade infundada, porém com crítica, alterações da percepção do ambiente, alterações formais do pensamento e pseudoalucinações auditivas, mas mantinha a crítica.
Após mencionarem que havia alto risco para psicose, acrescentavam-se outros fatores como risco genético, queda do desempenho funcional e redução do funcionamento global.
Foi destacada a importância da identificação dos sintomas prodrômicos: evitar as quantidades e a ocorrência de um segundo episódio psicótico.
No entanto, no caso relatado houve um primeiro episódio que foi chamado de “Psicose Franca” em que o paciente apresentou perda da crítica com relação às alucinações e perda da crítica também referente às ideias de persecutoriedade e auto referência, além de apresentar comportamento hostil.
A seguir, houve remissão após o primeiro episódio, remissão dos sintomas, reaparecimento da crítica, mas com persistência dos sintomas cognitivos, acrescido de um episódio depressivo. Por fim, o paciente apresentou uma recuperação funcional, voltou às suas atividades físicas, as sociais e apresentou um bom desempenho laboral.
Com o subtítulo “Cognição e funcionamento social”, as psicólogas expuseram que as alterações cognitivas estão presentes desde os sintomas prodrômicos, bem como o prejuízo funcional e as dificuldades sociais.
As expositoras mencionaram que para a avaliação do funcionamento social contam com os seguintes recursos: GAF – Escala de Funcionamento Global (DSM – IV) e a PSP – Escala de Performance Social e Pessoal (Menezes e cols. 2012) que avaliam as atividades sociais úteis e as relações pessoais, como por exemplo, o cuidado.
Outro recurso psicológico disponível é a Avaliação Neuropsicológica, que inclui testes que avaliam a organização cerebral, particular de cada paciente, medem-se as funções cognitivas, executivas (relacionadas ao planejamento), os processos atencionais, a praxia construtiva, a linguagem e os processos mnêmicos.
Traçou-se o panorama do atendimento na rede pública, destacando as intervenções economicamente viáveis, que os testes não padronizados são limitadores e que os Centros de saúde inserem a rotina de avaliação neuropsicológica. Também se deu importância à habilitação.
Sob o tópico “Prevenção de recaída após o 1º episódio psicótico: orientação familiar”, as autoras disseram que as recaídas interferem no funcionamento social e vocacional. Como fatores de risco de sintomas psicóticos apontaram a medicação, a dependência de substâncias e as críticas de cuidadores ou “emoção expressa”.
As técnicas de prevenção consideradas foram a psicoeducação, a orientação familiar, as estratégias cognitivo-comportamentais e planos individualizados para gerenciamento de crises.
Destacou-se quanto à orientação familiar e à psicoeducação, a importância de explicar o que é a doença, qual seu curso e expectativas, bem como entender como se dá o relacionamento familiar e a perplexidade da família e orientá-la que, em geral, a doença tem curso crônico, mas, pode ocorrer remissão completa ou parcial dos sintomas com o tratamento medicamentoso, o que pode significar um melhor prognóstico.
Tratar o paciente inclui o acolhimento das angústias do cuidador, e também os sentimentos de raiva, frustração e culpa, enfatizando que é necessário respeitar as limitações iniciais, mas sempre promovendo estimulação para o retorno das possibilidades e habilidades do paciente.
Como benefícios da orientação familiar, mencionou-se o aumento da adesão ao tratamento e a melhor capacidade de enfrentar as situações cotidianas.
Sob o tema “Tratamento”, Mario Lousã apontou dois objetivos: timing e qualidade. Quanto ao primeiro, refere-se à redução do tempo em iniciar o tratamento, e o segundo, à provisão de um tratamento abrangente.
O palestrante mencionou que se busca o máximo efeito terapêutico com mínimo efeito colateral. Advertiu que no início do tratamento, os médicos devem prescrever baixa dose de antipsicóticos, com aumento lento e gradual, se houver agitação administrar também um benzodiazepínico.
Orientou os médicos ainda que se a resposta for suficiente, eles devem verificar as razões, se for insuficiente, devem optar pela clozapina. Acrescentou que a medicação injetável de longa ação é prescrita em caso de má adesão ao tratamento. E por fim, afirmou que se o paciente não responde a dois antipsicóticos é refratário.
Ainda na Mesa 1, sob o tópico “Abordagens psicossociais”, mencionou-se a importância do tratamento no “período crítico” com fármacos e as intervenções psicossociais.
Foi acrescentado que o fim da adolescência e início da idade adulta marca um período em que, geralmente, ocorre a eclosão de vários quadros psiquiátricos inclusive a esquizofrenia.
Destacou-se também que o efeito colateral da medicação pode ser a lentificação ou apatia – sintomas negativos.
Na Mesa 2: “Múltiplos episódios e pacientes não aderentes, recaídas e seu manejo”, Vivian Hirode explicou que embora não haja consenso no conceito de recaída para a esquizofrenia, é importante evitar as pioras sintomáticas. E destacou que é importante a prevenção, pois as recaídas são cerebrotóxicas, proporcionam diminuição do grau e duração de remissão, piora do funcionamento, e desenvolvimento da refratariedade, além de ser sociotóxica, ou seja, ocasionam perda de integração social e vocacional.
A psiquiatra citou como fatores não modificáveis do paciente que contribuem ao mal prognóstico ser homem, solteiro e possuir deficiência intelectual. Quanto aos modificáveis que indicam comorbidade, ela mencionou o abuso de drogas, transtorno de humor e as dificuldades familiares e sociais. O tratamento apontado pela médica é o farmacocinético associado a um programa de reabilitação.
Quanto ao curso natural da esquizofrenia, a palestrante mencionou a exarcebação, baixa adesão ao tratamento, negação da doença, prejuízo no insight, disfunção sexual, sintomas extrapiramidais e discinesia tardia.
Referente aos fatores psicossociais, a médica citou a falta de suporte social, família ausente ou “desestruturada”, ambiente desfavorável, desemprego, rede de apoio reduzido, uso de substâncias e preconceitos.
Ao destacar os objetivos do tratamento a psiquiatra mencionou a melhora da qualidade de vida e a reinserção na sociedade e que o tratamento farmacológico é contínuo e os antipsicóticos atípicos devem ser administrados sempre que possível.
Sob o tema “Manejo da falta de adesão ao tratamento”, o psiquiatra Ivson Tassell disse que apesar de demandar tempo, deve-se fazer a contagem da medicação e a dosagem do nível sérico. A opção então é a medicação de depósito, melhoram a adesão e promovem menor flutuação do nível. Porém, a desvantagem é que os pacientes não gostam de tomar injeção, pois são dolorosas.
Depois a psicóloga Elaine Di Sarno falou sobre Orientação familiar nas recaídas e falta de adesão e mencionou que o ambiente familiar pode representar uma sobrecarga de emoções expressas, que são críticas e comentários com tonalidade crítica, negatividade e hostilidade.
Na Mesa 3: “Esquizofrenia refratária e super-refratária”, sob o título “O que é esquizofrenia refratária e como identifica-la”, a psiquiatra Belquiz Avrichir explicou que o tratamento é refratário quando resiste a antipsicóticos que não à clozapina. Segundo a médica, nesses pacientes é maior o número de internações e as taxas de suicídio, apresentam uma pior qualidade de vida, maior gravidade psicopatológica, maiores perdas cognitivas e altos custos financeiros e sociais. Mas, é necessário checar se o paciente não é aderente ao tratamento.
Destacando a diferença entre cronicidade e refratariedade, a palestrante mencionou que, a primeira, relaciona-se com o tempo e a persistência dos sintomas. Quanto à segunda, não há relação com a psicopatologia, nem com o tempo, mas com o resultado, o paciente só responde à clozapina.
Com o tema “Como tratar a esquizofrenia refratária”, a médica psiquiatra Monica Kayo mencionou o IPAP que é o Algoritmo para o tratamento da esquizofrenia. Acrescentou que os quatro principais fármacos utilizados no tratamento da esquizofrenia são: amisulprida, olanzapina, clozapina ou ziprazidona. A médica explicou que a remissão ocorre quando é mantida a sintomatologia em nível leve e com bom funcionamento.
Sobre a clozapina, explicou que foi descoberta em 1958 e comercializada em 1970, mas que foi interrompida devido a mortes por glanulocitose. E que mesmo os antipsicóticos de 2ª geração todos são bloqueadores D2, mas nenhum possui a eficácia da clozapina.
A olanzapina e a clozapina apresentam maiores riscos metabólicos, como a irrupção de diabetes. A médica advertiu que se deve evitar a retirada da clozapina, pois pode resultar no rebote colinérgico – náusea, diarreia, agitação e uma psicose sem volta.
Com o tema “O que é esquizofrenia super-refratária e como tratá-la”, o palestrante Hélio Elkis disse que a clozapina mantém os pacientes longe da internação e mencionou que a esquizofrenia super-refratária ocorre quando há resistência ou resposta parcial ou incompleta à clozapina e citou seu livro Therapy – resistent schizophenia.
Também reforçou que não se deve suspender a clozapina devido ao risco de psicose por rebote colinérgico. E se não houver melhora o médico deve associar ECT (eletroconvulsioterapia) ou CMT com TCC (Terapia Cognitivo Comportamental).
Na Mesa 4: “Papel das intervenções psicossociais na reabilitação e reintegração”, com o tema Terapia ocupacional, a terapeuta Adriana Vizzotto, mencionou atividades do cotidiano na reabilitação de pacientes esquizofrênicos. Com esquizofrênicos refratários atividades cognitivo-funcional, higiene e autocuidados e atividades básicas e instrumentais de vida diária.
Foram citadas pela terapeuta métodos de treino de habilidades como aprender a estabelecer e alcançar metas, as realizações de tarefas e monitoração dessas com fichas avaliadoras do funcionamento executivo que dizem: pare e pense – defina as metas – planeje – execute – avalie, fichas que trabalham a iniciativa, a persistência, o sequenciamento e o monitoramento.
Com o tema “Reabilitação Cognitiva”, a psicóloga Marisa Crivelano citou de acordo com Kraepelin, que na esquizofrenia pode haver prejuízos cognitivos e esse serviço de psicologia se propõe a oferecer a reabilitação cognitiva, às vezes por meio de softwares ou métodos de repetição com treinos de cálculos.
Outra psicóloga Graça Maria R. de Oliveira discursou sobre o tema “Treinamento de habilidades sociais”, destacando a importância da socialização no desenvolvimento da criança. Mencionou também que os comportamentos que emitimos quando estamos em relação influenciam nossos sentimentos, atitudes, desejos e opiniões ou direitos individuais.
A psicóloga destacou a importância de impor-se em situações sociais defendendo seus próprios interesses, o que favorece a construção de relacionamentos e a necessidade de ser capaz de dizer não. E apresentou técnicas e conceitos da TCC – Terapia Cognitivo Comportamental.
E mais especificamente sob o título “Terapia Cognitivo Comportamental”, a psicóloga Isabel Napolitano, apresentou um relato de caso com filmagem da paciente e técnicas dessa abordagem psicológica.
Na palestra de “Encerramento”, os psiquiatras Mário Louzã e Hélio Elkis enfatizaram a importância de um tratamento com identificação precoce da psicopatologia, tratar o 1º episódio rigorosamente pela “janela de oportunidades”.
Aos médicos foi destacado que é necessário introduzir a clozapina rapidamente, evitar politerapia, ou seja, polifarmácia de antipsicóticos. Propiciar um tratamento de manutenção contínuo, sem a interrupção do antipsicótico. Estar atento à adesão do paciente. Utilizar antipsicóticos injetáveis de longa ação. Cuidar das comorbidades físicas e mentais e dos efeitos colaterais dos medicamentos, bem como da depressão e possível uso de drogas.
Os palestrantes finalizaram o Simpósio destacando que se devem utilizar todos os recursos e abordagens psicossociais e manter uma postura otimista cautelosa perante o paciente e sua família e assim evitar que ocorram as “profecias autorrealizadoras”.
A assistência a esse Simpósio agregou preciosas informações médicas e técnicas. No entanto, mostrou a ausência, ou melhor, inexistência de um psiquismo na psicopatologia ainda que também psiquiátrica.
Ainda outra atividade importante para a presente pesquisa foi uma visita da pesquisadora à Instituição Lugar de Vida.
O Lugar de Vida é um Centro de Educação Terapêutica que atende crianças e adolescentes com problemas psíquicos, entre esses os Transtornos Globais do Desenvolvimento (autismo e psicoses infantis) e atua no tratamento e acompanhamento escolar desses sujeitos.
A instituição Lugar de Vida[1] iniciou suas atividades em 1990 como serviço do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (PSA-IPUSP). Fundado por Maria Cristina M. Kupfer, docente daquele departamento, e dirigido também naquela ocasião por Lina G. Martins de Oliveira e por Marize Lucila Guglielmett.
A fundadora do Lugar de Vida, Maria Cristina M. Kupfer cursou Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Brasil, (1974) e mestrado e doutorado em Psicologia escolar nessa mesma instituição. Maria Cristina M. Kupfer é editora da revista Estilos da Clínica (USP) e além de ser autora de diversos livros e numerosos artigos publicados em revistas indexadas é também membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental[2].
Inicialmente o Lugar de Vida oferecia atendimento apenas a crianças. Após cinco anos de trabalho a partir de sua fundação passou a chamar-se Pré-escola terapêutica Lugar de Vida, na qual se iniciou a prática da Educação Terapêutica que tem como objetivo não apenas tratar, nem apenas treinar, mas sim, tratar e educar.
O Lugar de Vida permaneceu na USP durante 18 anos, mas devido às demandas de atendimento, ampliou suas atividades e atende diversas classes socioeconômicas e diferentes tipos de sofrimentos psíquicos.
Entre os tratamentos oferecidos pela Clínica do Lugar de Vida estão os Grupos de Educação Terapêutica, que seguem as mesmas bases do tratamento psicanalítico individual, porém com os princípios de que o encontro da criança com outras crianças num grupo heterogêneo e com um foco que inclua a escrita e os jogos, proporciona um abrangente resultado educativo e terapêutico.
Outra modalidade de atendimento oferecida pelo Lugar de Vida é o tratamento psicanalítico individual que busca a organização ou reorganização da imagem corporal que se encontra perturbada nos casos dos transtornos de desenvolvimento, a instituição ou enriquecimento do mundo da fantasia e do brincar, a instituição do mundo das regras e das leis e a ordenação da relação da criança com a linguagem e com o outro.
O Núcleo de Intervenção na Primeira Infância (NIPI) é outra criação do Lugar de Vida e visa a Intervenção Precoce atuando no acompanhamento pais-bebê, além de fornecer assessoria a equipes que trabalham com a primeira infância como creches, escolas, hospitais, etc.
Outra forma de atendimento que o Lugar de Vida oferece é o Acompanhamento escolar. Segundo a visão do Lugar de Vida, a educação é uma ferramenta terapêutica e a escola é entendida como discurso social, que oferece à criança as leis que regem as relações entre os humanos.
Há três modalidades de acompanhamento escolar. A primeira é o Acompanhamento à distância, uma parceria entre a escola e a instituição de tratamento, em que o profissional do Lugar de Vida vai à escola oferece um espaço de escuta e de interlocução com o professor e outros membros da equipe, mas não entra na classe nem intervém diretamente com a criança.
A segunda modalidade de acompanhamento escolar é o Acompanhamento de professores inclusivos por meio de reuniões mensais na sede do Lugar de Vida através do Grupo Ponte, cujas reuniões são abertas e ocorrem sempre na terceira terça-feira de cada mês. A pesquisadora teve a oportunidade de estar presente em um desses encontros como convidada.
Tratou-se de uma reunião de professores realizada no dia 27/11/2012 sob a direção de Maria Eugênia Pasaro e Marise Bartolozzi Bastos em que, primeiramente, os participantes fizeram uma breve apresentação de si. Logo, iniciou-se o relato de alguns “casos” de acompanhamento com preciosas contribuições de comentários das dirigentes da reunião.
Considerou-se, por exemplo, que a escola, os professores e também os alunos devem envolver a criança para que ela se envolva. Pois, talvez assim os projetos pedagógicos tenham mais êxito, se a criança se sentir convocada a participar e se perceber como parte integrante do grupo.
Destacou-se também que o nome inclusão já marca a existência de uma segregação e o importante papel do Lugar de Vida como um espaço terapêutico em que o atendimento e procedimento respeitam a individualidade e a singularidade. Outro ponto importante é a necessidade de investimento da escola para pensar a inclusão, ou seja, os esforços para superar preconceitos e limitações.
A inclusão surge como um caminho a ser construído com a criança, a escola, os pais e o espaço terapêutico, pois não há uma cartilha pronta, os desafios precisam ser lidados a partir da experiência.
Uma terceira forma de acompanhamento escolar é a parceria orgânica com a escola, em que o profissional vai à escola com regularidade, permanece no pátio, entra na classe, acompanha os movimentos, trabalha com a criança e ao lado da professora quando necessário, e ao fim do dia discute com a professora e a orientadora as experiências e práticas vividas em conjunto.
A Associação Lugar de Vida incrementou sua montagem institucional de tratamento às psicoses infantis com a inserção do Acompanhamento Terapêutico (AT) como dispositivo de tratamento.
Tal passo realizado pela instituição está em conformidade com a proposta de Kupfer (2000), ao incluir no debate sobre a educação a contribuição da psicanálise. Desse modo, a autora, entre outras reflexões, problematiza a educação como oferta de laço social para crianças com graves comprometimentos emocionais, a ponto, inclusive, de sustentar uma aproximação da noção de sujeito do inconsciente frente a essa oferta de laço, ao invés de tomar essas mesmas crianças como objeto colocado frente ao outro. (HERNNAM, 2010)[3]
Visto que para muitas crianças e adolescentes com grande sofrimento psíquico, a circulação pelos espaços da cidade e o contato com outras pessoas são vividos como experiências invasivas e ameaçadoras, faz-se necessária a construção do laço social e da inserção social, então o AT oferece a possibilidade de estar com a criança em lugares externos à instituição de tratamento, como a escola, parques, shoppings, ruas ou até mesmo em casa. No entanto, a configuração do acompanhamento será construída de acordo com os interesses, possibilidades de cada criança e do momento em que esta se encontra.
Outro diferencial no tratamento clínico do Lugar de Vida é o atendimento aos pais. Cada criança e sua família possuem um profissional da equipe, chamado de “profissional referência”, que é o elo entre as questões e demandas da criança e sua família e a construção de um projeto clínico particularizado na instituição. Há o Grupo de pais que fazem parte de um encontro semanal em que são abordadas as circulações discursivas sobre as crianças.
Além disso, há os Eventos temáticos e sociais que são ocasiões importantes para o encontro informal entre os pais, os profissionais da equipe e os convidados externos à instituição em que podem ocorrer através de palestras com temáticas diversificadas, exibição de filmes e outras atividades culturais.
Por fim, há o atendimento fonoaudiológico às crianças com dificuldades de fala e linguagem atendidas na instituição. O trabalho é realizado com a montagem da cena de alimentação, e as crianças são convidadas a participar de todo o processo, desde a escolha, a preparação dos alimentos e seu cozimento até, finalmente, o momento de sentar-se à mesa para compartilhar uma refeição.
Convém considerar ainda a importante posição do analista diante do tratamento de uma criança psicótica, pois tal questão,
parece relevante quando se considera a complexidade que a psicose infantil implica, e que na prática faz surgir um mal entendido: analista e/ou educador? Se de um lado, está colocada a problemática em termos da ética dos profissionais, especialmente atualizada com a política de inclusão, de outro, está a criança que sofre e é nome dela que se justifica tal discussão. (...) tais impasses evidenciam um mal estar. E Freud no ensina que, diante do mal estar, a psicanálise não deve recuar. (GAVIOLI, 2006)[4]
A prática clínica renova a teoria e movimenta um repensar, além de acrescentar novas descobertas.
Portanto a educação terapêutica pode atuar unida ao trabalho da criança psicótica e do seu analista.
A participação da aluna pesquisadora na assistência à palestra “Transtornos psiquiátricos na infância e na adolescência”, no dia 07/12/2012 no Hospital das Clínicas HCFMUSP, também foi relevante para a presente pesquisa.
O psiquiatra Miguel Ângelo Boarati informou que os transtornos mentais atingem cerca de 20% das crianças e adolescentes e são mais comuns na infância com relação à adolescência. Nesse período o córtex pré-frontal está em desenvolvimento e as influências genéticas e ambientais são fatores de pré-disposição.
O desenvolvimento da criança envolve os aspectos físicos, cognitivos, emocionais e sociais. E os transtornos mentais podem implicar alterações no pensamento, nas emoções, no comportamento, nos relacionamentos e no desenvolvimento da criança ou adolescente.
Segundo o médico, os transtornos mentais podem resultar em retardo mental, autismo, alterações da psicomotricidade, da linguagem e dificuldades de aprendizagem, além de alterações no apego – capacidade de se vincular, problemas de excreção e alimentação, hiperatividade, alterações na conduta, ansiedade e depressão.
Quanto à avaliação e o tratamento, foi indicado que são necessários profissionais especializados e que se deve considerar a criança e sua história, ou seja, os pais que a criam, onde ela vive e a escola que estuda. O tratamento pode ocorrer somente após avaliação completa e com o objetivo da remissão dos sintomas e possibilidade do desenvolvimento potencial da criança.
Sob o título “Instituto de psicologia e neuropsicologia”, psicólogas mencionaram a importância do tratamento interdisciplinar e destacaram que o objetivo da avaliação psicológica deve ser o auxílio diagnóstico, possibilidade de encaminhamento e também descobrir habilidades e potencialidades do paciente.
O tema “Terapia Ocupacional – Hdi”, destacou que a Terapia Ocupacional pode melhorar os aspectos pessoais, funcionais e sociais, pois possibilita a realização de atividades do cotidiano, como tarefas de cuidados pessoais, alimentação e higiene, também se oferecem os Grupos de Jogos e Brincadeiras (brinquedoteca). Esclareceu-se que o objetivo é favorecer a autonomia do paciente.
O último tema considerado “Impacto dos transtornos mentais no aprendizado”, a professora Vanessa R. S. Pereira mencionou que o atendimento pedagógico da Classe Hospitalar, identifica as necessidades educacionais, as estratégias de ensino e avaliação, mantém vínculo escolar, currículo flexibilizado, assessoria às escolas quanto à inclusão e propicia o retorno escolar se necessário.
A professora também apontou que muitos jovens adquirem rótulos de preguiçoso, mal educado, etc. Destacou a importância do diálogo, do incentivo à autonomia da criança ou do adolescente, da criação de horas de estudo, de evitar críticas negativas, mas motivar com reforços positivos, não permitir faltas, favorecer a utilização e orientação para uso da internet, bem como incentivar atividades culturais.
Certamente, tais informações foram importantes para a compreensão do laço social do paciente com a escola e a necessidade do fortalecimento desse vínculo, bem como da elaboração da “educação terapêutica” como proposta de intervenção.
Quanto às experiências clínicas relacionadas ao tema da pesquisa, houve a possibilidade de realizar em maio e junho de 2012 o Estágio Básico da grade curricular da PUCSP no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Tal estágio foi realizado na enfermaria de Ansiedade e Depressão em que se atendem desde casos de neuroses graves a psicoses, às vezes, como precaução para a troca de medicamentos. Os residentes médicos discutiam seus casos clínicos com um médico supervisor que os orientava e em algumas ocasiões os residentes levavam os pacientes para entrevista.
Observar como alguns médicos abordam e analisam o sofrimento dos pacientes tem sido uma rica experiência que traz uma reflexão crítica. O método “objetivo” de alguns médicos com o discurso, muitas vezes, restritamente direcionado aos aspectos físicos e químicos como, por exemplo, sintomas e medicações, enfatiza a necessidade de um pensar sobre o sofrimento psíquico e a importância de um tratamento que leve em conta também a subjetividade.
E uma experiência que concretizou tal necessidade, foi realizada pela pesquisadora no atendimento voluntário a pacientes psicóticos em um Grupo terapêutico na Casa de Saúde São João de Deus.
A Casa de Saúde São João de Deus[5] pertence à Ordem Hospitaleira que é uma Ordem Religiosa laical masculina da Igreja Católica, fundada por São João de Deus na Espanha e aprovada canonicamente em 1572.
A Casa de Saúde São João de Deus foi fundada no Brasil devido à necessidade, na década de 80, de um atendimento especializado em saúde mental ao público masculino. Então, o Cardeal e Arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns convidou aos Irmãos da Ordem Hospitaleira para viabilizarem o projeto.
O contato e conhecimento da Casa de Saúde São João de Deus foram realizados através do psicólogo coordenador do setor de Psicologia José Waldemar Thiesen Turna, que fez parte do Laboratório de Psicopatologia Fundamental e publicou sua dissertação de mestrado Palavras em torno do copo em www.psicopatologiafundamental.com.br, e havia convidado os membros do Laboratório a participarem da apresentação de paciente na Casa de Saúde para uma discussão de caso.
Posteriormente, a pesquisadora expressou seu desejo em estar presente na próxima apresentação de paciente. Então, José Waldemar mencionou a possibilidade de realização do trabalho voluntário de atendimento na Casa de Saúde.
Após uma conversa de apresentação e contrato verbal e depois escrito, a pesquisadora iniciou o atendimento voluntário sob a supervisão de Manoel Tosta Berlinck e coordenação de José Waldemar Thiesen Turna.
Essa experiência, que será relatada em um capítulo da atual pesquisa, possibilitou viabilizar um tratamento que considera e valoriza a subjetividade, as supervisões com o professor Manoel Tosta Berlinck e as conversas com José Waldemar Thiesen Turna proporcionam um espaço para a reflexão da atuação clínica e formação profissional da pesquisadora e contribui para reflexões sobre a presente pesquisa.
A pesquisadora esteve presente na apresentação de um paciente esquizofrênico no dia 20/04/2013, na Casa de Saúde São João de Deus. E José Waldemar Thiesen Turna esclareceu que o público está no lugar de Terceiro, não ocupa o lugar de troca nem de participação durante a apresentação, mas fornece seu olhar como atmosfera ao sujeito. Mencionou ainda que o lugar ocupado sem interlocução é o lugar do delírio e que a apresentação de paciente não é demonstração.
O paciente apresentado foi R. de 25 anos que começou dizendo que Deus é seu pai, acrescentou que Jesus falava em parábolas e que ele (o paciente) fala em dialetos, e sua nacionalidade revelada por Jesus é brasileira – portuguesa. E acrescentou: “Deus me disse que eu sou o que sou” (sic).
Após mencionar, entre outras coisas, que ele e sua mãe vivem em comunhão perfeita no espírito santo, que seu corpo morre e que sente a morte do corpo através de uma sensação horrível pior do que cãibra, o paciente relatou que não consegue trabalhar e estudar e já teve cinco tentativas de suicídio. Disse também que aquele momento em que conversava com José Waldemar era dádiva do espírito santo, um momento de expiação, mas que ele já estava muito cansado, pois pensou muito e se despediu.
Depois da despedida e saída do paciente, José Waldemar perguntou qual a impressão dos analistas sobre a apresentação desse caso. As pessoas disseram que o paciente apresenta um pensamento claro, mas que às vezes é difícil entendê-lo devido à sua voz “pastosa”, provavelmente efeito da medicação e que lhes chamou atenção que ele estava cansado porque pensou muito, mas que percebeu que todos estavam cansados e esgotados.
José Waldemar mencionou que o esforço para simbolizar é o que cansa e que na simbolização inclui-se o simbólico, o imaginário e a realidade. Destacou, entre outras coisas, que o delírio místico do paciente é muito complexo e relaciona-se ao Terceiro, o pai, e o espírito santo. Acrescentou que a metáfora delirante o explica, ele já esteve na posição de Javé (eu sou o que sou), posição do Nome-do-pai. Esclareceu que o suporte da linguagem do paciente é o pensamento e que ele usa o significante diferentemente do uso na neurose.
Ainda relacionado a esse tema, José Waldemar destacou que a fala, o discurso expressa o modo como nos servimos da linguagem para sustentar o mundo e, no caso apresentado, o paciente é servido por dialetos – línguas mortas.
Por fim, quanto ao laço social no caso desse paciente, José Waldemar esclarece que está rompido, pois não há vínculo com o trabalho e o estudo.
Estar na posição de Terceiro como expectadora e como testemunha do discurso do paciente, permitiu à pesquisadora observar na prática a relação peculiar do esquizofrênico com a linguagem e sua complexa relação materna, e no segundo momento, na discussão, pode participar da troca de impressões e reflexões que enriqueceram o encontro.  
Outra atividade importante para essa pesquisa e iniciada em fevereiro de 2013, vigente durante esse semestre e que terá continuidade no seguinte semestre letivo, é a participação na monitoria de Psicanálise em Freud com a professora Paula Perón.
Nessa atividade, a pesquisadora participou com a leitura de textos de Freud, a assistência de aulas lecionadas por diversos psicanalistas e também em atendimentos a alunos da graduação para discussão e esclarecimentos de dúvidas sobre os textos da grade curricular de Psicanálise em Freud I e III (cronograma da monitoria em anexo).
Tais oportunidades permitiram um aprofundamento nas obras de Freud que serviram de base para pesquisar outros textos como os metapsicológicos e os relacionados às psicoses e, mais especificamente, à esquizofrenia.
Além disso, os textos de Freud selecionados para a monitoria suscitaram na pesquisadora perguntas relacionadas ao tema da esquizofrenia, em que algumas foram incorporadas a esse trabalho de pesquisa.
Ainda outra atividade importante, desta vez cultural, realizada no dia 26/06/2013 foi uma visita ao Museu Lasar Segall com os pacientes da Casa de Saúde São João de Deus e com dois outros coordenadores, Ilíada e Raul e duas enfermeiras.
As educadoras do museu Ana Luisa e Branca Helena realizaram uma conversa inicial sobre o Museu e a trajetória de Lasar Segall. Os pacientes participaram ativamente com perguntas e comentários. Um dos pacientes havia feito uma excelente pesquisa em um livro de História da Arte que encontrou no Hospital e fez ótimas contribuições.
Na sequência, após a visita à exposição Segall Brasil 1913-2013 - 50 obras do acervo, os visitantes apreciaram as obras livremente e foi proposta uma atividade empregando disquetes como máquinas fotográficas cuja memória fica armazenada na mente do visitante.
Terminada esta etapa, todos se dirigiram ao ateliê onde a proposta poética foi que as “fotografias” fossem reveladas por meio de colagem e pintura. Todos participaram e pediram para serem fotografados.
As atividades foram finalizadas com a Ana Luiza elogiando muito os pacientes e convidando-os para outra visita, no próximo semestre quando o museu organizará uma nova exposição. Também, o Museu presenteou o Hospital com dois livros sobre o artista e um quebra-cabeça que reproduz a pintura "Navio de Emigrantes", obra analisada no museu.
Os pacientes apreciaram muito e se expressaram com um “OBAAA! Manifestação totalmente pacífica!” (sic).
Essa atividade foi relevante, pois dois dos pacientes que fazem parte do grupo Terapêutico de Reflexão ao qual a pesquisadora participou como coordenadora, estiveram presentes e expressaram seus vínculos com a pesquisadora através de abraços, o que sem dúvida é para a pesquisadora uma recompensa por todo o trabalho desenvolvido durante o período dessa pesquisa.
Por fim, na mesma semana da atividade cultural de visita ao Museu Lasar Segall, a pesquisadora esteve presente também na palestra: “Íntimas utopias. Processos psicóticos, arte e clínica” com Jean-Claude Polack na PUC-SP.
Jean-Claude Polack nasceu na França em 1936, é psiquiatra e psicanalista. Trabalhou doze anos ao lado de Jean Oury e Félix Guattari na Clínica de La Borde, na experiência criadora da psicoterapia institucional francesa, tendo produzido obras de referência para a clínica da psicose. Foi também apoiador de uma associação de usuários de serviços de saúde mental. E editor-chefe da revista Chiméres, fundadas em 1987 por Félix Guattari e Gilles Deleuze.
Jean-Claude Polack proferiu no dia 24/06/2013, a conferência introdutória “Íntimas utopias: processos psicóticos e a clínica” em que destacou os âmbitos do poder, da economia e da política relacionados à loucura, aos quais fez referência à Foucault e destacou o lucro com a doença no capitalismo.
O conferencista mencionou a revolução com a reforma psiquiátrica, o papel da mídia e o discurso passional reivindicativo, bem como a alienação social e mental atuais.
Nesse dia, houve lançamento do livro de Jean-Claude Polack “A íntima utopia: trabalho analítico e processos psicóticos” (n-1 Edições).
E a palestra de encerramento no dia 26/06/2013, “Entre psicanálise, psicoterapia institucional e esquizoanálise” foi uma aula aberta de Jean-Claude Polack, em que o palestrante destacou que no tratamento da esquizofrenia o psicanalista precisa sair do ortodoxo da psicanálise – divã e uso da palavra para interpretar o paciente, mas enfatizou a necessidade de valorizar os modos de encontro, ou seja, as modalidades concretas da transferência. Acrescentou que a esquizoanálise é pragmática e propôs o termo “Pragmanálise”, além de informar que a esquizoanálise não é uma anti-psicanálise.
Essa palestra encerrou a sequência da série de atividades acadêmico-culturais nas quais a pesquisadora mergulhou e explorou com muito entusiasmo.
Quanto aos objetivos alcançados, pode-se afirmar que a partir da consulta aos livros e manuais psiquiátricos e a participação nas atividades acadêmico-culturais, foi possível reunir conhecimentos técnicos que possibilitam uma explicação do fenômeno da esquizofrenia.
Também foi possível assimilar conhecimentos subjetivos que auxiliaram na compreensão da esquizofrenia por meio da revisão bibliográfica das obras de Freud, da psicanálise e da Psicopatologia Fundamental, bem como por meio das aulas do professor Manoel Tosta Berlinck e palestras de psicanalistas.
Não houve nenhuma dificuldade significativa quanto à realização da pesquisa. E quanto às alterações sobre o trabalho original, na verdade, foram acréscimos. Adicionou-se ao projeto a contextualização histórica da esquizofrenia e o diálogo entre a Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana. E com relação às atividades práticas, soma-se a experiência clínica de atendimento na Casa de Saúde São João de Deus que tem possibilitado a observação e a vivência de estar em contato pessoalmente com os pacientes e não apenas com a proximidade do referencial teórico. Além disso, na conclusão da pesquisa é apresentada uma proposta de intervenção clínica - o ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos, em resposta às demandas de alguns pacientes e como uma possibilidade de estabelecimento de vínculo, laço social com os pacientes esquizofrênicos.
























Segunda Parte: Relatório Científico

Introdução
A Psicopatologia Fundamental foi criada há mais de trinta anos por Pierre Fédida na Université de Paris 7 – Denis Diderot, e distingue-se da Psicopatologia Geral fundada por Karl Jaspers.
Enquanto a Psicopatologia Geral empenha-se por ser objetiva na descrição das doenças mentais, a Psicopatologia Fundamental resgata a subjetividade, considera o inconsciente e a singularidade do sujeito. Além disso, é um discurso (logos) que inclui e estabelece diálogo com a psiquiatria, a psicanálise, a sociologia, a arte, a filosofia e a psicologia.
Em 1995, fundou-se o Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em que os pesquisadores estudam o tratamento e a prevenção do sofrimento psíquico.
Os pesquisadores que compõem o Laboratório, ou seja, os pesquisadores de Iniciação científica, os mestrandos, doutorandos, pós-doutorandos e clínicos, ouvem comentários sobre seus textos entre si e também do Diretor do Laboratório. Ainda que variem os temas pesquisados, há o tema base: a Psicopatologia Fundamental.
Para relacionar a Psicopatologia Fundamental com a esquizofrenia, convém observar que Minkowski (1972) propõe a noção de “perda de contato vital com a realidade” relacionando-se com os fatores irracionais da vida, e “visa a essência da personalidade viva, em suas relações com o ambiente” (p.133).
Muñoz (2010, p. 88) menciona que o laço social na psicose possui fragilidades e riscos e que o clínico deve “incentivar formas de estar no mundo que não forcem o sujeito a uma ruptura ou a uma exclusão”.
A lógica da estrutura clínica psicanalítica com as psicoses nos faz notar que, apesar de estranhas, as esquisitices são também eficazes estratégias de sentido. Esse aprendizado, nas palavras de Guerra (2010, p. 11), “nos desloca de uma posição histórica e culturalmente preconceituosa que construímos ao longo de nossas vidas.” (o grifo é nosso).

A razão da escolha do tema Esquizofrenia e Laço Social sob a perspectiva de Freud gira em torno da proposta de absorver e construir um trabalho teórico que visa entender por que o diferente é muitas vezes rejeitado. Também, por que é feita a relação entre saudável e “normal”, e doente e “anormal”?
A subjetividade e a objetividade possibilitam, respectivamente, a compreensão e a explicação do fenômeno, para os quais a Psicopatologia Fundamental tem muito a contribuir, especialmente com relação ao pathos.
Segundo Berlinck (2008, p.18) “Além de sofrimento, de pathos deriva-se, também, as palavras “paixão” e “passividade” (...) algo da ordem do excesso”. De acordo com esse autor,
Aquilo que denominamos contemporaneamente de loucura pode, perfeitamente, ser constituído por manifestações tradicionais do eu que hoje são consideradas irracionais;
A concepção de que a loucura é um excesso, uma paixão que ocupa o eu e que é uma desmedida, é uma importante invenção que coloca o eu numa perspectiva histórico-cultural; (Ibid., 2008, p. 171).

Assim, aspectos sociais, históricos e culturais mostram influência na interpretação das psicoses, e especialmente da esquizofrenia.
 Quanto ao delírio psicótico, Freud (1911, p.95 e 102) afirma que é “uma tentativa de reconstrução”, de ”restabelecimento”. Em outras palavras, para Freud os delírios são uma tentativa de cura.
 Portanto, levando em conta os aspectos influenciadores acima citados, elabora-se o seguinte problema de pesquisa: qual a relação do sujeito esquizofrênico com o laço social? Ou seja, como pensar a condição humana do esquizofrênico frente aos outros humanos? Dessa questão principal decorre outra: quais ligações possíveis na esquizofrenia?









Objetivos

O objetivo da atual pesquisa é analisar e refletir sobre a (im)possibilidade de laço social na esquizofrenia. Haverá uma contextualização histórica dessa psicopatologia. Será estabelecido um diálogo entre a Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana e se relacionará o laço social da perspectiva freudiana com uma breve experiência clínica vivida pela pesquisadora com pacientes esquizofrênicos em um grupo de reflexão.  Por fim, se proporá o ensino de língua estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos.

Metodologia

O método adotado nessa pesquisa é uma revisão bibliográfica em textos das obras de Freud, de alguns autores da Psicanálise, da Psicopatologia Fundamental, da Psicopatologia Fenomenológica e da Psiquiatria. Acrescenta-se ao método uma experiência de atendimento clínico a pacientes psicóticos num Grupo Terapêutico em uma Casa de Saúde, que proporcionou uma observação prática e uma vivência do trabalho terapêutico, bem como a elaboração de uma proposta de intervenção clínica.













A evolução histórica do conceito de esquizofrenia e demência precoce
Sigmund Freud afirma no texto “Um estudo autobiográfico” que nas psicoses “os melhores temas para a demonstração de muitas asserções da análise são proporcionadas pela clínica psiquiátrica”. (FREUD, 1925[1924], p.63).
Nesse sentido, a consideração dos estudos e observações psiquiátricas a respeito da Esquizofrenia, uma importante psicose, agrega e amplia o entendimento dos caminhos percorridos por Freud acerca dessa psicopatologia. 
O que se conhece atualmente como esquizofrenia foi descrita, de forma parcial, séculos antes de Cristo em textos hindus e gregos. No entanto, as descrições específicas como nosografia psiquiátrica, surgiram somente a partir do século XIX, a princípio, com designações de “insanidade”. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 235).
Pinel descreveu casos que chamou de “idiotia adquirida”, em 1809. E Esquirol, poucas décadas depois, denominou “quadros demenciais” pacientes cuja enfermidade iniciara-se na juventude. (ibid.).
O termo démence precoce foi utilizado pela primeira vez em 1856 por Morel com um exemplo clínico, em que um paciente jovem se tornou gradativamente apático e retraído. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 235). O nome foi usado também por A. Pick (1851-1924). (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 534).
O médico psiquiatra Emil Kraepelin (1856-1926) designou de dementia praecox os quadros de catatonia e hebefrenia, descritos por outros autores, e a dementia paranoides por ele descrita. O início, aproximadamente, aos vinte anos de idade e a deteriorização da personalidade do paciente eram características desses quadros. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 235).
Como acrescenta Dalgalarrondo (2008, p. 330), Kraepelin incluia à dementia praecox as alterações da vontade como negativismo, impulsividade, etc., o embotamento afetivo, as alterações da atenção e da compreensão, as alucinações auditivas, a sonorização do pensamento entre outras.
Em 1883, Kraepelin havia começado a publicar seu manual, mas a demência precoce não foi mencionada nas primeiras três edições. A partir da quarta edição, Kraepelin incluiu nos processos degenerativos três subtítulos: Demência precoce, Catatonia e Demência paranoide, que segundo ele, têm em comum o desenvolvimento rápido de um estado duradouro de fraqueza psíquica, ou seja, a degeneração. Apesar disso, a aparência clínica destas três condições é muito diferente. O índice da oitava edição menciona 10 tipos de demência precoce. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 533-4, 537).
O psiquiatra Augustin B. Morel introduziu também o termo Hebefrenia e o conceito dégénérance, este último, tem suas raízes em ideias religiosas.
O homem perfeito, também perfeito na saúde, era o Adão, criado por Deus. Após a queda e consequente expulsão do paraíso, sua condição tornou-se imperfeita. Tornou-se inclinado ao pecado, e a condição humana e a sociedade em suas formas caminharam de mal a pior. Com isso, sua saúde degenerou. E não apenas isso, mas a doença foi passada para a geração seguinte e ao fazê-lo tornou-se pior a cada geração sucessiva, levando afinal à esterilidade e à extinção da linhagem. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 534-5).

As ideias de Morel tiveram grande impacto no pensamento europeu e foram divulgadas por Magnan (1835-1912) não mais no ímpeto do pecado e da queda da graça, mas da corrupção da vida social. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 535).
Atualmente, ainda há ideias de que as condições do mundo “estão indo de mal a pior e são causa da deterioração da saúde humana, e particularmente da saúde mental”. (ibid.)
O conceito dégénérance, mesmo na forma secularizada de Magnan sofreu modificações. Karl Jaspers (1883-1969) afirmou que Morel e Magnan entenderam intuitivamente a importância da hereditariedade e da degeneração, e a consequente diferenciação entre as psicoses endógenas e as exógenas. (ibid.)
Sob a influência de Morel, Kraepelin incluiu a hebefrenia e a demência precoce nos processos degenerativos. No entanto, Kraepelin criou seu próprio conceito de demência precoce, também sob o estímulo de Kahlbaum (1828-1899) que destacava a importância da observação do paciente ao longo da vida, o curso e resultados dos estados mórbidos. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 535-6).
Kahlbaum (1874) publicou sua monografia sobre a catatonia, que ele concebia como um transtorno neuropsiquiátrico com várias características com anormalidades motoras e estupor. A anormalidade, no tônus muscular – tonia - refere-se a um hipertônus. “A descrição desses movimentos anormais incluía o maneirismo, inquietação e estereotipias, descritos como se fossem termos neurológicos”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 536).
Além disso, Kahlbaum (1863) havia proposto uma “abordagem empírico-clínica” para a classificação, distinguiu os conceitos transversal (sincrônico) e longitudinal (diacrônico) da doença e destacou que a “essência” da doença “se encontrava em sua história natural e perfil temporal” (embora ele não esclarecesse como era a importação “ontológica” de seu uso da palavra essência). É interessante de se notar que até então “tempo” (a dimensão temporal) “não fazia parte da definição da doença psiquiátrica”. Porém, em 1863, os pontos de vista de Kahlbaum, ainda eram abstratos e “pouco continham de suporte empírico”. No entanto, Kraepelin se propôs a testá-los em sua pesquisa. (BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 131)
A pesquisa psiquiátrica de Kraepelin possui como conceito básico o naturalismo em sua concepção de homem. “Para Kraepelin, o homem não é nada além de uma parte da natureza, e nada que o homem faça é mais do que o produto da existência natural”. Nesse sentido, Kraepelin pode ser considerado um evolucionista, considera a moralidade como produto do desenvolvimento cultural e histórico, mas vinculada à sociedade humana e que desenvolve e funda as relações. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 442)
A nosologia psiquiátrica de Kraepelin relaciona-se a pressuposições filosóficas como as ideias relevantes de Kant para a psiquiatria e os movimentos neokantianos, embora Kraepelin não explicitasse claramente essa influência e discussão. (ibid. p. 435, 451)
Para Kant (1724-1804), influente na psiquiatria alemã, as desordens mentais resultariam de danos do cérebro, porém a classificação teria de se basear na faculdade da mente, a realidade-irrealidade, cuja perturbação da experiência ele denominava confusão, a disfunção do julgamento que ele chamava de ilusão e o prejuízo da razão que classificava como mania. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 506).
Quanto à questão mente-corpo, Kraepelin adotou a posição do paralelismo psicofísico. Segundo ele, há dois tipos de fenômenos: somáticos e psicológicos, que são diferentes, mas conectados, ou seja, há um paralelismo somático e psíquico. No entanto, o autor desaprovava o materialismo reducionista, pois entendia que não se tratava de uma relação causal, nem que os eventos mentais fossem idênticos aos processos neurofisiológicos. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 439)
Kraepelin mostrou uma extraordinária amplitude na compreensão das manifestações da loucura. Afirmou que além de uma possível alteração no sistema nervoso e déficits herdados de gerações passadas, fatores como condições antecedentes, história pessoal e as circunstâncias do indivíduo devem ser consideradas no diagnóstico e tratamento do paciente. (ibid. p. 458-9.)
(...) em que medida e por quais métodos clínicos podemos compreender mais claramente as manifestações da loucura? Os sintomas e sinais que correspondem aos da doença subjacente são extraordinariamente variados. Isto implica que as condições antecedentes devem ter sido complexas. Mesmo quando claros agentes externos estão envolvidos (por exemplo, um ferimento na cabeça ou envenenamento) (...) há um jogo de forças em ação: o sistema nervoso do indivíduo afetado, os déficits herdados de gerações passadas e sua própria história pessoal (...) estas condições são especialmente importantes quando se considera as formas da doença que não surgem de lesões externas, mas das circunstâncias da pessoa em causa (...) parece absurdo propor que seja a sífilis que faça com que os pacientes acreditem que são possuidores orgulhosos de carros (...) ao invés de que sejam os desejos usuais dessas pessoas refletidos nesses delírios (...) Se essas observações se aproximam da verdade teremos que buscar a chave para a compreensão do quadro clínico, principalmente nas características do paciente individual (...) suas expectativas desempenham um papel decisivo. (pp 2 – 3, tradução livre; grifos adicionais) (citação de Kraepelin (1920) extraída de BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 128).

Em seu período intermediário, quanto aos conceitos teóricos e as consequências práticas para o diagnóstico e a nosologia de Emil Kraepelin, o que mais se destaca é a separação da demência precoce (esquizofrenia) com um pobre prognóstico e a doença maníaco-depressiva e a paranoia com bom ou, pelo menos, um melhor prognóstico. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 448-9)
Visto que Kraepelin baseou seu conceito de demência precoce em um quadro clínico, a isso talvez esteja relacionado o mal prognóstico por ele associado a essa psicopatologia. Também a amostra de pacientes que possuía estava voltada à severidade e cronicidade. Os pacientes de sua clínica só podiam ser admitidos juridicamente e não se podiam recusar admissões. Além disso, havia uma tendência para acumular pacientes em enfermarias, em acomodações de longo prazo e sempre lotadas, ou seja, Kraepelin trabalhava sob as contingências sociais e institucionais que modelavam profissionalmente a direção, o método e o significado de sua pesquisa. (ibid. p. 464, 474)
Apesar dessa situação, a atitude de Kraepelin foi construtiva, ele “explorou assuntos referentes à deterioração e prejuízos”. Porém, os dados aos quais dispunha sugeriram à Kraepelin que as apresentações clínicas terminavam em estado de demência. (ibid. 464)
Gradualmente me dei conta de que muitos pacientes, que inicialmente apresentavam um quadro de mania, melancolia ou amência mostravam demência progressiva. Apesar das diferenças individuais eles começavam a se parecer uns com os outros. Era como se as diferenças clínicas anteriores tivessem pouca influência sobre o decurso da doença. Esta evolução era semelhante ao que já era conhecido no que diz respeito à paralisia. Assim, não pude resistir a concluir que apenas um processo de doença poderia estar afetando muitos dos doentes institucionalizados que desenvolveram demência. O processo pode ser lento ou rápido e, por vezes acompanhado por delírios, alucinações e excitação. Em algumas ocasiões, pode haver um estado de humor triste (ou exaltado) – qualquer que seja sua apresentação, sempre conduzindo à destruição da personalidade. (Kraepelin, 1983) (citação extraída de BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 134).

A característica comum dessas doenças que agrupei sob o nome de processos de degeneração psicológica é o rápido desenvolvimento de um estado duradouro de fraqueza psicológica... (p. 435). O que chamamos de demência precoce é o desenvolvimento subagudo de uma condição peculiar e simples de fraqueza mental que ocorre em uma idade juvenil. (Kraepelin, 1983, p. 435) (citação extraída de BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 135).

Kraepelin usou a deteriorização “como um critério de pesquisa ou metodológico para procurar um quadro de predição clínica, que, por sua vez, tornar-se-ia um critério clínico”. (BERRIOS & HAUSEN, 2013, p. 135, grifos do autor).
Então, Kraepelin com essa definição da demência precoce como o “desenvolvimento subagudo de uma peculiar e simples condição de fraqueza mental” que ocorre em idade jovem, considerava que “o único critério externo para a classificação dos sintomas era o curso da doença.” (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 465).
Porém, essa expressão “demência precoce” de Kraepelin mostrou-se inadequada, pois segundo alguns autores franceses, o termo “demência” nem sempre se aplica, pois a demência precoce não conduz sempre a um déficit. Tampouco o termo “precoce” mostrou-se adequado. (ibid. p. 467)
Então, E. Bleuler (1911) sugeriu o termo “esquizofrenia” (do grego, squizo=cindido, phrén=mente), que explica melhor a função psíquica que para ele é o sintoma fundamental da esquizofrenia, a Spaltung, ou seja, a dissociação. Bleuler entende “dissociação” como um distúrbio das “associações que regem o curso do pensamento”. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.157-9).
A classificação da esquizofrenia para Eugen Bleuler dividia-se em sintomas fundamentais e acessórios. Ao passo que os últimos poderiam ocorrer em quaisquer outros transtornos mentais, os primeiros eram característicos da esquizofrenia. Citava como sintomas acessórios as alterações sensoperceptivas, os delírios, os sintomas catatônicos e as alterações de memória e atenção. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.235.)
Bleuler definia a esquizofrenia (sintomas fundamentais) como alterações formais do pensamento que possuía como característica a ambivalência afetiva, o autismo como isolamento psíquico, ou melhor, um “ensimesmamento” radical; uma profunda dissociação ideoafetiva como já mencionada e uma evolução muito heterogênea que poderia apresentar evolução benigna. (Dalgalarrondo, 2008, p. 330).
A versão de Bleuler, baseada nos quatro As (Ambivalência, Autismo, Afetividade perturbada e Associações desagregadas) havia introduzido um elemento recuperável, relacionado à etiologia psicológica e até psicodinâmica, que se julgava faltar no termo pessimista “demência”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 551)

Além disso, Bleuler subdividia os sintomas em primários que se relacionavam a um processo mórbido cerebral, e em secundários que se originavam de um processo psíquico e estava associado ao anterior. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.235).
A atribuição de Bleuler ao termo Spaltung, (dissociação) diferencia-se da de Freud, aproximando-se apenas no sentido de ser próprio da descrição de Freud do inconsciente. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.158-9).
Se por um lado, Kraepelin é guiado pela observação empírica, Bleuler por outro lado possui uma teoria em sua abordagem, “introduz uma estrutura nos sintomas”, pois aplica as ideias psicanalíticas. Bleuler e Jung (1875-1961) tentaram entender o conteúdo dos sintomas, cuja interpretação relacionava-se aos complexos inconscientes. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 543).
Freud não considerava a dissociação como característica essencial da doença e devido a isso fez reservas ao próprio termo “esquizofrenia”. Apesar de usar também a expressão “demência precoce”, propôs o termo “parafrenia”, que de acordo com ele formava um par melhor ao termo paranoia e demarcava unidade ao campo das psicoses. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.158-9).
O termo “parafrenia” havia sido proposto anterior e originalmente por Kraepelin como designação de certas psicoses crônicas, como a paranoia, e que não são acompanhadas de diminuição intelectual, além de não evoluírem para a demência, mas que por suas construções delirantes, alucinações e fabulações, aproximam-se da esquizofrenia. Porém, o sentido com o qual Freud utilizou o termo, como já visto, foi diferente. Em razão do sucesso do termo bleuleriano esquizofrenia, Freud rapidamente renunciou à sua sugestão terminológica parafrenia. (Laplanche e Pontalis, 2001, p. 333-4).
Com o conceito de “esquizofrenia latente” Bleuler (1911) entendia que apesar de ainda não valer a pena descrever suas características, nuanças de sintomas e combinações de sintomas como irritabilidade, estranheza, destemperança, pessoas solitárias e excessivamente pontuais despertam suspeita, entre outras coisas de serem esquizofrênicas e que, frequentemente esconderiam algum “outro sintoma catatônico ou paranoide, e vários desses hábitos tornam-se mais pronunciados mais tarde na vida e provam que todas as formas de doença podem ter um curso latente”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 544).
No entanto, o alargamento da abordagem de Bleuler (1911) com a introdução da “esquizofrenia latente” teve consequências imprevistas, não somente para a pesquisa em esquizofrenia, mas para a posição médico-legal desses pacientes. “Em 1933, o governo alemão, para a purificação da raça, introduziu leis de esterilização para pacientes com doenças hereditárias”, e ter ou não o diagnóstico de esquizofrenia era de grande importância para o indivíduo. Em resultado disso, os seguidores das ideias de Bleuler, especialmente os psiquiatras suíços, revisaram esses conceitos. (ibid.).
Da Psicopatologia Descritiva, temos a contribuição de Karl Jaspers (1883-1969) que definia a esquizofrenia com as seguintes características: as ideias delirantes primárias, que segundo esse autor não são deriváveis ou compreensíveis psicologicamente, o humor delirante que precede o delírio, as vivências de influência como vivências do “feito”, a ocorrência ou intuição delirante e ao analisar a vida total do paciente notava-se a ocorrência de “quebra na curva existencial”, também que os surtos participavam de um processo que transformava radicalmente a personalidade e a existência do paciente. (Dalgalarrondo, 2008, p. 330).
Outro autor importante para a definição de esquizofrenia foi Kurt Schneider (1887-1967) que influenciou particularmente a psiquiatria britânica com sua nova abordagem numa tentativa de superar a dicotomia das “escolas” “organicistas” e “psiquistas”. A abordagem de Kraepelin alinhava-se com os organicistas e era predominante. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 544-5).
Jaspers (1957) escreve que as abordagens psicológicas sob a influência de Freud, na época de Schneider, eram vistas como subjetivas e não científicas. Para Jaspers, a razão disso era a uma confusão na natureza do próprio sujeito, para ele o tema da psiquiatria é o homem, não só o seu corpo, “mas principalmente sua psique, sua personalidade, o próprio homem”. (ibid.).
Jaspers (1963) em Psicopatologia Geral definiu uma “metodologia que permitisse o estudo do paciente como uma pessoa”, cujo estudo significativo da vida do paciente e a empatia representam a base da abordagem. (ibid.)
                                  Onde essa empatia falhasse, onde alcançasse seus limites, onde o significado já não fosse discernível, a experiência interna do paciente, o sintoma, poderia ser descrita e apontaria para um processo que irrompeu na vida do paciente, perturbando a coesão significativa da personalidade. Esse “novo” elemento não pode ser “entendido”, mas tem que ser “explicado”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 545).

Os métodos de compreender a condição do paciente, o entendimento de significados e explicação causal são os princípios dessa nova psicopatologia que introduz um método subjetivo de “entendimento”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 545).
Kurt Schneider denominou “sintomas de primeira ordem” aos principais sintomas da esquizofrenia, que se caracterizam pela presença de percepção delirante, em que uma percepção normal recebe significação delirante e ocorre de modo simultâneo ao ato perceptivo, geralmente de forma abrupta como uma “revelação”. (Dalgalarrondo, 2008, p.328).
Outras características dos sintomas de primeira ordem são as alucinações auditivas que são vozes que comentam e/ou comandam a ação, o eco ou sonorização do pensamento em que o paciente escuta seus pensamentos ao pensá-los e a difusão do pensamento em que o paciente tem a sensação de que seus pensamentos são percebidos e ouvidos pelos outros no momento em que os pensa. Há também o sintoma da experiência do roubo do pensamento, em que o paciente tem a sensação de que o pensamento é inexplicavelmente extraído de sua mente como se fosse roubado. (ibid.).
Ainda como sintoma de primeira ordem, o paciente experimenta a vivência de influência no plano corporal, em que o sujeito sente que uma força ou um ser externo age sobre seu corpo, seus órgãos, emitindo raios, influenciando as funções corporais, etc. (Dalgalarrondo, 2008, p.328).
Outra vivência de influência é a ideativa, que se refere à “experiência de que algo influencia seus pensamentos, o paciente recebe pensamentos impostos de fora, pensamentos feitos, postos em seu cérebro, etc.” (ibid.).
Para Kurt Schneider, tais sintomas de primeira ordem indicam uma extrema “alteração da relação Eu-mundo, o dano radical das “membranas” que delimitam o Eu em relação ao mundo, uma perda marcante da intimidade”. (ibid.).
Quanto à sensação de que algo é imposto de fora, feito à sua revelia, o paciente “vivencia a perda do controle sobre si mesmo, a invasão do mundo sobre seu ser íntimo”.
                                  Esse tipo de experiência psicótica, dos pensamentos mais íntimos serem imediatamente percebidos por outras pessoas, expressa a vivência de uma considerável “fusão” com o mundo público sobre privado, assim como um extravasamento involuntário da experiência pessoal e interior sobre o mundo circundante. (Dalgalarrondo, 2008, p.328-9).

Já, os sintomas de segunda ordem de Schneider são considerados menos importantes no diagnóstico da esquizofrenia. Eles são a perplexidade, alterações da sensopercepção (diferentes daqueles de primeira ordem), vivências de influência no campo dos sentimentos, impulsos ou vontade, vivência de empobrecimento afetivo, intuição delirante e alterações do ânimo e alterações do ânimo de colorido depressivo ou maniatiforme. (Dalgalarrondo, 2008, p.329).
Para um médico o sintoma somático, seja objetivo ou subjetivo, é sinal de um processo patológico que está ligado por uma cadeia causal. No entanto, em casos psiquiátricos, como na psicose esquizofrenia, Kurt Schneider mencionava que há um “traço característico”, um “tipo” psicopatológico que é mais do que um sintoma porque não ocorre de uma maneira causal, mas sim como uma totalidade que integra o traço. (TATOSSIAN, 2006, p. 39).
Como solução para entender essa discordância é necessário diferenciar os “sintomas”, ou seja, as manifestações de comportamento (motor, gestual, mímico e verbal) das manifestações do vivido que é o especifica a psicopatologia e o que se pode, por exemplo, denominar “estruturas”. (ibid. p. 41).
Nas últimas décadas, a esquizofrenia tem sido diferenciada em três subtipos. O primeiro, como síndrome negativa ou deficitária que se refere aos sintomas negativos, caracterizados pela perda de funções psíquicas como as da esfera da vontade, pensamento, linguagem, etc., e “empobrecimento global da vida afetiva, cognitiva e social do indivíduo”. (Dalgalarrondo, 2008, p.329).
Um dos principais sintomas negativos ou deficitários é o distanciamento afetivo que pode evoluir até o embotamento afetivo e pode resultar na “perda da capacidade de sintonizar afetivamente com as pessoas, de demonstrar ressonância afetiva no contato interpessoal”. (ibid.)
Outro sintoma negativo, a retração social pode significar o isolamento progressivo do convívio social. O empobrecimento da linguagem e do pensamento, a diminuição da fluência verbal, a negligência quanto a si mesmo, ou seja, o descuido de si próprio, pela falta de higiene e desinteresse em relação à própria aparência, saúde e vestimenta, a lentificação e empobrecimento psicomotor com “restrição do repertório da esfera gestual e motora” são também sintomas deficitários. (Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Há ainda a diminuição da vontade (avolição) e hipogramatismo que são as dificuldades ou incapacidades de realizar ações, tarefas, trabalhos de maneira organizada, que exija iniciativa e monitoração comportamental e persistência. (ibid.).
O segundo subtipo é a síndrome positiva ou produtiva que se caracteriza não por ausências ou déficits comportamentais como na síndrome negativa, mas por sintomas positivos, manifestações novas, floridas, como as alucinações que, frequentemente, são ilusões ou pseudoalucinações auditivas, mas podem ser visuais ou de outro tipo. (Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Outros sintomas positivos são as ideias delirantes, geralmente de conteúdo paranoide, autorreferente, de influência ou de outra natureza, o comportamento bizarro, as ideias bizarras, a agitação psicomotora, neologismos e parafasias. (ibid.)
Quanto ao terceiro subtipo trata-se da síndrome desorganizada, na qual predominam as desorganizações mentais e comportamentais, afeto inadequado ou afeto pueril. Trata-se da classicamente denominada esquizofrenia hebefrênica. (ibid.)
Nesse subtipo, o pensamento progressivamente desorganizado varia de um leve “afrouxamento das associações até a total desagregação e produção de um pensamento totalmente incompreensível”. (Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Os comportamentos desorganizados e incompreensíveis nessa síndrome podem ser “comportamentos sociais e sexuais inadequados, agitação psicomotora, vestimenta e aparência bizarras”. (ibid.).
Quanto ao afeto pode ser inadequado, ambivalente com descompasso entre as esferas afetivas, ideativas e volitivas e/ou pueril, em que o paciente reage de forma infantil. (ibid.).
Há autores que consideram que a esquizofrenia é uma doença que teve origem exclusivamente a partir do século XX.
Qualquer tentativa de uma narrativa histórica da esquizofrenia, sua própria história, deve reconhecer um início muito incerto. Há um debate insolúvel sobre se a esquizofrenia existiu antes do século XVII. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 551).

No entanto, consideramos o ser humano um ser psicopatológico, consequentemente, pensamos ser possível haver existido tal psicopatologia em civilizações passadas. Porém, não com as descrições nosográficas atuais.
Portanto, parece-nos plausível chamar, como alguns autores franceses, de estrutura psicótica a organização psíquica dos esquizofrênicos. Não obstante, preferimos denominá-la condição psicótica, mais especificamente, condição esquizofrênica conforme definição do dicionário ao “modo de ser, estado e situação” dos portadores dessa psicopatologia, bem como “modo de viver resultante da situação” esquizofrênica; e por fim “obrigação que se impõe e se aceita”, mas que muitas vezes se é obrigado a aceitar, pois a psicose não é uma constituição de iniciativa voluntária. (FERREIRA, 2000, p. 172).

O diagnóstico da esquizofrenia segundo o CID10 e o DSM-IV
O Código Internacional de Doenças (CID-10) classifica a esquizofrenia sob a rubrica F20 e a define como um distúrbio com características de distorção do pensamento, da percepção e afetividade inapropriada ou embotada. A esquizofrenia paranoide é um dos subtipos clínicos do CID-10, sob o código F20.0, que caracteriza-se por delírios muitas vezes persecutórios, acompanhados de alucinações auditivas, principalmente; não são proeminentes distúrbios do afeto, do discurso e da volição. Na esquizofrenia hebefrênica (F20.1), por outro lado, a principal alteração está na afetividade, com alucinações e delírios fragmentados, comportamentos pueril ou bizarro e maneirismos, com desorganização do pensamento e empobrecimento do discurso. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.238-9).
Outro exemplo de classificação desse manual é a esquizofrenia catatônica (F20.2), cuja proeminência característica são os transtornos da psicomotricidade; em que períodos de “estupor, mutismo, negativismo, obediência automática e flexibilidade cérea” podem ser alterados por períodos de agitação e excitação. Além disso, negativismo, posturas bizarras ou outros sintomas como perseveração de palavras ou frases estão na lista dos sintomas que classificam tal diagnóstico. Há seis outros subtipos de classificação da esquizofrenia no CID-10. (ibid. p.240).
O DSM-IV estipula que para a realização do diagnóstico de esquizofrenia um ou mais dos sintomas principais como delírios, alucinações, discurso e/ou comportamento desorganizados devem estar presentes pelo período de, pelo menos, um mês. Já os sintomas negativos e disfunções sociais, por, pelo menos, seis meses. (Dalgalarrondo, 2008, p.330).
O embotamento afetivo, o distanciamento e a retração social aproximam-se do mencionado anteriormente autismo do esquizofrênico considerado por Bleuler. Para esse autor, “a síndrome autística da esquizofrenia inclui, além de dificuldade ou incapacidade de estabelecer contato afetivo com outras pessoas e retração do convívio social”, a “inacessibilidade do mundo interno do paciente”. (ibid. p. 331).









Tratamento da esquizofrenia – uma possibilidade de laço?
Como visto, Kraepelin incluiu um conceito prognóstico reservado à esquizofrenia. Por outro lado, Bleuler “definiu a esquizofrenia a partir do corte transversal, sem levar em conta o curso da doença; para ele a esquizofrenia poderia ter uma evolução e desfecho benignos e até uma remissão completa”. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 247).
Então, pelo menos em parte, a evolução da esquizofrenia depende do conceito que se utiliza para a doença.  Os outros fatores a serem considerados são “a própria definição da evolução (global ou restrita a certos aspectos da doença), o tempo de acompanhamento do paciente e o desenho do estudo (prospectivo ou retrospectivo)”. (ibid.)
Kraepelin referia-se à abordagem tradicional, anterior à sua, como “sintomática” e em 1896, anunciou ter “encontrado uma nova maneira de olhar para a doença mental” e usou o termo “clínica” para essa sua nova abordagem. (BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 132).
A perspectiva clínica de Kraepelin desenvolvida em Dorpat possuía além de outros fatores uma variável cultural e linguística importante.
A clínica Dorpat (Tartu na atual Estônia) servia a uma comunidade de não falantes da língua alemã, cujas principais línguas eram o Dorpat (ou Werro-Estoniano) e o Reval-Estoniano. O primeiro, o mais comum dos dois, era também o menos literário e inflexional (Anônimo, 1878). Apenas um treze avos (1/13) da população falava alemão, mas este grupo pertencia às classes superiores, que eram susceptíveis de procurar tratamento médico na Alemanha. (ibid.).

Kraepelin utilizou como recurso um intérprete para examinar a maioria dos seus pacientes (Kraepelin, 1983) e é provável que seu interesse de longa duração nos sinais comportamentais (por exemplo, psicomotores) tenha tido contribuição desta barreira linguística. (BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 132).
Mas, e se a própria barreira linguística tivesse sido utilizada como recurso terapêutico para intervenção no tratamento desses pacientes? O próprio clínico seria o intérprete, ou melhor, o tradutor-intérprete que em troca de entender o idioma psicótico traduzido à sua língua, forneceria o aprendizado de um novo idioma diferente do idioma materno do paciente, e em consequência talvez pudesse ser estabelecido um laço entre o paciente esquizofrênico e o clínico e um vínculo entre o paciente o novo idioma. Essa será a proposta clínica de intervenção terapêutica apresentada na conclusão desse trabalho de pesquisa.

 O tratamento clínico atual da esquizofrenia
O tratamento do esquizofrênico exige a participação de diversos profissionais que atuem em equipe para combinar as abordagens farmacológica e psicossocial. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 249).
Quanto ao tratamento farmacológico, “uma vez que o paciente tenha apresentado uma melhora significativa com um determinado antipsicótico, o mesmo deverá ser mantido com o intuito de evitar uma recaída”. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 252).
Na fase de manutenção do paciente, é possível optar entre o uso de medicação via oral ou intramuscular com liberação lenta (antipsicóticos de longa ação ou depot). As medicações depot têm a vantagem de garantir a manutenção do seu uso, minimizando o problema da adesão, bem como de evitar problemas de biodisponibilidade devido à metabolização gastrintestinal, absorção irregular e metabolização hepática (primeira passagem); permitem ainda, a manutenção de níveis plasmáticos relativamente estáveis, não apresentando risco de abuso ou ingestão excessiva. (...)
Pelas características farmacocinéticas dos medicamentos depot, são necessárias várias semanas ou meses para que se atinja a estabilização (steady state) da medicação, podendo haver dificuldade de controle da condição clínica do paciente no início do tratamento. Uma vez que a eliminação é muito lenta, o aparecimento de algum efeito colateral é de controle mais difícil. (ibid. p. 252-253).

Atualmente, existem diversos antipsicóticos de diferentes grupos farmacológicos. Eles são divididos em “primeira geração (também chamados de clássicos, típicos ou tradicionais) e de segunda geração (ou atípicos)”. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 250).
Quanto à abordagem psicossocial, abarcam a terapia ocupacional e orientação sobre a doença e o tratamento, em que “os familiares podem participar de grupos de orientação psicoeducacional sobre a doença e sobre o seu cotidiano em casa”. Essas informações contribuem para auxiliar o paciente, especialmente na fase aguda, e contribuem aos familiares que evitem atitudes que possam piorar o quadro clínico do paciente. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 250).
Na fase aguda, o tratamento pode ser feito em regime ambulatorial ou de internação. Esta última torna-se necessária se o paciente em decorrência de ansiedade intensa, agitação psicomotora, presença de delírios ou alucinações apresentar risco de auto ou heteroagressividade. “A internação deve ter a menor duração possível, tendo em vista minimizar o afastamento do paciente de seu meio sociofamiliar.” (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 249).
A proteção ao paciente, propiciando-lhe um ambiente tranquilo e com poucos estímulos sensoriais, muitas vezes, já seria o suficiente para promover um alívio importante no quadro de agitação e ansiedade. (ibid.).
Tanto na fase aguda quanto na fase de manutenção ou recuperação o Hospital Dia (HD) e o CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) são referências importantes no tratamento de pacientes esquizofrênicos.
No entanto, o tratamento farmacológico com antipsicóticos e o tratamento psicossocial devem ser associados ao tratamento psicológico.

Tratamento da esquizofrenia e restabelecimento do laço social
O processo de reabilitação do paciente esquizofrênico compreende um “conjunto de ações que sejam capazes de lhes trazer uma melhor integração social, profissional, enfim, uma melhor qualidade de vida dentro dos limites que a doença impõe”. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 254).
A simples adesão ao tratamento medicamentoso não é capaz, por si só, de propiciar a reabilitação. Embora os medicamentos sejam bastante eficazes na redução de sintomas, eles não podem, sozinhos, promover a reintegração do paciente na comunidade. É necessário considerar, ainda, que muitos pacientes têm recidivas apesar de medicados, e que alguns sintomas (particularmente os negativos) ainda são de difícil tratamento.
O tratamento psicossocial é importante durante a fase aguda da doença, mas não é suficiente para melhorar a adequação social a longo prazo. (...) (ibid. p. 255).

Então, visto que o tratamento farmacológico e o psicossocial, ainda que unidos, são insuficientes na reintegração do paciente esquizofrênico ao meio social, um tratamento a ser incluído pode ser o psicoterapêutico.
A psicoterapia de grupo teria um efeito mais favorável que a individual, pela ênfase nos processos de interação social (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 256). Mas, isso não exclui a possibilidade de serem ambas utilizadas.
São sugeridas modificações na técnica para a abordagem psicodinâmica do paciente. Uma vez que o foco principal é a construção de um relacionamento, o terapeuta deve ser flexível em relação ao setting e criar um ambiente acolhedor e de continência para o paciente. Muitas vezes, as colocações objetivam uma confrontação com dados de realidade; as interpretações são reservadas para um período em que o paciente esteja mais engajado no processo. (Sadick; Sadock, 2000) (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 256).

Portanto, convém considerarmos a esquizofrenia e a demência precoce em Freud para posteriormente compreendermos o tratamento psicanalítico da esquizofrenia e também relacionarmos a esquizofrenia e o laço social em Freud.






























Esquizofrenia e demência precoce em Freud
Em “A interpretação dos sonhos” (p. 383), Freud destaca uma habilidade presente em portadores de demência precoce (esquizofrenia) a “compreensão direta do simbolismo onírico num grau surpreendente”
por algum tempo, houve uma tendência a suspeitar de que todo sonhador dotado dessa apreensão dos símbolos fosse vítima daquela doença. Mas não é esse o caso. Trata-se de um dom ou peculiaridade pessoal que não possui nenhum significado patológico visível. (FREUD, 1900-1901, p. 383)

Características ou traços neuróticos são encontrados em sujeitos com estrutura psíquica psicótica como a esquizofrenia, ou seja, nem todo pensamento ou comportamento do esquizofrênico é patológico.
Como nos mostra Simanke (2009), de acordo com R. A. Hunter e Ida Macalpine, em sua introdução à edição inglesa das memórias de Schreber, “o termo psicose foi introduzido em 1845 por Feuchtersleben em seu Manual de psicologia médica.” Para esse autor que introduziu o termo psicose, tal termo significa doença mental, ao passo que “neurose designa as afecções do sistema nervoso, das quais só algumas podem se traduzir em sintomas de uma psicose”. (SIMANKE, 2009, p. 81n)
Simanke nos esclarece, citando Laplanche e Pontalis (1977, p. 505), que “qualquer psicose é, ao mesmo tempo, uma neurose, porque sem a intervenção da vida nervosa nenhuma modificação do psíquico se manifesta; mas nem toda neurose é também uma psicose”. (SIMANKE, 2009, p. 81n)
De acordo com Freud, Bleuler na Escola de Zurique,
mostrou que se poderia esclarecer grande número de casos, puramente psiquiátricos, reconhecendo neles os mesmos processos reconhecidos pela psicanálise como presentes nos sonhos e nas neuroses (mecanismos freudianos) (FREUD, 1914, p. 38)

Freud acrescenta que a escola suíça com a colaboração também de Jung, elucidou duas facetas do quadro da demência precoce. A primeira, como já mencionada, na esquizofrenia há presença de “complexos que conhecemos tanto em indivíduos saudáveis como em neuróticos”. O segundo aspecto descoberto é a similaridade do que ocorre na vida mental dos esquizofrênicos com o que ocorrem com mitos populares. (FREUD, 1914, p. 87)
Quanto às psicoses, Freud aponta como tentativa de interpretação e entendimento dos sintomas dois caminhos. O primeiro a partir das próprias declarações delirantes do paciente, tal como fez Jung [1907] em seu método de interpretação fornecido por um “brilhante exemplo” de um caso de demência precoce grave que exibia sintomas muito “afastados do normal”. (FREUD, 1911, p. 45).
Freud relatou que Jung [1907] na Escola de Zurique
aplicou com êxito o método analítico de interpretação às manifestações mais estranhas e obscuras da demência precoce (esquizofrenia), de modo a trazer à luz suas fontes presentes na história da vida e nos interesses do paciente. (FREUD, 1914, p. 38)

A outra possibilidade de compreensão da história de um paciente é a análise dos conhecimentos complexos, forças motivadoras da vida mental e das causas ativadoras da psicopatologia. (FREUD, 1911, p. 45)
Para Freud, na esquizofrenia o “ponto importante fora não tanto a possibilidade de interpretar os sintomas, mas o mecanismo psíquico da doença”. (FREUD, 1914, p. 38)
Bleuler, o outro líder da Escola de Zurique, defendia “o ponto de vista de que as várias formas de demência precoce têm uma causação orgânica”. (FREUD, 1914, p. 38-9)
Ao formular o conceito de narcisismo primário, Freud justifica que essa tentativa surgiu devido à necessidade de incluir a demência precoce (Kraepelin) ou esquizofrenia (Bleuler) na hipótese da teoria da libido.
Esse tipo de pacientes, que eu propus fossem denominados de parafrênicos, exibem duas características fundamentais: megalomania e desvios de seu interesse do mundo externo -  de pessoas e coisas. Em consequência da segunda modificação, tornam-se inacessíveis à influência da psicanálise e não podem ser curados por nossos esforços. (FREUD, 1914, p. 82)

Para Freud na psicose, o que inclui a esquizofrenia, a ausência de transferência positiva inviabiliza o tratamento psicanalítico. Por essa razão, e na esquizofrenia, pelo desinteresse do paciente pelo mundo externo, Freud considera que tais indivíduos são incuráveis aos esforços analíticos. (FREUD, 1925[1924], p. 63).
No entanto, posteriormente, Freud reconhece que há transferência na psicose
A transferência amiúde não se acha tão inteiramente ausente, mas pode ser utilizada até certo ponto, havendo a análise alcançado inegáveis êxitos com depressões cíclicas, ligeiras modificações paranoides e esquizofrenias parciais. (FREUD, 1925[1924], p. 63).

Diferentemente de pacientes neuróticos, os esquizofrênicos não substituem o mundo externo, sua relação com a realidade, por uma fantasia, tampouco os objetos imaginários de sua memória por objetos reais. “Quando realmente as substitui, o processo parece ser secundário e constituir parte de uma tentativa de recuperação, destinada a conduzir a libido de volta a objetos”. (FREUD, 1914, p. 82)
Na esquizofrenia, entre as tentativas de recuperação citadas por Freud estão os delírios e as alucinações e a substituição da identificação narcisista pelo amor objetal. (FREUD, 1924 [1923], p. 169). (FREUD, 1917 [1915], p. 255).
Então, o que acontece à libido que foi afastada dos objetos externos na esquizofrenia? Freud responde que a megalomania que surge à expensas da libido objetal aponta o caminho. Pois, a libido que foi afastada do mundo externo
é dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser denominada de narcisismo. Mas a própria megalomania não constitui uma criação nova; pelo contrário, é, como sabemos, ampliação e manifestação mais clara de uma condição que já existia previamente. (FREUD, 1914, p. 82)

Portanto, para Freud, o narcisismo surge “através da indução de catexias objetais como sendo secundário, superposto a um narcisismo primário que é obscurecido por diversas influências diferentes”. (FREUD, 1914, p. 82)
Na demência precoce, Freud mostra-nos como Jung percebeu que os “delírios (deliria) e estereótipos motores que ocorrem nessa perturbação são resíduos de antigas catexias objetais, que se apegam com grande persistência”. (FREUD, 1911, p. 84)
Freud também menciona que Abraham “muito convincentemente demonstrou que o afastamento da libido do mundo externo é uma característica particular e claramente marcada da demência precoce.” (FREUD, 1911, p. 84).
Desta característica inferimos que a repressão é efetuada por meio do desligamento da libido. Aqui mais uma vez, podemos considerar a fase de alucinações violentas como uma luta entre a repressão e uma tentativa de restabelecimento, por devolver a libido novamente a seus objetos. (FREUD, 1911, p. 84)

As dificuldades na compreensão do “idioma” do psicótico são esclarecidas por Freud. Segundo o autor, a “linguagem dos sonhos pode ser encarada como o método pelo qual a atividade mental inconsciente se expressa. Mas o inconsciente fala mais de um dialeto”. (FREUD, 1913, p. 180)
 Outra das formas de expressão do inconsciente é a linguagem de pensamento das chamadas por Freud parafrenias (demência precoce e paranoia), que “apresentam peculiaridades idiomáticas especiais, que, num certo número de casos, fomos capazes de compreender e inter-relacionar”. (FREUD, 1913, p. 180)
De acordo com Freud, a diferença essencial entre a elaboração de sonhos e a esquizofrenia se dá de forma que nessa última,
o que se torna objeto de modificação pelo processo primário são as próprias palavras nas quais o pensamento pré-consciente foi expresso; nos sonhos, o que está sujeito a essa modificação não são as palavras, mas a apresentação da coisa à qual as palavras foram levadas de volta. (FREUD, 1917 [1915], p. 235).

Como esclarece Freud “muito do que é expresso na esquizofrenia como sendo consciente”, nas neuroses só pode revelar sua presença no inconsciente, por meio da análise. (FREUD, 1925, p. 202)
Quando um psicótico diz uma coisa, geralmente, o significado é literal. O neurótico, por outro lado, quando diz algo, frequentemente é necessária uma interpretação para entendê-lo de maneira efetiva.
Quando pensamos em abstrações, há o perigo de que possamos negligenciar as relações de palavras com as apresentações inconscientes da coisa, devendo-se externar que a expressão e o conteúdo do nosso filosofar começam então a adquirir uma semelhança desagradável com a modalidade de operação dos esquizofrênicos. Podemos, por outro lado, tentar uma caracterização da modalidade de pensamento do esquizofrênico dizendo que ele trata as coisas concretas como se fossem abstratas. (FREUD, 1915, p. 208).

No funcionamento do pensamento do esquizofrênico, as coisas concretas são tratadas como abstratas.
Como nos mostra Freud, outra peculiaridade na fala do esquizofrênico é a fala hipocondríaca ou “fala do órgão”. (FREUD, 1915, p. 202)
Na esquizofrenia, as palavras estão sujeitas a um processo igual ao que interpreta as imagens oníricas dos pensamentos oníricos latentes – que chamamos de processo psíquico primário. Passam por uma condensação, e por meio de deslocamento transferem integralmente suas catexias de umas para as outras. O processo pode ir tão longe, que uma única palavra, se for especialmente adequada devido a suas numerosas conexões, assume a representação de todo um encadeamento de pensamento. (FREUD, 1915, p. 202)

Nessas modificações na fala, segundo Freud,
o paciente devota especial cuidado a sua maneira de se expressar, que se torna ‘afetada’ e ‘preciosa’. A construção de suas frases passa por uma desorganização peculiar, que as torna incompreensíveis. (FREUD, 1915, p. 202)

As expressões dos psicóticos tornam-se incompreensíveis aos neuróticos “a ponto de suas observações parecerem disparatadas”. No conteúdo de suas expressões, os esquizofrênicos quase sempre fazem referências a “órgãos corporais ou a inervações”. (FREUD, 1915, p. 202).
Um exemplo clínico da paciente de Tausk, apresentado por Freud sobre a “fala do órgão” na esquizofrenia, é resumido por Simanke (2009, p. 165)
Freud parte da análise de dois enunciados da pacientes da Tausk, internada após uma altercação com seu amante. O primeiro diz: “Os olhos não estão direitos, estão torcidos (verdreht)” e é complementada por uma série de recriminações ao amante – ele é um hipócrita, um simulador (Augenverdreher, literalmente “um torcedor de olhos”), torceu-lhe os olhos de tal forma que ela já não os reconhece como seus, são outros olhos com os quais ela vê o mundo agora (FREUD, 1915a, p. 194-195; p. 156-157; destaques do autor). O segundo: “Ela está na igreja, de repente dá-se-lhe uma sacudida, tem que se pôr de outro modo, como se alguém a pusesse, como se fosse posta (muss sich anders stellen, als stellte sie jemand, als würde sie gestellt)” à qual vêm se acrescentar as explicações da paciente – o amante é de origem inferior, mas fê-la crer que era superior a ela, ela fez-se igual a ele, ele falseou sua própria posição e assim falseou (verstellt) a dela (FREUD, 1915a, p. 195; p. 157).

A paciente “tem a sensação de alteração orgânica, sente a tendência a realizar a ação e expressa ambas no discurso, juntamente com suas causas”. (SIMANKE, 2009, p. 165)
Visto que para Freud, na esquizofrenia, a repressão consiste na “fuga do ego”, ou seja, na “retirada da catexia instintual dos pontos que representam a apresentação inconsciente do objeto”
a catexia da apresentação da palavra não faz parte do ato de repressão, mas representa a primeira das tentativas da recuperação do objeto ou de cura que tão manifestamente dominam o quadro clínico da esquizofrenia. Essas tentativas são dirigidas para a recuperação do objeto perdido, e pode ser que, para alcançar esse propósito, enveredem por um caminho que conduz ao objeto através de sua parte verbal, vendo-se então obrigadas a se contentar com palavras em vez de coisas. (FREUD, 1915, p. 208).

Pode-se destacar que na esquizofrenia, a palavra como coisa é uma tentativa de recuperação do objeto perdido e uma tentativa de cura pelo meio verbal.
Como esclarece Simanke (2009), Freud em 1891 havia formulado pela primeira vez os conceitos de representação da palavra e representação de objeto, mostrando como a “linguagem adquire significação pela associação com a representação de objeto e, mais tarde, como esta última ganha acesso à consciência pelo vínculo com a palavra”. (SIMANKE, 2009, p. 34n).
Assim consciência e significação surgem como resultado de duas operações simétricas e inversas “que percorrem os mesmos elementos, do objeto à palavra e da palavra ao objeto”. A repressão (na neurose) agiria sobre esse vínculo, impedindo o acesso da representação à linguagem e à consciência. (ibid.)
Por outro lado, como nos aponta Simanke (2009), na esquizofrenia
a representação de objeto encontra-se desinvestida, mas presente na fala como a causa da sensação corporal que a palavra, literalmente, nomeia, sem que se possa falar propriamente de repressão ou de formação de substitutos como na neurose. (SIMANKE, 2009, p. 34n).

Freud afirma que na “demência precoce (parafrenia ou esquizofrenia), condição na realidade incurável, o paciente fica, nos casos mais graves, num estado evidente de completa apatia.” (FREUD, 1913, p. 176).
O autor acrescenta que, frequentemente, “as únicas ações que lhe restam são certos movimentos e gestos monotonamente repetidos e que têm o nome de ‘estereotipias’”. (FREUD, 1913, p. 176).
Uma investigação analítica desse tipo de resíduos, feita por Jung, demonstrou constituírem os remanescentes de ações miméticas perfeitamente significativas, as quais, em certa época, expressaram os desejos dominantes do indivíduo. Os discursos mais loucos e as mais estranhas posturas e atitudes adotadas por esses pacientes tornam-se inteligíveis e podem ser encaixadas na cadeia de seus processos mentais, se forem abordados com base em hipóteses psicanalíticas. (FREUD, 1913, p. 176, 177).

De acordo com Freud, na esquizofrenia a libido retirada do mundo externo “não procura um novo objeto e refugia-se no ego; isto é, que aqui as catexias objetais são abandonadas, restabelecendo-se uma primitiva condição de narcisismo de ausência de objeto”. (FREUD, 1915, p. 201)
Para Freud na psicose e, portanto, na esquizofrenia, o conflito se dá entre o ego com o mundo externo. Se por um lado, o prognóstico da esquizofrenia para Freud é uma inclinação a uma “hebetude afetiva – isto é, em uma perda de toda participação no mundo externo”. (FREUD, 1924 [1923], p. 169).
Por outro lado, Freud menciona resultados terapêuticos em esquizofrenias parciais. Além disso, Freud cita um caso de recuperação de uma paciente que substituiu a identificação narcisista por amor objetal. (FREUD, 1917 [1915], p. 255).
Outros psicanalistas posteriores a Freud, aprofundaram a prática clínica com psicóticos. E com as ideias de Freud como fundamento desenvolveram teorias que deram continuidade aos pensamentos psicanalíticos iniciados por esse autor.




























O diálogo entre as Psicopatologias sobre a esquizofrenia
Nesse subtema, o propósito da aproximação é dialogar com as psicopatologias sobre a compreensão da esquizofrenia, considerando a clareza das diferenças de pressupostos teóricos e terminológicos entre as abordagens da Psicanálise Freudiana e a Psiquiatria Fenomenológica e respeitando as críticas existentes entre estas. Nesse sentido, está-se de acordo com a proposta da Psicopatologia Fundamental nessa interlocução, pois se destacam as contribuições e acréscimos que tal comparação pode proporcionar ao entendimento da esquizofrenia em Freud.
Convém mencionar que dentro da psiquiatria há diferentes “abordagens” psicopatológicas. Por exemplo, como explica Tatossian, o médico psiquiatra organicista possui o interesse técnico no que é observável, no comportamento material do doente mental mediado pelo comportamento verbal. O psiquiatra fenomenólogo, por outro lado, atenta para a experiência do doente mental, a “visão”, “sem a interposição de um saber teórico pré-determinado”. Esse profissional, segundo o autor, “não pretende explicar, mas clarificar a experiência psiquiátrica, ou seja, torná-la transparente quanto à essência”. (TATOSSIAN, 2006, p. 34, 35, 36 e 38).

Narcisismo, a alienação esquizofrênica e o diagnóstico do autismo como sintoma e como fenômeno
Freud no texto “Sobre o Narcisismo: Uma Introdução” (1914) afirma que a megalomania e os desvios do interesse do mundo externo, de pessoas e coisas sem substituição por outro na fantasia por parte do sujeito são características fundamentais da esquizofrenia. (FREUD, 1914, p. 82). Narcisismo é um termo que remete ao mito de Narciso, em síntese, é o amor por si mesmo. (Laplanche e Pontalis, 2001, p. 287).
Referente ao desinteresse do mundo externo, em “O Inconsciente” (1915) Freud destaca que “a libido que foi retirada não procura um novo objeto e refugia-se no ego”, ou seja, “as catexias objetais são abandonadas, restabelecendo-se uma primitiva condição de narcisismo de ausência de objeto” (FREUD, 1915, p. 201).
Quanto à megalomania, Freud a define como o mecanismo, o domínio psíquico que permite uma elaboração da libido que retornou ao ego. Se a megalomania falha, o represamento da libido no ego torna-se patogênico, então se origina a hipocondria como processo de restauração. Caso o desligamento dos objetos seja parcial segundo Freud três fenômenos podem apresentam-se no quadro clínico do paciente. O primeiro corresponde aos fenômenos residuais que são o que resta do estado normal do sujeito. O segundo refere-se ao afastamento da libido dos seus objetos e à megalomania, à hipocondria, às perturbações afetivas e todo tipo de regressão, que representam o que resta de um estado mórbido. E o terceiro fenômeno que está relacionado a um restabelecimento. (FREUD, 1914, p. 93).
No conceito de narcisismo na esquizofrenia introduzido por Freud, a consequência do repúdio pelo mundo externo é uma completa apatia do sujeito. De acordo com Freud, “a regressão estende-se não simplesmente ao narcisismo (manifestando-se sob a forma de megalomania), mas a um completo abandono do amor objetal e um retorno ao auto-erotismo infantil”. (FREUD, 1911, p. 84).
Tal entendimento nos remete uma vez mais ao autismo definido por Bleuler como “predominância da vida interior e desapego ativo do mundo exterior” e também pelo denominado por Bleuler “pensamento des-real”. (TATOSSIAN, 2006, p. 58).
O autoerotismo, o autoinvestimento de libido e de amor na esquizofrenia pode ser compreendido como um autismo com Eros (auto(eros)tismo), da mesma forma que o autismo é um autoerotismo sem Eros.
Nas palavras de Berlinck (2008, p. 102),
No autismo não se observa a presença de Eros, o poder próprio do humano em estabelecer ligações. Nele, a função materna dá lugar à autoctonia, ao filho natural, revelando a ausência do “objeto a”, causa do desejo. O autista tem genitora, mas não tem função materna: é filho natural.

E ao citar Fédida, Berlinck (ibid.) destaca que “o déficit fundamental do auto-erotismo refere-se ao fracasso do outro no autos do auto-erotismo”. O autor (BERLINCK, 2008, p.102) acrescenta outra citação de Fédida
... o autismo seria subtração de Eros, mas, correlativamente, excesso de autos funcionando de uma certa maneira, privado do movimento de Eros (...) como o Eros está ausente (ou derivado), autos é incapaz de encontrar forma através das formas que só poderão ser engendradas graças à circulação de Eros. (grifo do autor).

De acordo com Berlinck, (2008, p. 104), “o autismo é autoerotismo sem Eros”, o autor aponta também que Bleuler sugeriu o termo “autismo” por subtração de eros da expressão aut(eros)tismo. (p. 103).
Quanto ao tratamento do autista, Berlinck menciona que
Na clínica do autismo é necessário, então, que o psicoterapeuta introduza o Eros no corpo do paciente emprestando a ele seu próprio erotismo, ou seja, é necessário que o psicoterapeuta realize, em ato, no tratamento, a função materna que permite a passagem da libido para as pulsões de vida e de morte, para Eros e Tânatos e, é bom que se diga, isso só ocorre pela palavra psicoterapêutica do psicanalista. (BERLINCK, 2008, p.107).

Na esquizofrenia há um autismo, mas há também Eros, no entanto, o Eros está voltado para si (autoerotismo).  Ao passo que no tratamento do autismo busca-se introduzir Eros, na esquizofrenia, por outro lado, o trabalho clínico consiste em introduzir o outro (altro) como objeto, e desviar parte do Eros do autodirecionamento de libido e amor (autoerotismo) a esse outro, para que Eros – as ligações - sejam possíveis, ou seja, haja a formação de laço, não mais apenas laço consigo mesmo, mas o laço com o outro, laço social.
Para Freud, o autoerotismo caracteriza a prática sexual em que a pulsão “não está dirigida para outra pessoa; satisfaz-se no próprio corpo, é auto-erótica”, em que um exemplo é a masturbação. (FREUD, 1905, p. 170).
No autoerotismo, o próprio corpo é centro da satisfação do comportamento sexual infantil do sujeito através de uma ligação entre uma pulsão parcial e o funcionamento de um órgão ou excitação de uma zona erógena, ou seja, não há recorrência a um objeto exterior, nem a uma imagem unificada do corpo, característica semelhante ao narcisismo. (Laplanche e Pontalis, 2001, p. 47).
De acordo com Tatossian (2006) o autismo na esquizofrenia além de ser um sintoma, é um fenômeno que manifesta a totalidade que é da “ordem do individual: forma ou estrutura da vida transformada”,
                            “modificação profunda e característica da personalidade humana inteira”, pessoa ou ser-no-mundo alterado, estilo particular de transcendência – ou, antes, de ordem comunicativa: forma de encontro, “fato definido de compreensão mútua” (...) fenômeno “atmosférico”, fenômeno “entre-dois”. (ibid.)

Assim, essas diferentes visões convergem no ponto comum que é o voltar-se para si e abandono parcial ou completo do externo na esquizofrenia.
Visto que diferentemente da psiquiatria orgânica que desconsidera a experiência do psiquiatra, a psiquiatria fenomenológica propõe a consideração das manifestações da psicopatologia a partir do psiquiatra e de sua experiência, o que ajuda a compreensão do fenômeno “entre-dois” na alienação esquizofrênica. (ibid. p. 42)
Nessa proposta não há apego ao modelo semiológico para diagnosticar a esquizofrenia, tampouco seria um “diagnóstico pelo sentimento” ou “diagnóstico pela intuição”, mas sim como menciona Minkowski trata-se do “diagnóstico pela penetração”. (ibid. p. 58)
Freud afirma que na psicose, além da perda do contato com a realidade, há a substituição por uma neorealidade através do delírio. (FREUD, 1924, p. 209).
Ao considerar o autismo como global, Minkowski aborda a alienação esquizofrênica como um modo de vida em que houve uma “perda” ou “ruptura” do contato vital com a realidade, não privilegiando a interioridade, como fez Bleuler, mas dando ênfase às atividades autistas, que “pressupõem a incapacidade ao contato vital com o ambiente, o dano da ‘categoria fundamental do vivido, do sentir, do viver”. Do campo do sentir, Minkowski diferencia a afetividade-conflito que está relacionada aos sentimentos e paixões de afetividade-contato que resulta do encontro e das relações humanas que são manifestações do contato humano e apego da ordem tátil e da “capacidade vital” do auditivo. (TATOSSIAN, 2006, p. 59, 60).
Outra interessante distinção que o autor faz com relação ao autismo na esquizofrenia é a do autismo rico e o autismo pobre. Esse último caracteriza-se pelo empobrecimento da ação humana normal com distúrbios do pensamento e da afetividade, ao contrário do autismo rico em que há um acréscimo imaginativo a essas funções, ainda que em ambos se apresentem “reações de recuo em relação ao ambiente”. Em que o delírio se estabelece como uma “experiência radicalmente nova” que se “coloca com dificuldade entre os simples prolongamentos da deterioração autista”. (ibid. p. 61).

A cura: o delírio, a alucinação e outras tentativas
A criação delirante pode ser vista como uma “atitude defensiva” e o autismo esquizofrênico como
“uma impotência e uma necessidade, a necessidade de criar um pseudomundo imaginário e a impotência decorrente da inversão de relações do Sujeito com o Outro e de descobrir na esquizofrenia a dupla estrutura negativa e positiva do órgão-dinamismo”. (TATOSSIAN, 2006, p. 62).

Para Freud os delírios psicóticos são uma tentativa de cura, “de restabelecimento”, “de restauração”. (FREUD, 1911, p. 84).
Esse autor aponta também como tentativa de cura por parte do paciente a já citada hipocondria, que pode apresentar-se na fala com “referências a órgãos corporais ou a inervações quase sempre” com “proeminência no conteúdo dessas observações”, em que “a manifestação oral esquizofrênica exibe uma característica hipocondríaca: tornou-se ‘fala do órgão’” ou “fala hipocondríaca” (FREUD, 1915, p. 202-3).
Outra tentativa de cura, também já mencionada, mas que requer maior aprofundamento, é a apresentação da palavra como coisa (FREUD, 1915, p. 208) cuja formação, característica da esquizofrenia, Freud diferencia do processo de elaboração de sonhos. Na formação dos sonhos há contribuição dos restos diurnos na medida em que
os pensamentos são transformados em imagens, principalmente de natureza visual; isto é, as apresentações da palavra são levadas de volta às apresentações da coisa que lhe correspondem, como se, em geral, o processo fosse dominado por considerações de representabilidade (FREUD, 1917[1915], p.235-6).

Quando a regressão dos resíduos pré-conscientes do dia é concluída, “resta grande número de catexia no sistema Ics. – catexias de lembranças de coisas” Então,
                                  Leva-se o processo psíquico primário a relacionar-se com essas lembranças, até que, pela condensação destas e pelo deslocamento entre suas respectivas catexias, tenha plasmado o conteúdo onírico manifesto. Somente quando as apresentações da palavra que ocorrem nos resíduos do dia são resíduos recentes e costumeiros de percepções, e não a expressão de pensamentos, é que são tratadas como apresentações da coisa, e sujeitas à influência da condensação e do deslocamento (ibid.)

No entanto, as falas e as palavras do conteúdo do sonho não constituem novas formações mas
                            seguem o modelo de falas do dia que precedeu o sonho (ou de outras impressões recentes, tal como algo que se leu). É notável quão pouco a elaboração do sonho obedece às apresentações da palavra; ela está sempre pronta a trocar por outra até encontrar a expressão mais conveniente para representação plástica (ibid.).

Por outro lado, na esquizofrenia “as palavras estão sujeitas a um processo igual ao que interpreta as imagens oníricas dos pensamentos oníricos latentes”, o processo psíquico primário (FREUD, 1915, p. 203-4). Porém, nessa psicopatologia
                                  o que se torna objeto de modificação pelo processo primário são as próprias palavras nas quais o pensamento pré-consciente foi expresso; nos sonhos, o que está sujeito a essa modificação não são as palavras, mas a apresentação da coisa à qual as palavras foram levadas de volta. Nos sonhos existe livre comunicação entre catexias da palavra (Pcs) e catexia da coisa (Ics.), enquanto é uma característica da esquizofrenia que essa comunicação seja interrompida (FREUD, 1917[1915], p.235-6).

Segundo Freud, o processo onírico termina quando o conteúdo do pensamento que se transformou e foi elaborado como fantasia de desejo, torna-se consciente como uma percepção sensorial. Nesse sentido, o desejo onírico é alucinado, e como alucinação recebe crença de realidade.
A fase alucinatória da esquizofrenia (...) parece ser, em geral, de natureza composta, mas em sua essência poderia corresponder a uma nova tentativa de restituição, destinada a restaurar uma catexia libidinal às idéias de objetos. (FREUD, 1917[1915], p.235-6).

Portanto, para Freud as alucinações também são tentativas de cura por parte do sujeito esquizofrênico.
E como nos aponta Simanke (2009, p. 166), na formação dos sintomas esquizofrênicos prevalece a referência à palavra sobre a referência à coisa.
Outra tentativa está presente na catatonia, por exemplo, os distúrbios psicomotores dos esquizofrênicos “são tentativas de reconstrução: a tendência à simetria das atitudes ensaiaria restabelecer uma aparência racional e ordenada”. (TATOSSIAN, 2006, p.100).
O termo cura para a medicina consiste na eliminação dos sintomas e inclusive dos delírios e alucinações. Implica restituir, consertar com o objetivo de alcançar o funcionamento esperado, a normalidade.
Na língua portuguesa, a cura é definida como “ato ou efeito de curar-se”, “restabelecimento da saúde”, “tratamento” e “vigário da aldeia”. Curar significa “restabelecer a saúde de”, “debelar (doença)”, “fazer (alguém) perder defeito moral ou hábito prejudicial”, “secar ao calor, ou ao fumeiro” “restabelecer-se, sarar”. (Ferreira, 200, p. 198).
Freud advertiu aos psicanalistas a respeito do furor sanandi o desejo de sarar a qualquer preço. No entanto, ele não se referia à cura no sentido mais amplo, pois a palavra curar vem do latim e significa cuidado. (HERRNANN, 2000, p. 428). Mas se referia à loucura de sarar sem considerar as consequências, por exemplo, ao retirar totalmente com medicações sintomas como delírios e alucinações, retira-se também a possibilidade de compreensão, elaboração e sentido, que poderiam ser trabalhados junto com o paciente a partir dessas manifestações. Reconhece-se a necessidade e utilidade das medicações antipsicóticas, a crítica aqui se refere aos excessos de medicações nas prescrições médicas.
No tratamento de psicopatologias graves como a esquizofrenia, faz-se necessário aprender com a redução fenomenológica a “suspender todas as teses de valor”, portanto, toda normatividade ideal ou estatística. No entanto, sem desconsiderar os muitos aspectos negativos da loucura como, em termos fenomenológicos, a “restrição existencial, alteração do ser-no-mundo, incapacidade de transcendência e perda da mundanização”. Pois, “o objeto da psicopatologia não é o simples desvio de comportamento, quer dizer do comportamento desviante”, o que caracteriza o ser sadio é “o que pode impedir a autonomização, ou a persistência temporal do comportamento desviante e não a ausência de sua potencialização ou realização” (TATOSSIAN, 2006, p.46).
Agora em termos estatísticos: não é o desvio da curva normal que definiria a doença do sujeito esquizofrênico, a doença deve ser considerada a partir das implicações que traz à vida da pessoa, seus familiares e para a sociedade como um todo. Não é a estrutura psíquica que determina a doença, mas sim o estado de crise, um neurótico em crise está doente, um psicótico fora da crise pode não estar em estado doentio. Pois há psicóticos que lidam melhor com sua psicose do que neuróticos com sua neurose.

A cura: tratamento e transferência na esquizofrenia em Freud
Como mostra Joel Birman (1980) no livro de Antônio Quinet, Freud reconhecia um saber do paciente no sintoma, no delírio, e em decorrência essa “era a via possível para a terapêutica das psicoses”, o que certamente escandalizava os psiquiatras da época (QUINET, p. 27).
Em 1909, Freud afirma que a demência precoce ou esquizofrenia é um estado incurável por quaisquer esforços por parte dos psicanalistas (FREUD, 1909, p. 97). A razão de tal consigna ele esclarece, por exemplo, em 1914: a incapacidade de transferência (FREUD, 1914, p. 201), e mais especificamente em 1925, em que explica que “o estudo analítico das psicoses é impraticável devido à sua falta de resultados terapêuticos”. Pois segundo o autor, esses pacientes mentais, “em geral, não tem a capacidade de formar uma transferência positiva, de modo que o principal instrumento da técnica analítica é inaplicável aos mesmos” (FREUD, 1925[1924], p. 63).
No entanto, o amor objetal em substituição à identificação narcísica é citado por Freud na recuperação de uma jovem esquizofrênica (FREUD, 1917[1915], p. 255).
Se a palavra cura for considerada como cuidado no significado do latim, seu idioma original pode-se dizer que a psicanálise cuida, portanto que a psicanálise cura.























Esquizofrenia e Laço social
O dicionário Aurélio (FERREIRA, 2000, p. 291) define a esquizofrenia como o “grupo de distúrbios mentais que, basicamente, demonstrem dissociação e discordância das funções psíquicas, perda da unidade da personalidade, ruptura de contato com a realidade”.
A esquizofrenia pode ser, segundo essa definição, um desenlace entre as funções psíquicas, um desenlace da personalidade, em fragmentos, e um desenlace do sujeito com a realidade. É a esquizofrenia um desligamento do sujeito com ele mesmo e com o mundo?
Por outro lado, o laço é definido pelo mesmo dicionário (FERREIRA, 2000, p. 415) como “nó que se desata sem esforço, e apresenta uma, duas ou mais alças”; “aliança, vínculo”; “armadilha” e ainda “corda lançada para prender o gado”.
O laço com o outro, laço social pode ser vivido como uma união agradável, sentido como o calor de abraços ou pode ser experimentado como uma frustração insuportável, uma realidade hostil, uma verdadeira armadilha que prende o ser humano, da qual o indivíduo quer fugir a qualquer preço.
Então, na esquizofrenia, é o (des)ligamento sempre prejudicial? Como se dá o (des)prender do laço social? Como entender esse (des)envolvimento? Há um recombinar, reconciliar? Como compreender o (des)enlace social?

Laço Social: transferência e delírio psicótico em Freud
Segundo Sigmund Freud a dificuldade do sujeito esquizofrênico em estabelecer laço transferencial impossibilita a viabilização do tratamento clínico psicanalítico (FREUD, 1914, p. 201). Visto como uma possibilidade de laço social com o analista, o laço transferencial para Freud não se forma. Portanto, esse laço social não se estabelece, sendo o analista um representante do meio social em que está integrado.
No entanto, o delírio como uma nova realidade (FREUD, 1911, p. 84), em substituição a realidade hostil vivida pelo esquizofrênico é uma tentativa de restauração e cura, que pode ser considerado também como uma tentativa de reorganização para o restabelecimento do laço social.
Em “Neurose e Psicose” (1924[1923], FREUD p. 167-8), Freud explica que a psicose (inclusive a esquizofrenia) é o resultado de um conflito entre o ego e o mundo externo. Freud acrescenta que o ego de acordo com os impulsos desejosos do id, cria um novo mundo tanto externo quanto interno, em substituição à realidade apresentada como frustração intolerável.
Nesse texto, acima citado (ibid. p. 169), Freud afirma também que a esquizofrenia inclina-se “a acabar em uma hebetude afetiva – isto é, em uma perda de toda participação no mundo externo”.
À relação que se rompe do sujeito esquizofrênico com o mundo externo, muitas vezes, inclui-se o relacionamento com a realidade e com o outro, ou seja, há um rompimento completo ou parcialmente do laço social durante o surto esquizofrênico. No entanto, o psicótico não está sempre em surto. Mas, nesse período tal ligamento talvez esteja ausente.
Segundo Freud (ibid.) os delírios surgem como um “remendo no lugar em que originalmente uma fenda apareceu na relação do ego com o mundo externo” e se o conflito do ego com o mundo externo não se faz visível na atualidade, isso ocorre devido a que as manifestações do processo patológico são “recobertas por manifestações de uma tentativa de cura ou uma reconstrução” – o delírio.
Em “A perda da realidade na neurose e na psicose” (FREUD, 1924, p. 205), Freud reafirma que na psicose o ego se afasta de um fragmento da realidade, cujo fator decisivo de predominância é o id.
Freud distingue duas fases presentes na psicose. A primeira fase “arrastaria o ego para longe” da realidade, a segunda tentaria reparar o dano causado e restabelecer, com a criação de uma nova realidade, as relações do indivíduo com a realidade às expensas do id. (ibid. p. 206).
A importante contribuição de Freud mostra que na psicose a fuga inicial da realidade é sucedida por uma fase ativa de remodelamento, pois o psicótico repudia a realidade e a tenta substituir. (ibid. p. 207)
Para Freud,
                            em uma psicose, a transformação da realidade é executada sobre os precipitados psíquicos de antigas relações com ela – isto é, sobre os traços de memória, as ideias e os julgamentos anteriormente derivados da realidade e através dos quais a realidade foi apresentada na mente. Essa relação, porém, jamais foi uma relação fechada; era continuamente enriquecida e alterada por novas percepções. Assim, a psicose também depara com a tarefa de conseguir para si própria percepções de um tipo que corresponda à nova realidade, e isso muito mais radicalmente se efetua mediante a alucinação. (ibid.)

Porém, para Freud, a representação da realidade não pode ser remodelada em formas satisfatórias, pois a criação de uma nova realidade é parcialmente mal sucedida. A ênfase que incide no primeiro passo (arrastar o ego para longe da realidade), para o autor “é patológica em si própria e só pode conduzir à enfermidade”. Nesse conflito inicial, o ego rendeu-se à sua dependência do id.  (FREUD, 1924, p. 208).
Como nos esclarece Simanke (2009, p. 183), de acordo com Freud a psicose renega a realidade e a procura substituir. “A renegação da realidade torna-se, assim, uma pré-condição da reconstrução do mundo efetuada pelo delírio”. (SIMANKE, 2009, p.183). A renegação é nesse sentido um dos mecanismos de defesa contra a castração. (SIMANKE, 2009, p. 211)
Nesse contexto, insere-se a alucinação, cuja função é fornecer percepções tais que correspondem à realidade a ser reconstituída, na exata medida em que o acervo de registros (memória) da informação perceptiva anterior, incompatível com a fantasia de desejo, havia anulado pelo processo defensivo. (SIMANKE, 2009, p. 183).

A nova realidade criada de acordo com os desejos do indivíduo substitui a realidade desagradável. O mundo imaginário é o recurso pelo qual derivam os materiais ou o padrão para tal construção. (FREUD, 1924, p. 209)
                                  Ao passo que o novo e imaginário mundo externo de uma psicose tenta colocar-se no lugar da realidade – um fragmento diferente contra o qual tem que defender-se -, e emprestar a esse fragmento uma importância especial e um significado secreto que nós (nem sempre de modo apropriado) chamamos de simbólico. (ibid.)

Quanto à ruptura do “laço” objetal, Volich no livro de Berlinck (BERLINCK, 1999, p. 54) afirma que a “perda do interesse pelos objetos e pelo mundo objetal inviabiliza a vida psíquica, e esse desinvestimento representa uma verdadeira ameaça vital”. 
Ao citar A. Green, Volich menciona que a “função objetalizante e de ligação das pulsões de vida, em oposição à função desobjetalizante e de desligamento da pulsão de morte” possui grande importância. E as “consequências da atividade de formas de destrutividade não ligadas” que se podem manifestar nas psicoses é a desintegração do ego. (ibid.)
Às vezes, romper com a realidade, e consequentemente, com o laço social é uma defesa. É o que permite a sobrevivência do sujeito esquizofrênico. Manter o laço é insuportável, então, o indivíduo o rompe para preservar a continuidade de sua existência como humano.
Romper laços pode proporcionar crescimento e amadurecimento, desde que novos sejam atados (ainda que precariamente através de um delírio). O desenlace social pode provocar o absoluto isolamento, destruição do convívio social, e se não houvesse um movimento de recriar, poderia significar a destruição do ego e morte do sujeito.
No entanto, há na esquizofrenia não apenas uma perda da realidade, mas também uma substituição por uma nova realidade.
Nesse sentido a esquizofrenia não apresenta apenas perdas, como as já consideradas, perda cognitiva, perda do convívio social e perda afetiva ao paciente. Os sintomas negativos significam perdas.
Porém, toda perda implica um ganho. Não apenas os sintomas positivos, delírios e alucinações são ganhos. O esquizofrênico vive experiências, sentimentos, sensações, compreensão e atribuição de sentidos sob uma perspectiva que somente a esquizofrenia pode proporcionar.
Além disso, um ganho adicional são os recursos que o sujeito precisa criar e inventar para lidar e suportar o imensurável sofrimento que acompanha essa psicopatologia. A esquizofrenia não é apenas uma grande doença mental pode ser também, de certa forma, vantagem mental.

Laço social: psicose e laço familiar
Nesse item se considerará a contribuição de D. W. Winnicott, um psicanalista posterior a Freud, que apresentou uma proposta de intervenção para pacientes psicóticos e publicou alguns de seus casos clínicos no capítulo “Os efeitos da psicose sobre a vida familiar” do livro A família e o desenvolvimento individual.
Winnicott (WINNICCOTT, 1909, p. 47-8) definia a demência precoce como uma defesa em que, se há um vislumbre da manifestação do interesse pelo mundo externo, “constata-se que o mecanismo lógico está intacto”. E que “tais manifestações intermitentes da inteligência tão bruscas e totais quanto as que observamos na demência precoce seriam inimagináveis numa demência orgânica”.
Segundo o autor, essa psicopatologia
                                  canaliza para o eu todo o interesse e toda energia afetiva retirada do mundo externo; é o que explica as ideias de grandeza, os hábitos infantis, a revivescência dos modos de satisfação auto-eróticos, a irresponsabilidade em face de exigência culturais, a anulação, a rejeição quase total do mundo externo. (ibid.)

Para Freud, o funcionamento pulsional é responsável pelo desenvolvimento psíquico. Para Winnicott, os processos de constituição do ego e do self para participar do funcionamento pulsional necessitam de um espaço intra-psíquico já delimitado e o meio é fundamental na construção desse espaço. (SOUZA, 1996, p. 11)
Quanto às psicoses, para Winnicott, se referem “a um momento de não-integração, anterior à reunião de um self, a uma fase de dependência absoluta onde ocorreram falhas de adaptação no âmago da unidade mãe-bebê”. (DIAS, 1994, p.73)
A proposta terapêutica de Winnicott para as psicoses consiste no oferecimento de um setting flexível que possa reproduzir as mais antigas técnicas de maternagem possibilitando uma regressão, um retorno organizado à dependência inicial, que resulta para o paciente em uma sensação de um novo sentido do self que se submete ao ego total. Há o descongelamento de uma situação de fracasso ambiental e a raiva sentida naquela ocasião passa a ser presente e expressa. Logo, há um retorno da regressão à dependência, em um processo em direção à independência. Por fim, as necessidades e desejos pulsionais tornam-se realizáveis com vitalidade e vigor genuínos. (WINNICCOTT, 1978, p. 464)
Segundo Winnicott “muitas famílias se desfazem devido à carga da psicose sobre um de seus membros, e que a maior parte dessas famílias provavelmente permaneceria unida se pudesse ser aliviada” de uma carga de tão alto e insuportável grau de sofrimento. (WINNICCOTT, 1960, p. 90)
Em um primeiro caso clínico apresentado por Winnicott, ele cita que “o menino desde muito cedo deu mostras de ser muito inteligente e psicótico.” O menino era a caricatura do pai e invertia as relações. Porém, nesse caso a psicose do filho “amarrou” os pais a uma não separação, o que, segundo o autor, impossibilitou a continuidade do crescimento de todos como indivíduos e aos pais que decidiram ficar juntos para cuidar do menino a um círculo vicioso. (ibid.)
Winnicott descreve vários interessantes casos, dentre esses o de uma menina de treze anos, com delírios paranoides e pai político, em que romper o laço familiar resultou no bem da paciente. Foi cuidada por enfermeiras, jamais pode voltar para casa, pois em um momento que retornou, as perturbações voltaram. Distante da casa tornou-se enfermeira. (ibid. p.96)
Winnicott afirma que o analista que trata o paciente esquizofrênico, encontra-se envolvido “na elucidação de uma cisão na pessoa do paciente, o extremo de uma dissociação”. (WINNICCOTT, 1968, p. 152)
Para a psicoterapia da esquizofrenia, Winnicott acrescenta que se deve ajudar a “proporcionar a confiabilidade que o paciente pode usar, no sentido de que pode anular as defesas que foram erguidas contra a impredizibilidade e as calamitosas consequências em termos de horror a ser experienciado”. Pois se se alcança êxito, capacita-se o paciente a abandonar a invulnerabilidade e a tornar-se um sofredor. (ibid. p. 155)
Nesse primeiro momento, pode-se concluir que o laço social na esquizofrenia às vezes pode ser reconstruído, durante o surto através do delírio, após o surto talvez através da análise.
Também, o rompimento do laço social nem sempre é totalmente prejudicial, pois às vezes, como no exemplo clínico, serve para o benefício e sobrevivência do paciente.
















Esquizofrenia e laço social em Freud
Em “Psicologia de grupo e a análise do ego” (FREUD, 1921, p. 81), Freud afirma que a psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social, o autor amplia os fenômenos sociais às relações do indivíduo com os pais, irmãos, objeto de amor e com seu médico ou analista, em contraste com os processos narcisistas, em que a satisfação dos instintos é parcial ou totalmente retirada da influência de outras pessoas.
Nesse segundo caso, os atos narcisistas, Freud (ibid.) menciona que Bleuler [1912] “talvez os chamasse de ‘autísticos’”. E como já considerado nesse trabalho, na esquizofrenia o funcionamento predominante é narcísico, e há autismo com Eros, mas voltado para si, ou seja, autoerotismo. Também, na esquizofrenia parece ausentar-se a relação do sujeito esquizofrênico com o objeto. No entanto, vejamos como o esquizofrênico, muitas vezes, livre da influência grupal, influência de outras pessoas, possui aumento do seu grau de liberdade.
Ao mencionar a descrição de Le Bon da mente grupal, Freud (ibid.) explica que se os indivíduos de um grupo se combinam em uma unidade, deve haver algo que os une e esse elo poderia ser a coisa que caracteriza o grupo. Para Le Bon, no grupo a distintividade se desvanece, o que é heterogêneo passa a ser homogêneo, e como característica do grupo, o contágio se apresenta em sentimento e ato e, às vezes, contrário às apresentações do indivíduo isolado. (FREUD, 1921, p. 84, 85). Freud menciona a falta de liberdade do indivíduo no grupo, em que cada um está preso em duas direções por um “laço emocional tão intenso que não encontraremos dificuldade em atribuir a essa circunstância a alteração e a limitação que foram observadas em sua personalidade” (FREUD, 1921, p. 107). Nesse sentido, a excentricidade do esquizofrênico se destaca como a liberdade de ser diferente e não influenciado pelas pessoas do grupo que não o pertencem.
Mas, e se fosse formado um grupo de pacientes esquizofrênicos com o tratamento como elo e objetivo? Essa experiência foi vivida pela pesquisadora como coordenadora em um grupo terapêutico de reflexão com pacientes esquizofrênicos na Casa de Saúde São João de Deus, sob a supervisão clínica de Manoel Tosta Berlinck e a coordenação de José Waldemar Thiesen Turna, vivência que possibilitou associar essa prática clínica à elaboração teórica de Freud sobre a psicologia de grupos ou psicologia de massa, antes, porém, convém relatar brevemente uma das sessões de tal experiência.

Grupo terapêutico de reflexão
Freud menciona que um grupo está sujeito ao poder “mágico” das palavras que podem suscitar “as mais formidáveis tempestades na mente grupal, sendo também capazes de apaziguá-las”. (FREUD, 1921, p. 90).
“Apaziguar as tempestades da mente por meio das palavras” é a frase que melhor traduz a experiência clínica vivenciada com os pacientes esquizofrênicos e a pesquisadora como uma dos coordenadores do grupo de reflexão.
Para compartilhar essa vivência, escolheu-se como relato o primeiro dia em que a pesquisadora participou como coordenadora do grupo terapêutico de reflexão.

O encontro
No dia 14/01/2013, após a pesquisadora e José Waldemar passarem pelas alas do hospital e cumprimentarem os pacientes e a pesquisadora conhecer o lugar e as pessoas, ambos foram buscar os pacientes nas alas.
A juventude, a força física e psíquica desses pacientes lembram-nos os deuses da mitologia grega, bem como já considerada, a similaridade do que ocorre na vida mental dos esquizofrênicos coincide com mitos populares. (FREUD, 1914, p. 87)
Nesse momento de encontro, tornou-se relevante a formação de um laço: um paciente, Hermes – mensageiro dos deuses (nome fictício para preservar a identidade do paciente e manter sigilo), convidou outro paciente Alfeu (nome fictício) para participar do grupo terapêutico. Alfeu havia chegado há pouco tempo na Casa da Saúde e aceitou o convite, esteve presente no grupo.
Após reunirmos os pacientes, descemos todos juntos ao espaço terapêutico. José Waldemar trouxe água, café, açúcar e adoçante.
No início da conversa do grupo, José Waldemar noticiou que havia duas pessoas novas no grupo, Alfeu - o novo paciente, e então, eles se questionaram quem era a outra nova pessoa. Um dos pacientes referiu à nova “psicóloga”, que começou a apresentar-se e disse ser da Psicologia e estar no início do trabalho voluntário, mas destacou sua disposição em ouvi-los e contribuir de alguma forma no que for possível.
Alfeu contou sobre sua história. Começou a ouvir vozes paralelamente a frequentar igrejas evangélicas. Ouvia as interpretações, a palavra de Deus e as vozes, e falava línguas estranhas. Disse também não possuir o próprio corpo, os próprios movimentos, e interpretou as reações de um policial como ameaça a um movimento descontrolado do corpo do paciente.
Morfeu – deus dos sonhos (nome fictício) foi o próximo a se apresentar. Morfeu estava internado há quase um ano e tinha violentas crises diárias. O mais marcante nesse paciente é a imagem de tigre pisando em seu peito e gerando angústia, imagem que ele descobriu em uma sessão de hipnose que havia se submetido no hospital.
Outro paciente a se apresentar foi Dioniso (nome fictício) que disse que antes estava tagarela e agitado, mas que agora estava tranquilo. Citou que pediu um diagnóstico ao médico que disse que Dioniso estava internado devido ao seu uso de drogas. Dioniso mencionou sentir-se aprisionado. A pesquisadora então lhe perguntou o quanto mais aprisionado ele se sentiria se encontrasse um diagnóstico, não é o diagnóstico mais uma visão do outro sobre ele? E como podemos ver a nós mesmos, ter nossa própria visão?
Depois, Hermes apresentou-se. O surpreendente nesse paciente é que ele disse ter conseguido “espantar” as vozes, e descreveu uma “técnica” um “meio” (sic) para tal “fim” (sic) – uma técnica com palitos de fósforo. Ele mencionou também sua necessidade de tentar “traduzir o que pensa, o que sente e o que vive em palavras” (sic). Mencionou que seu apelido era “I am” (sic) e com certo humor disse que: “se sou ‘I am’ os outros pacientes eram ‘I will’” (sic). Excelente tradução e elaboração. Ele é. Os outros que o apelidam, segundo ele, ainda serão.
Ares – deus da guerra (nome fictício) foi o próximo a apresentar-se contando sua história sobre o surto em que vozes diziam que ele não é filho do pai e que o pai o abusava sexualmente. Relatou que, de fato, descobriu depois que não é filho do pai (é filho adotivo), mas que o abuso foi uma alucinação. Relatou que às vezes as pessoas falam mal dele e riem. O quanto somos afetados com as reações dos outros? Como reagimos? Como nos sentimos? Foram questões pensadas e verbalizadas.

Reflexões pós-clínicas
O conteúdo religioso, o corpo em fragmentos, a necessidade de traduzir, interpretar um código – temas presentes, alguns nas vozes que os pacientes relatam ouvir, mas acima de tudo presentes nas falas desses pacientes, fazem-nos pensar em especial em um personagem bíblico: Moisés.
No paciente Alfeu, há a característica de Moisés de “profeta” – Alfeu tinha visões de anjos, falava em línguas diferentes, ouvia as interpretações da Palavra de Deus, mas também ouvia vozes - de demônios? – questionou outro paciente – Não, pois Alfeu diz ser da “doença” (sic). Ele reconhece-se como doente e relata a experiência do corpo em fragmentos, corpo em pedaços que ele não controla, não domina, corpo mosaico que é formado por inúmeros pedacinhos, mas que, no entanto, se nos distanciarmos veremos que compõe um todo.
Morfeu também tem seu aspecto Moisés, porém diferentemente do Moisés de Michelangelo citado por Freud que se contém em quebrar as tábuas da Lei dos dez mandamentos, esse paciente tem crises em que não só quebra as leis como quebra, agride e arrebenta o companheiro de quarto e os objetos e precisa ser contido fisicamente.
Quanto ao mensageiro dos deuses – Hermes e sua relação com a tradução, há sua necessidade de interpretar o código para os demais, para os “israelitas”, uma tradução verbal e então o coordenador sugeriu uma expressão escrita – uma possível tradução do “código” de sua vivência por escrito.
Essa foi a primeira de várias sessões que a coordenadora-pesquisadora participou, algumas vezes conduzindo sozinha o grupo, e que resultou em uma excelente experiência clínica que trouxe reflexões para a presente pesquisa e possibilitou relações com a teoria freudiana que serão consideradas a seguir.

O grupo terapêutico de reflexão e a “Psicologia de grupo e a análise do ego
Citando McDougall (1920), Freud destaca que os indivíduos de um grupo devem ter algo em comum uns com os outros, seja o interesse comum em um objeto, seja uma inclinação emocional semelhante em uma situação e ‘certo grau de influência recíproca’, ou ainda, ‘homogeneidade mental’ para que os indivíduos constituam um grupo psicológico. (FREUD, 1921, p. 94, 95). Todos os pacientes do grupo terapêutico eram do sexo masculino, e a maioria possuía em comum o funcionamento esquizofrênico, o que permitiu notáveis manifestações na mente grupal.
Outro aspecto da vivência clínica no grupo de reflexão que converge à teorização grupal de Freud foi a exaltação ou intensificação de emoção produzida em cada membro do grupo, em que houve contágio emocional, aumento da excitação e da carga emocional dos pacientes, especialmente quando estavam presentes apenas as coordenadoras mulheres.
McDougall (FREUD, 1921, p. 96) destaca ainda cinco aspectos necessários para a elevação da vida mental coletiva a um nível mais alto, que foram observados também no decorrer do grupo terapêutico de reflexão.
O primeiro aspecto refere-se a certo grau de continuidade de existência no grupo, quer seja material – quando os mesmos indivíduos persistem no grupo por certo tempo, quer seja formal, “se se desenvolveu dentro do grupo um sistema de posição fixa que são ocupadas por uma sucessão de indivíduos” (ibid.). A continuidade da presença dos pacientes no grupo terapêutico findava apenas com a alta médica, ou com breves interrupções voluntárias e momentâneas dos pacientes, ou quando um dos membros do grupo estava de alguma forma, impossibilitado de estar presente devido a uma crise ou mal estar.
A segunda condição é que entre cada membro do grupo se forme alguma “ideia definida da natureza, composição, função e capacidades do grupo, de maneira que, a partir disso, possa desenvolver uma relação emocional com o grupo como um todo”. (ibid.). No grupo terapêutico de reflexão, a relação emocional desenvolvida com o tempo foi o afeto, em que os membros do grupo algumas vezes se abraçavam ou consolavam e acalmavam um dos componentes que se exaltava.
O terceiro aspecto para a elevação da vida mental coletiva, mencionada por McDougall (FREUD, 1921, p. 97), é que o grupo deva ser colocado em interação com outros grupos semelhantes, mas que dele difiram em muitos aspectos. Quanto a esse ponto, as questões trabalhadas no grupo terapêutico de reflexão, às vezes repercutiam em outros grupos, como o grupo de recepção de novos pacientes em que participavam, além dos novos, também alguns dos mesmos pacientes do grupo terapêutico de reflexão, e como exemplo, a compreensão compartilhada por um dos membros e elaborada no grupo de reflexão - que a internação não era uma prisão ou um castigo, mas sim uma forma de tratamento.
O quarto aspecto é que “o grupo possua tradições, costumes e hábitos, que determinem a relação de seus membros uns com os outros” (ibid.). Um dos hábitos do grupo era tomar café em cada sessão, disponibilizado pelos coordenadores, outro hábito mais esporádico era aos que fumavam, no término da sessão, disponibilizavam-se cigarros para fumarem na área externa, algo interessante de se notar era que mesmo os não fumantes gostavam de acompanhar o grupo estando presentes sem fumar, ou seja, para fazerem companhia aos fumantes e aos coordenadores. (Seria essa uma indicação de possível formação de laço?).
Por fim, o quinto aspecto que fortalece a vida mental coletiva e afastam as desvantagens das funções de seus constituintes é que “o grupo tenha estrutura definida, expressa na especialização e diferenciação” de seus membros. Apesar da quase unanimidade do diagnóstico de esquizofrenia, cada participante do grupo terapêutico é valorizado como indivíduo singular, único, diferenciado e digno de escuta. De forma que foi superado um dos desafios apontados por Freud que seria conseguir agregar ao grupo aqueles aspectos que eram característicos do indivíduo, mas que no grupo se extinguiriam, pois fora do grupo, “o indivíduo possuía sua própria continuidade, sua autoconsciência, suas tradições, e seus costumes, suas próprias e particulares funções e posição” e inclusive suas crenças e motivações religiosas. (FREUD, 1921, p. 97).

Esquizofrenia e laço religioso
Ainda sobre psicologia de grupo ou psicologia de massa, Freud ressalta que há dois grupos artificiais: a igreja e o exército, e aqui se faz relevante acrescentar que alguns pacientes esquizofrênicos do grupo terapêutico de reflexão parecem estabelecer (mesmo que delirante) o que Freud chama de “laço com Cristo” como líder da igreja cristã, que tem como consequência o “laço que une uns aos outros” na irmandade e comunidade religiosa. Talvez, tratando-se então do que o autor denomina um “laço grupal, e não mais laço simples”. (FREUD, 1921, p. 105).
Freud menciona, em outras palavras, que nesses dois grupos artificiais (a igreja e o exército), “cada indivíduo está ligado por laços libidinais” por um lado ao líder – Cristo, o comandante – chefe, e por outro, aos demais membros do grupo religioso. Freud destaca então, a importância do líder na psicologia de grupo. (FREUD, 1921, p. 107). Além disso, Freud menciona que no laço religioso, o enfraquecimento dos laços libidinais que dele dependem perde as forças se outro laço grupal tomar o lugar de religioso. (ibid. p. 110). Haveria possibilidade de substituir o laço delirante por outro laço grupal?

Esquizofrenia e laço com o outro
Freud esclarece que a “simples reunião de pessoas não constitui um grupo” enquanto esses laços – laço com o líder e entre os membros do grupo - não se estiverem estabelecido nele, por outro lado, Freud reconhece que “em qualquer reunião de pessoas a tendência a formar um grupo psicológico pode muito facilmente vir à tona”. (FREUD, 1921, p. 111).
Nas relações com o outro, convém aprendermos com o símile schopenhaueriano citado por Freud, em que os porcos-espinhos para não se congelarem, teriam que tolerar uma aproximação íntima com o próximo.
Um grupo de porcos-espinhos apinhou-se apertadamente em certo dia frio de inverno, de maneira a aproveitarem o calor uns dos outros e assim salvarem-se da morte por congelamento. Logo, porém, sentiram os espinhos uns dos outros, coisa que os levou a se separarem novamente. E depois, quando a necessidade de aquecimento os aproximou mais uma vez, o segundo mal surgiu novamente. Dessa maneira foram impulsionados, para trás e para frente, de um problema para o outro, até descobrirem uma distância intermediária, na qual podiam mais toleravelmente coexistir. (Parerga und Paralipomena, Parte ll, 31, ‘Gleichnisse und Paraben’.). (FREUD, 1921, p. 112n).

É preciso, de fato, encontrar uma relação com o outro que seja suportável, não tão perto que possa ferir-nos e não tão longe que nos congele – encontrar certa distância, mas que permita que o relacionamento ocorra e se sustente. Estabelecer uma transferência que não seja nem ‘colada’ no outro, como alguns autores pensam ser a transferência na psicose, nem inexistente como pensava Freud; é necessária a busca por uma relação que não se localize nos extremos nem nos excessos.
Segundo Freud, as provas da psicanálise
demonstram que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas que perdura por certo tempo – casamento, amizades, as relações entre pais e filhos – contém um sedimento de sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção em consequência da repressão. (FREUD, 1921, p. 112).

Se imaginarmos que no funcionamento do esquizofrênico não opera o mecanismo da repressão do mesmo modo que no funcionamento neurótico, entenderemos o porquê a relação com o outro para o esquizofrênico é tão aversiva e hostil. Compreenderemos também, de acordo com Freud, que o amor a si mesmo do narcisismo trabalha para a proteção e preservação do indivíduo. (FREUD, 1921, p. 113).
No entanto, Freud afirma que
quando um grupo se forma, a totalidade dessa intolerância se desvanece, temporária ou permanentemente, dentro do grupo. (...). Os indivíduos do grupo comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades de seus outros membros, igualam-se a eles e não sentem aversão por eles. (FREUD, 1921, p. 113).

Um evento que ocorreu no grupo terapêutico de reflexão exemplifica como os pacientes passaram a tolerar as peculiaridades de seus outros membros. Em certa ocasião, um paciente constantemente batia a porta do banheiro sempre que o utilizava fazendo grande barulho que incomodava o andamento do grupo. Além disso, ele gritava, conversava com a janela e com o quadro, durante os atendimentos, e uma vez encheu a colher do açúcar usado para adoçar o café de todos, colocou-a na boca e a retornou novamente ao pote.
Um dos coordenadores sugeriu que esse paciente fosse transferido de grupo, mas antes consultou as opiniões de cada membro do grupo terapêutico. Todos os pacientes disseram que ele devia continuar no grupo, expuseram como argumentos que o paciente estava em momento de grande sofrimento e que os demais poderiam comparar seus estados com o dele, de forma que esse paciente tinha a função no grupo de “termômetro” que media não a temperatura, mas o grau de estado mental de cada componente do grupo. Além disso, os pacientes não demonstravam aversão por ele, mas pelo contrário, achavam que ele era muito divertido ao expressarem a importância da continuidade desse paciente no grupo terapêutico de reflexão.
O funcionamento inicial do grupo terapêutico de reflexão era como grupo narcísico, e segundo Freud uma “limitação do narcisismo”, “só pode ser produzida por um determinado fator, um laço libidinal com outras pessoas”. A barreira que o amor por si mesmo conhece é o “amor pelos outros, o amor pelos objetos”. (ibid.).
Freud continua da seguinte maneira:
A experiência demonstrou que, nos casos de colaboração, se formam regularmente laços libidinais entre os companheiros de trabalho, laços que prolongam e solidificam a relação entre eles até um ponto além do que é simplesmente lucrativo. (FREUD, 1921, p. 113).

Dessa forma, o laço laboral entre trabalhadores pode ultrapassar o objetivo do lucro financeiro e atingir e fortalecer vínculos libidinais entre os sujeitos. Semelhantemente, tais vínculos parecem ter ocorrido no grupo terapêutico de reflexão com os pacientes esquizofrênicos, em que o trabalho e o consequente lucro eram psíquicos.
Como nos mostra Freud “a mesma coisa ocorre nas relações sociais dos homens como se tornou familiar à pesquisa psicanalítica no decurso do desenvolvimento da libido individual”. (FREUD, 1921, p. 113).
A libido se liga à satisfação das grandes necessidades vitais e escolhe como seus primeiros objetos as pessoas que têm uma parte nesse processo. E, no desenvolvimento da humanidade como um todo, do mesmo modo que nos indivíduos, só o amor atua como fator civilizador, no sentido de ocasionar a modificação do egoísmo em altruísmo. (FREUD, 1921, p. 113, 114).

Talvez um tratamento possível para a esquizofrenia seja introduzir o outro (altro), que possa captar pelo menos parte do Eros do autoerotismo, o amor que o esquizofrênico tem por si mesmo - para esse outro, novo alvo de seu amor. Mas, como fazer isso?

Esquizofrenia, identificação e laço emocional
Para a psicanálise, a expressão mais remota, mais primitiva de um laço emocional com outra pessoa é a identificação. (FREUD, 1921, p.115, 116). Podemos exemplificar com a citação de Freud sobre o medo da criança pequena na aproximação de um ‘estranho’, mas que ao crescer a criança geralmente desenvolve o instinto gregário ou sentimento de grupo ao identificar-se com outras crianças, sentimento comunal (ou de grupo) que é ainda mais desenvolvido na escola. (FREUD, 1921, p. 129, 130).
Freud esclarece que a criança no grupo de crianças reivindica justiça por um tratamento igual para todos, apresenta ciúme como sentimento grupal no quarto em que talvez haja muitas crianças ou na sala de aula, o que podemos acrescentar que podem ser indícios do que talvez se apresente posteriormente como sendo a justiça social, a consciência social e o senso de dever. Freud destaca também que a identificação entre as crianças se dá por meio de um amor semelhante pelo mesmo objeto. (ibid. p, 130).
Dessa forma para Freud, o sentimento social “se baseia na inversão daquilo que a princípio constituiu um sentimento hostil em uma ligação da tonalidade positiva, de natureza de uma identificação”, como no exemplo acima citado, e essa “inversão parece ocorrer sob a influência de um vínculo afetuoso comum com uma pessoa fora do grupo”. (FREUD, 1921, p. 131.).
Encontramos na esquizofrenia um funcionamento similar ao de crianças pequenas quanto à tendência ao narcisismo, o autoerotismo, bem como ao pensamento concreto e literal em contraste com a expressão simbólica.
Além disso, de acordo com Simanke (2009, p. 131) com relação à esquizofrenia, um argumento suplementar de Freud de que nessa psicopatologia a fixação estaria no narcisismo primário seria o de que na esquizofrenia semelhantemente às características da vida anímica das crianças e dos povos primitivos, se destacam pela chamada “onipotência dos pensamentos”, ou seja, uma superestimação do poder dos atos psíquicos e dos desejos. Isso devido a que na esquizofrenia, a fixação narcísica implica à um retorno até o autoerotismo infantil. (SIMANKE, 2009, p. 163).
Será que a relação com o outro, sentida como hostil para o esquizofrênico, poderia através de um vínculo afetuoso com outros com o funcionamento psíquico semelhante, atuando assim como identificação no grupo de pacientes, poderia movê-los ao amor por um mesmo objeto comum?
Para Freud, a identificação constitui também a forma original de laço emocional com um objeto, e de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por meio da introdução do objeto no ego. (FREUD, 1921, p. 117).
Segundo Freud, a identificação
Pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum compartilhada com alguma outra pessoa que não é objeto de instinto sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é, mais bem-sucedida pode tornar-se essa identificação parcial, podendo representar assim o início de um novo laço. (FREUD, 1921, p. 117).

Se como nos aponta Freud “o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é de natureza de uma identificação”, “baseada numa importante qualidade emocional comum”; tanto entre os membros do grupo terapêutico de reflexão quanto com os coordenadores, a “empatia” é o que desempenha o maior papel do que “é inerentemente estranho ao nosso ego nas outras pessoas”. (FREUD, 1921, p. 118).
Porém, Freud considera que
A pesquisa psicanalítica, que já atacou ocasionalmente os mais difíceis problemas das psicoses, também pôde mostrar-nos a identificação em alguns outros casos que não são imediatamente compreensíveis. (FREUD, 1921, p. 118).

Freud orienta o caminho pelo qual uma identificação percorre e resulta em sentimento social: a “influência de um vínculo afetuoso”, o laço emocional. (FREUD, 1921, p. 131).

A despedida, a saudade e os planos para o retorno
A identificação e o vínculo afetivo desenvolvidos no grupo terapêutico de reflexão permitiu que alguns pacientes, em momentos distintos, verbalizassem o desejo de voltar a estudar. O contato da pesquisadora com essa vivência clínica na Casa de Saúde São João de Deus, a experiência como analizanda, as pesquisas teóricas desenvolvidas por ela no Laboratório de Psicopatologia Fundamental, o ambiente universitário, a aproximação com a Instituição Lugar de Vida e a experiência como professora de língua espanhola, fizeram a pesquisadora propor uma “educação terapêutica” (termo “emprestado” do Lugar de Vida) para atender a demanda desses pacientes.
Após conversar com seu supervisor clínico e com o coordenador do setor de psicologia da Casa de Saúde São João de Deus e receber deles aprovação de seu projeto de “educação terapêutica”, a pesquisadora anunciou aos pacientes do grupo terapêutico de reflexão que precisaria ausentar-se para formalizar a escrita desse projeto de intervenção clínica – planejar o retorno.
Nessa sessão, a despedida foi muito emocionante para todos, depois de mencionar e explicar repetidas vezes sobre como seria o projeto, os pacientes aplaudiram a ideia. Um deles pediu que a pesquisadora não deixasse o grupo, mas ela explicou que retornaria e eles estavam convidados a compartilharem essa experiência prática. A pesquisadora foi então presenteada com um beijo em sua mão dado por cada um dos pacientes. Nos meses seguintes, a saudade foi uma das principais forças motivadoras que impulsionaram a transformar tal proposta de intervenção em seu Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia.



























Tratamento da esquizofrenia - uma proposta de intervenção clínica com pressupostos freudianos

A proposta de “educação terapêutica” como intervenção clínica no tratamento de pacientes esquizofrênicos alude-nos ao texto de Freud “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental”, em que, em um primeiro momento, o autor considera que certas psicoses, o que incluímos a esquizofrenia, são os casos mais extremos de um afastamento da realidade, por achá-la insuportável. (FREUD, 1911, p. 237).
Mais adiante, Freud esclarece que no processo primário encontra-se o princípio de prazer e esses se esforçam para “alcançar prazer; a atividade psíquica afasta-se de qualquer evento que possa causar desprazer”. Por outro lado, o princípio de realidade é destacado pelo autor como o “princípio econômico de poupar consumo [de energia]”. (FREUD, 1911, p. 238, 240).
Consideramos que o esquizofrênico está mergulhado no princípio de prazer devido a que seus “instintos sexuais comportam-se autoeroticamente”, ou seja, como nos mostra Freud, que o indivíduo obtém sua satisfação a partir de seu próprio corpo e, portanto, “não se encontram na situação de frustração que forçou a instituição do princípio de realidade”. (FREUD, 1911, p. 241).
No entanto, Freud considera que a educação é auxiliar na substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade, cujo processo, afeta o desenvolvimento do ego e tem como recompensa o amor dos educadores. (FREUD, 1911, p. 242). Mas, como intervir, o que introduzir?











Conclusão

O ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos

Escutar a demanda de alguns pacientes sobre seus desejos de voltarem a estudar é dar-lhes voz e a oportunidade de escutarem suas próprias vozes. O esquizofrênico possui o seu próprio “idioma”, fala sua própria “língua”, possui sua relação peculiar com a linguagem, seja através da ‘fala do órgão’ ou fala hipocondríaca, seja através de sua linguagem de pensamento ou das coisas concretas que ele considera como abstratas ou ainda da ‘palavra como coisa’, ensinar outro idioma é introduzir um terceiro nessa relação sujeito-língua materna.
No caso de Wolfson, o esquizofrênico estudante de línguas, Maud Mannoni (1995, p. 41) explica-nos que “em sua fúria de destruir a língua materna” a consequência foi que ele “deu-nos também um livro maravilhoso” – Le Schizo et les langues, em que como menciona Gilles Deleuze “sentimos germinar a saúde particularíssima do fundo da doença”.
O autor não suporta ouvir sua mãe falar e, por isso, passa a verter as palavras de sua língua natal em palavras estrangeiras. No fim do livro, consegue livrar-se da angústia de destruição e morte, a ponto de dizer: “E há até uma esperança de que, afinal (...), o rapaz mentalmente enfermo seja capaz, um dia, de empregar normalmente essa língua, o famoso idioma inglês”. (ibid.).
Seria a aprendizagem de uma língua estrangeira um recurso para formar laços?
A aprendizagem de línguas estrangeiras, de acordo com Mannoni (ibid.), permitiu Wolfson aproximar-se dos seus, protegido de suas pulsões destrutivas pelo amparo de uma língua diferente da língua materna.
Ao introduzir um terceiro, o outro idioma, abre-se a possibilidade do esquizofrênico transferir parte de seu autoerotismo ao idioma, a esse outro, ou seja, erotizar a língua - um dos possíveis efeitos terapêuticos propiciados pela aprendizagem de outra língua e cultura.
Nessa “educação terapêutica” - o ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos, talvez haja o amor de transferência com a educadora-terapeuta (analista) como falante e porta-voz do idioma estrangeiro. Freud menciona que na relação de aprendizagem podem surgir laços emocionais, (FREUD, 1921, p. 149), laços de Eros.
É bem conhecido com que facilidade se desenvolvem desejos eróticos a partir de relações emocionais de caráter amistoso, baseadas na apreciação e na administração (...) entre professor e aluno (...). (ibid.)

Na condição erótica (de Eros), ou seja, de estar amando, como nos aponta Freud “o objeto arrasta para si uma parte da libido do ego narcisista do sujeito para si próprio”. “Trata-se de uma condição apenas para o ego e o objeto”. (FREUD, 1911, p. 153).
Então o trabalho analítico será “dissolver” a transferência e possibilitar, desta vez, que o amor se desloque para outros objetos, que o paciente esquizofrênico não mais se apaixone apenas por si, pelo idioma estrangeiro e talvez pela analista, mas que Eros – a capacidade de ligação do esquizofrênico talvez se amplie para outras pessoas e objetos do mundo.

O esquizofrênico como estrangeiro em seu próprio país
O dicionário Aurélio, na língua portuguesa, (FERREIRA 1910-1989, p. 297) define estrangeiro como “de nação diferente daquela a que se pertence, ou próprio dela”, “diz-se de país que não é o nosso”, “terra(s) estrangeira(s); o exterior”, “indivíduo estrangeiro; forasteiro, gringo”, “exótico”. Os esquizofrênicos são muitas vezes descritos socialmente e popularmente como excêntricos, exóticos, ele são considerados os forasteiros, não pertencentes à realidade comumente compartilhada pela maioria dos sujeitos neuróticos. Os esquizofrênicos são estrangeiros no seu próprio país, estranhos.
Novamente na língua portuguesa, o dicionário Aurélio (ibid.) define estranho como “fora do comum, desusado, anormal”, “que é de fora; estrangeiro; alheio”; “singular, extravagante”, “misterioso”. E estranhar como “achar estranho”, “esquivar-se de (pessoa desconhecida)”. Os comportamentos dos esquizofrênicos muitas vezes são percebidos pelo outro como fora do comum, anormais, para os quais as pessoas se esquivam, como se os sujeitos esquizofrênicos fossem seres desconhecidos, de fora, alheios. O funcionamento dos esquizofrênicos é estranho, mas também é familiar, contém elementos que são comuns a todo ser humano. É misterioso, singular e extravagante.

A língua espanhola como estranha e familiar
A língua estrangeira escolhida como objeto de ensino terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos será a língua espanhola que por ser estrangeira é estranha, e ao mesmo tempo familiar por sua similaridade com a língua portuguesa e a origem comum do latim.
Na língua espanhola o verbo extrañar significa em português “deportar, exilar”, “estranhar, admirar-se”, “sentir falta ou saudade de alguém ou de algo”, “negar-se a fazer alguma coisa” (PEREIRA, 2002, p. 169). Certamente os esquizofrênicos causam estranheza à sociedade e historicamente, muitas vezes, foram retirados dela e exilados em manicômios ou abandonados em hospícios, porém não queremos negar-nos a fazê-los cidadãos dignos de subjetividade e direitos como qualquer outro indivíduo. Em espanhol, extrañeza significa além de estranheza, “espanto, admiração, surpresa”, “saudade, falta de alguém ou de alguma coisa”. E para valorizar todos esses sentidos, precisamos transformar-nos ampliando nosso espanto à admiração e surpresa. Devemos admirar-nos com o diferente e respeitá-lo, sentir falta ou saudade de alguém implica querê-lo perto, junto. E sentir saudades é também ter “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa ou coisa distante ou extinta”, “pesar pela ausência de alguém que nos é querido”. (FERREIRA 1910- 1989, p. 624). O esquizofrênico também nos é semelhante e devemos considerá-lo querido não apenas quando ausente, mas em presença e liberdade.
Como estranho o esquizofrênico possui um “núcleo especial de sensibilidade”, paralelamente, como menciona Freud, o estranho, aos outros é “assustador, provoca medo e horror” (FREUD, 1919, p. 237). De acordo com o autor, “o estranho é aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito familiar”. Freud afirma também que o familiar pode tornar-se estranho e assustador. (p. 238).
Nesse texto “O estranho” (FREUD, 1919, p. 238), acima citado, Freud nos informa que sua investigação “começou realmente ao coligir uma série de casos individuais, e só foi confirmada mais tarde por um exame do uso linguístico”.
A palavra alemã ‘unheimlich’ é obviamente o oposto de ‘heimlich’ [doméstica], ‘heimisch’ [nativo] – o oposto do que é familiar; e somos tentados a concluir que aquilo que é ‘estranho’ é assustador precisamente porque não é conhecido e familiar. Naturalmente, contudo, nem tudo o que é novo e não familiar é assustador; a relação não pode ser invertida. Só podemos dizer que aquilo que é novo pode tornar-se facilmente assustador e estranho; algumas novidades são assustadoras, mas de modo algum todas elas. Algo tem de ser acrescentado ao que é novo e não familiar, para torná-lo estranho. (FREUD, 1919, p. 239)
Freud opera além da equação ‘estranho’ = ‘não familiar’ e para alcançar tal objetivo volta-se para outras línguas para definir ‘estranho’
LATIM: (K. E. Georges, Deutschlateinisches Worterbuch, 1898). Um lugar estranho: locus suspectus; numa estranha hora da noite: intempesta nocte.
GREGO: (Léxicos de Rost e de Schenkl)*[6](isto é, estranho, estrangeiro).
INGLÊS: (dos dicionários de Lucas, Bellows, Flügel e Muret-Sanders). Uncomfortable, uneasy, gloomy, dismal, uncanny, ghastly: (of a house) haunted; (of a man) a repulsive fellow.
FRANCÊS: (Sachs-Villatte). Inquiétant, sinistre, lúgubre, mal à son aise.
ESPANHOL: (Toullausen, 1889). Sospechoso, de mal agüero, lúgubre, siniestro.
As línguas italiana e portuguesa parecem contentar-se com palavras que descreveríamos como circunlocuções. Em árabe e hebreu ‘estranho’ significa o mesmo que ‘demoníaco’, ‘horrível’. (ibid.)
Então, Freud retorna aos termos alemães e após extensa consideração conclui
O que mais nos interessa nesse longo excerto é descobrir que entre os seus diferentes matizes de significado a palavra ‘heimlich’ exibe um que é idêntico ao seu oposto, ‘unheimlich’. Assim o que é heimlich vem a ser unheimlich. (FREUD, 1919, p. 242).
Isso significa que “o que é familiar e agradável” é também estranho - “o que está oculto e se mantém fora da vista”. (p. 243).
Dessa forma, heimlich é uma palavra cujo significado se desenvolve na direção da ambivalência, até que finalmente coincide com o seu oposto, unheimlich. Unheimlich é, de um modo ou de outro, uma subespécie de heimlich. (...) se continuarmos a examinar exemplos individuais de estranheza, essas sugestões tornar-se-ão inteligíveis a nós. (FREUD, 1919, p. 244).
Com essa análise, Freud nos esclarece que o que é estranho é também familiar. Assim, as manifestações esquizofrênicas fazem parte dessa lógica.
não devemos estar observando o produto da imaginação de um louco, por trás da qual nós, com a superioridade das mentes racionais, estamos aptos a detectar a sensata verdade; e ainda assim, esse conhecimento não diminui em nada a impressão de estranheza. (FREUD, 1919, p. 248).
Reconhecer a verdade por trás da expressão esquizofrênica, e nos reconhecermos no esquizofrênico, apesar de não diminuir a estranheza diante de nós, faz que esses sujeitos não sejam inferiores das “mentes racionais”, e transforma o que em nós parece-nos algo familiar em algo que na realidade é estranho.
A proposta de prática clínica do ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos, inclui a possibilidade de que os pacientes envolvidos na oficina, mesmo que tenham alta médica, possam dar continuidade ao trabalho terapêutico. Dessa forma, poderá ser formado e mantido um vínculo, um estabelecimento do laço social, pois os pacientes com alta médica manterão o acesso ao hospital e ao Grupo da “Educação Terapêutica”, ou seja, com a educadora-terapeuta e com os pacientes do grupo, paralelamente ao contato social (exterior) e poderão trazer experiências que talvez beneficiem o grupo e contribuam para o tratamento.
No Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia a pesquisadora proporá a “Oficina de Educação Terapêutica” na Casa da Saúde São João de Deus, em que serão ministradas aulas terapêuticas de língua e cultura hispânicas com a participação ativa dos pacientes nos temas geradores em espanhol apresentados a seguir traduzidos e em forma esquemática.
1)    Fazendo amizades. Funções comunicativas e objetivo: Iniciar uma conversação e apresentar-se, cumprimentar informalmente, perguntar sobre dados pessoais e responde-los, expressar admiração e surpresa, despedir-se e manifestar-se como está. Aspecto terapêutico: Aproximar-se do outro e aproximar-se de si através do outro.
2)    Aproximando-se de outros países, culturas e nacionalidades. Funções comunicativas e objetivo: Aproximar-se dos países hispânicos, outras culturas e nacionalidades. Aspecto terapêutico: Reconhecimento, aceitação e respeito ao mundo do outro.
3)     Informação e relação social. Funções comunicativas e objetivo: pedir licença, cumprimentar formalmente, agradecer e devolver a cortesia. Conteúdo gramatical: Composição do nome e sobrenome e formas de tratamento (tú, vos, vosotros (as), usted). Aspecto terapêutico: estabelecimento, formação e valorização do laço social.
4)    Localização espacial e temporal. Funções comunicativas e objetivo: Dizer a data, nomear os dias da semana e os meses do ano e localizar-se geograficamente. Aspecto terapêutico: orientação espacial e temporal.
5)    Os números. Funções comunicativas e objetivo: Perguntar a idade, a altura, o peso, a massa corpórea, o número de telefone e expressar quantidades em geral. Conteúdo gramatical: Numerais (cardinais e ordinais), substantivos coletivos, apócopes, verbos em Presente do Indicativo. Aspecto terapêutico: Trabalhar as abstrações numéricas e representações da coisa.
6)    Álbum de família. Funções comunicativas e objetivo: Parentesco e descrever pessoas. Conteúdos gramaticais: Pronomes demonstrativos e possessivos. Aspecto terapêutico: descrever a si e aos outros, falar sobre si mesmo, sobre os familiares e sua relação com eles.
7)    Cuide-se. Funções comunicativas e objetivo: Conhecer as partes do corpo em espanhol. Conteúdos gramaticais: revisar pronomes demonstrativos e possessivos. Aspecto terapêutico: Tentar estabelecer uma integração do corpo em fragmentos da vivência psicótica. Enfatizar o autocuidado, a aderência ao tratamento e a importância da psicoterapia e da medicação.
8)    Hábitos do cotidiano. Funções comunicativas e objetivo: Conversar no telefone, fazer convites, expressar ações habituais. Conteúdo gramatical: As horas. Construções pronominais. Aspecto terapêutico: Destacar a importância dos hábitos do dia-a-dia buscando estabelecer a regularidade e autonomia dos pacientes em suas atividades diárias.
9)    Carta. Funções comunicativas e objetivo: Correspondências e expressões usadas em cartas (cumprimentos, despedidas, etc.). Conteúdos gramaticais: Pretérito Indefinido, verbos regulares (visitar, comer, sair) e irregulares (pedir, dormir, andar, estar, ter, fazer, trazer, poder, querer, saber, dizer, vir). Aspecto terapêutico: Expressar sentimentos e ações por meio da escrita. Estabelecer relação a distancia. (Fim da Primeira Unidade).
10) (Segunda Unidade). Email. Funções comunicativas e objetivo: Comunicação virtual. Conteúdo gramatical: Expressões usadas em e-mails (formais e informais). Aspecto terapêutico: Estabelecer e manter contato social virtual fortalecendo as relações.
11) Personalidades. Funções comunicativas e objetivo: Trabalhar brevemente a história e sociedade. Pessoas famosas e comuns. Relatar fatos. Perguntar e responder a alguém se sabe sobre algo. Manifestar curiosidade. Conteúdo gramatical: Verbos usados para expressar fatos passados. Pretérito Indefinido. Acentuação gráfica (3ª pessoa do plural). Aspecto terapêutico: Falar sobre si, sobre os seus conhecimentos e compartilhá-los com os outros pacientes e escutá-los ao se expressarem.
12) Pedir em um restaurante. Funções comunicativas e objetivo: nomear alimentos e ingredientes culinários. Tocar, ver, falar sobre e comer alimentos, ou seja, despertar os sentidos da visão, tato, audição, paladar e olfato para aprendizagem. Conteúdo gramatical: O Imperativo (Trabalhar com receitas culinárias). Aspecto terapêutico: Por meio do Imperativo, introduzir a ordem das coisas. Desenvolver autonomia preparando a própria comida.
13) Planos para o futuro. Funções comunicativas e objetivo: Expressar planos para o futuro, argumentar, indicar impossibilidade, dificuldade e inutilidade. Convidar a alguém, aceitar e recusar um convite. Dar a opinião. Conteúdos gramaticais: Formas do futuro (Futuro Simples e ir+a+infinitivo). Aspecto terapêutico: Autoexpressão respeito às expressões do outro, construção de planos e projetos futuros, liberdade para convidar, aceitar e negar convites. (Fim do Primeiro Estágio do Curso) AVALIAÇÃO DO TRABALHO REALIZADO.
Nos procedimentos serão desenvolvidos jogos lúdicos e dinâmicas de grupos para trabalhar os conteúdos com os pacientes. Serão utilizadas também músicas, poesias, textos literários e notícias de jornais como atividades extras. Além disso, para a elaboração de cada tema gerador pretende-se fundamentar teoricamente a prática adotada.
































Referências bibliográficas

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FREUD, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (1909). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 10, p. 97
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FREUD, S. Luto e melancolia (1917 [1915]). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 14, p. 255
FREUD, S. Neurose e psicose (1924 [1923]). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 19, p. 168-170.
FREUD, S. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia (dementia paranoides) (1911). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 12, p. 84.
FREUD, S. O estranho. (1919). In: Edição standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud - Rio de Janeiro: Imago, 1996. v.  17.
FREUD, S. O Inconsciente (1915). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 14, p. 201, 208
FREUD, S. O interesse científico da psicanálise (1913). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006, v.13, p. 176, 180.
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FREUD, S. Sobre o Narcisismo: Uma Introdução (1914). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 14, p. 82, 93
FREUD, S. Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1917 [1915]). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 14, p. 235-6
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 7, p.170
FREUD, S. Um estudo autobiográfico (1925 [1924]). In: Edição standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 20, p. 63
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ANEXOS

Relatório do Estágio em Psicopatologia Fundamental

Estágio pela Associação de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental - AUPPF
Aluna estagiária: Aline Silva da Costa do Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Supervisores: Manoel Tosta Berlinck e Ana Cecília Magtaz

São Paulo, 31 de dezembro de 2012.
O estágio remunerado em Psicopatologia Fundamental foi realizado no período de fevereiro de 2012 a agosto de 2012 sob a supervisão de Manoel Tosta Berlinck e Ana Cecília Magtaz.
O estágio consistiu em atividades, como assistente, na organização do V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental - 2012 e as atualizações dos sites www.psicopatologiafundamental.org e www.fundamentalpsycophatology.org.
Quanto à organização como assistente dos Congressos, as atividades desenvolvidas foram referentes às Conferências, Simpósios, Mesas Redondas Seminários Clínicos e Pôsteres em que os resumos e artigos conforme recebidos dos autores foram acrescentados e organizados nos sites. Também auxiliei na organização do programa e da grade horária dos Congressos com ajuda prática e sugestões. Além disso, entre outras coisas, realizei uma tradução de um texto da língua portuguesa para a língua espanhola.
 As atualizações dos sites do Laboratório de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (www.psicopatologiafundamental.org) e da Associação de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (www.fundamentalpsychopathology.org) basearam-se na transferência de todos os conteúdos dos sites antigos para as matrizes dos novos e atuais sites.
O V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental – 2012 foi realizado em Fortaleza de 6 a 9 de setembro de 2012 e pude, apesar dos imprevistos, presenciar e participar com êxito apresentando meu Pôster sob o título Esquizofrenia como pathos e tratamento clínico em Freud.
O estágio contribuiu para minha aprendizagem e familiaridade com as produções e literaturas da Psicopatologia Fundamental, da Psicopatologia Geral, da Psicopatologia Fenomenológica, da Psiquiatria, da Psicologia, da Psicanálise e das tecnologias e habilidades informáticas, apenas para citar algumas.
A experiência do estágio acrescentou ao meu projeto de Iniciação Científica “Esquizofrenia e laço Social em Freud” bases teóricas, questões pertinentes a serem pensadas e pesquisadas, além de amplitude, desejo e posterior aprofundamento em diversos outros temas.
No entanto, o maior benefício foi não apenas o crescimento acadêmico, mas também o grande crescimento pessoal, ao qual tenho muito a agradecer aos supervisores Manoel Tosta Berlinck e Ana Cecília Magtaz, aos presidentes do Congresso e suas esposas, aos autores dos trabalhos e participantes, bem como às outras duas assistentes da organização e aos membros do Laboratório e da Associação pelo sucesso do evento e pelo resultado final de todo o trabalho conjunto.



















           


[1] http://www.lugardevida.com.br acessado em 02/12/2012 às 12h10
[3] HERNNAM, M. C. Acompanhamento terapêutico, sua criação em uma montagem institucional de tratamento e as ofertas de laço social. Estilos clin. vol.15 no.1 São Paulo jun. 2010.

[4] GAVIOLI, C. A. Reflexões acerca do tratamento e escolarização de crianças psicóticas. An 6 Col. LEPSI IP/FE-USP 2006.

[5] http://www.casadesaudesaojoaodedeus.org.br
[6] Omitimos a palavra original do alfabeto grego