PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
FACHS - FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA CLÍNICA
LABORATÓRIO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
Esquizofrenia e laço social em Freud
Relatório
Final
Orientanda:
Aline Silva da Costa
Curso de
Psicologia
Orientador: Dr.
Prof. Manoel Tosta Berlinck
São Paulo - 2013
|
NOTA PRÉVIA
Relatório
científico de Pesquisa de Iniciação Científica aprovada pelo Conselho de Ensino
e Pesquisa da PUC-SP, subsidiado pelo PIBIC-CNPq e desenvolvido no período de
agosto de 2012 a julho de 2013.
Resumo: O
objetivo desta pesquisa é analisar a relação do sujeito esquizofrênico com o
laço social a partir de um levantamento bibliográfico, propondo uma reflexão da
condição humana nessa psicopatologia. Será considerado o contexto histórico da
esquizofrenia. Também será realizada uma interlocução entre a Psicopatologia
Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana a respeito da esquizofrenia. Soma-se à
pesquisa uma breve experiência clínica de atendimento voluntário a pacientes
psicóticos num grupo terapêutico de reflexão em que, em conclusão, para atender
a demanda de alguns pacientes, bem como uma possibilidade de estabelecimento de
vínculo, laço social com o esquizofrênico, segundo uma perspectiva freudiana,
será apresentada uma proposta de intervenção clínica em “educação terapêutica”
através do ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no
tratamento de pacientes esquizofrênicos em um hospital psiquiátrico, refletindo
sobre a introdução de outro idioma - a língua espanhola - como terceiro na
relação sujeito esquizofrênico - língua materna. As principais contribuições
serão as de Freud, da Psicanálise, da Psicopatologia Fundamental, da Psiquiatria
e da Psicopatologia Fenomenológica.
Palavras-Chave: Esquizofrenia, Psicanálise,
Psicopatologia Fundamental, Psicopatologia Fenomenológica, Língua Estrangeira.
7.00.00.00-0 – CIÊNCIAS HUMANAS
7.07.00.00-1 – Psicologia
Sumário
Resumo
.............................................................................................................
3
Primeira
Parte - Relatório de atividades ............................................................
5
Segunda Parte
- Relatório Científico ................................................................29
Introdução
.........................................................................................................29
Objetivos
...........................................................................................................31
Metodologia
......................................................................................................31
A
evolução histórica do conceito de esquizofrenia e demência precoce .........32
Tratamento da esquizofrenia – uma possibilidade de laço?
............................44
Esquizofrenia
e demência precoce em Freud ..................................................48
O diálogo
entre as Psicopatologias sobre a esquizofrenia ...............................55
Esquizofrenia
e laço social ...............................................................................63
Esquizofrenia
e laço social em Freud
...............................................................69
Tratamento
da esquizofrenia - uma proposta de intervenção clínica com pressupostos
freudianos ........................
..........................................................81
Conclusão
.........................................................................................................82
O ensino
de língua estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes
esquizofrênicos
.................................................................................82
Referências
bibliográficas .................................................................................90
Anexos
..............................................................................................................94
Relatório do Estágio em Psicopatologia Fundamental ....................................94
Cronograma da Monitoria de Psicanálise em Freud
.......................................96
Pôster: Esquizofrenia como pathos
e tratamento clínico em Freud ................98
Primeira Parte: Relatório de Atividades
Os primórdios da concepção desse projeto de
pesquisa surgiram no 2º ano (4º semestre) do curso de Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, quando o professor Manoel Tosta Berlinck
apresentou aos alunos da graduação uma palestra sobre Pesquisa em Psicanálise a
convite do professor Marcelo Sodelli da disciplina de Modelos de Investigação.
Posteriormente,
a pesquisadora comunicou o interesse em realizar a Iniciação Científica com o professor
Manoel Tosta Berlinck como orientador da pesquisa. Após a delimitação do tema
de pesquisa (Psicose) e mais especificamente Esquizofrenia, a pesquisadora direcionou
sua escolha às disciplinas eletivas da Faculdade, cursou “Psicose: uma herança
Psíquica?” lecionada pelo professor Hemir Baricão no primeiro semestre de 2012 e
“Psicose em Freud e Winnicotti” lecionada pelas professoras Chu Regina
Cavalcanti e Paula Perón no segundo semestre de 2012. E também “Pesquisa em
Psicanálise” disciplina ministrada pela professora Elisa Cintra também no sexto
período.
Nessas disciplinas
foram realizadas várias leituras sob o referencial psicanalítico e elaborados
trabalhos específicos para as avaliações dessas matérias que muito contribuíram
para a ampliação do tema da pesquisa.
A presença e o
contato com o professor orientador Manoel Tosta Berlinck foi semanal.
Quinzenalmente, a pesquisadora participou do Laboratório de Psicopatologia
Fundamental às quintas-feiras das 9h00 às 12h00. O professor orientador, a pesquisadora
e os membros do Laboratório compartilhavam comentários das pesquisas, lidas com
antecedência, e ofereciam também possíveis indicações bibliográficas.
Alternavam-se às
aulas do Laboratório, quinzenalmente, os seminários ministrados pelo professor
Manoel Tosta Berlinck. O primeiro seminário assistido pela aluna foi sobre O
método Clínico no 2º semestre de 2011.
Nesse curso, o
professor Manoel Tosta Berlinck deu orientações pertinentes que foram úteis à
pesquisadora posteriormente. Por exemplo, mencionou que o pensar é para depois
da clínica. Na clínica, o que precisa prevalecer é o devanear, o sonhar, o que
brota. Pois, a clínica voltada para o pensamento afasta-se da psicanálise.
Não obstante, o
professor destaca a importância da pesquisa e da reflexão ao dizer que apesar
de a clínica ser de uma realidade, e a escrita de outra, a escrita tenta dar um
sentido racional ao trabalho da clínica, que é inapreensível.
A continuidade
da clínica e a escrita transforma a vivência em uma experiência, o clínico
compartilha consigo mesmo a partir da escrita aquilo que foi vivido na clínica.
Coloca em palavras o vivido. E deve escrever sobre uma questão enigmática.
A clínica é um
trabalho que tanto o clínico quanto o paciente pagam, o clínico faz um esforço
penoso e o paciente também precisa se esforçar. O professor disse ainda que o
trabalho psíquico é um esforço penoso, mesmo o sonho é uma loucura, como diz
Freud é uma psicose controlada. Há pessoas que sonham de olhos abertos, isso é
crise. Na crise, a mudança na imagem corporal altera as identificações. De
repente, a identidade deixa de ser.
No filme “Uma
Mente Brilhante”, o professor comenta que o personagem se dá conta que
enlouqueceu quando percebe que a menina (alucinada) não envelhece. Ele consegue
estabelecer distância. A dissolução da transferência é a distância que se estabelece
entre eu e o outro.
Segundo o
professor, a identificação é uma dinâmica interminável. E a sanidade é a
capacidade de não ficar consumido pela identificação e deslocar dos objetos. È
possível, mesmo em caso de psicose, estabelecer relações objetais. E a livre
associação permite outros objetos de amor.
Essas
comunicações foram relevantes para a pesquisadora especialmente porque durante
o período da pesquisa, ela realizou um trabalho clínico voluntário de
atendimento a pacientes psicóticos em uma Casa de Saúde, que será relatado
posteriormente, e esta experiência acrescentou ricas reflexões à pesquisa, e
foram aplicadas tais valiosas informações dessas aulas.
As
considerações sobre Melancolia e Mania foram realizadas no 1º semestre de 2012 com
continuidade no 2º semestre de 2012 e abarcaram temas psicanalíticos como a Perda,
Narcisismo Primitivo, a Concepção Psíquica e o Infantil e no 1º semestre de
2013 considerou-se a Neurose Obsessiva.
As orientações
específicas do professor Manoel Tosta Berlinck à pesquisadora após o início do
projeto foram, primeiramente, iniciar o trabalho de reunir o que ela chamou de “Compilado
das Obras de Freud”, que consistiu em buscar no índice remissivo de todos os 24
volumes das obras de Freud, as palavras esquizofrenia, melancolia, mania,
paranoia e psicose, e digitar arquivando em pastas todo o conteúdo.
A
seguinte orientação foi iniciar a escrita sobre esquizofrenia. Ao passo que a pesquisadora
contextualizou historicamente o conceito de esquizofrenia e fez um esboço sobre
o diálogo entre a Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana, o
professor disse ter lido o texto e ter ficado feliz com ele. Acrescentou que no
texto, a pesquisadora avançou e a pesquisa é sempre um avanço paulatino em
direção à compreensão de um fenômeno. Então propôs que ela continuasse a
trabalhar nos textos de Freud.
Além
disso, o professor destacou que seria muito interessante se a pesquisadora
investigasse o conceito de dementia praecox e esquizofrenia em Kraepelin
e em Kurt Schneider. Depois disso, seria muito importante pesquisar um pouco
mais de Eugen Bleuler, que foi um clínico fantástico.
Disse
também que o capítulo sobre a esquizofrenia na psiquiatria fenomenológica poderia
ficar para mais tarde. Mas, ele seria importante.
Para
tudo isso, o professor disse que seria interessante ir a esses autores e deixar
de lado, agora, os manuais de psiquiatria, que são muito úteis para dar um
panorama.
Em uma
orientação posterior, o professor sugeriu a leitura do livro de German E.
Berrios e Roy Poter. Uma história da
Psiquiatria Clínica - II. As psicoses funcionais. São Paulo:
Escuta, 2012.
No 1º semestre
de 2013, a pesquisadora escreveu seu projeto para o Trabalho de Conclusão do
Curso de Psicologia com o tema “O ensino de língua e cultura estrangeira como
recurso terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos” que será uma
continuidade teórica e prática das considerações trabalhadas paralelamente
nessa pesquisa de Iniciação Científica.
As orientações
do professor, as investigações da pesquisadora e as atividades
acadêmico-culturais contribuíram muito para a construção da presente pesquisa.
E outra
atividade de grande importância foi o estágio em Psicopatologia Fundamental
realizado entre fevereiro e agosto de 2012, cujos trabalhos principais foram: a
organização do V Congresso Internacional
de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia
Fundamental - 2012 e as atualizações dos sites Laboratório de
Psicopatologia Fundamental www.psicopatologiafundamental.org e da Associação
de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental www.fundamentalpsycophatology.org.
(Relatório em anexo).
Tal estágio por
ser remunerado forneceu a possibilidade financeira para a presença da
pesquisadora nos Congressos, o que consequentemente, contribuiu para a produção
dessa pesquisa.
A presença da pesquisadora
no V Congresso Internacional de
Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia
Fundamental – 2012 e participação com a apresentação do Pôster Esquizofrenia como pathos e tratamento clínico em Freud
(publicado nos Anais do Congresso e em anexo), envolveu uma pesquisa prévia com
leitura de textos de Freud, da psicanálise, teses e dissertações, bem como
artigos da Revista Latinoamericana de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Nesse
Congresso cujo tema: Dietética Corpo
Pathos, a pesquisadora pode apreciar várias apresentações, algumas dessas,
relacionadas a seu tema de pesquisa.
Outra
Conferência relevante para a presente pesquisa foi a palestra de Gabriel
Lombardi, com o tema “Delírio, discurso e verdade: o sujeito psicótico e o laço
social” proferida em espanhol no dia
01/11/2012 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Nessa palestra,
o conferencista afirmou que podemos falar não somente em pacientes psicóticos,
com também em analisantes psicóticos.
Citando “O
Seminário V” de Lacan, o palestrante mencionou que nesse texto, o autor
descreve a ruptura dos laços sociais por meio da passagem ao ato, seja o ato
suicida, o crime ou a fuga. Destacou que para Lacan, nesses casos, rompem-se as
cadeias borromeanas do laço social, ou melhor, do nó social, do laço com o
desejo do outro.
Então, quando um
psicótico chega à ruptura do laço, como pode ter e buscar laço com o analista?
Como se demanda a busca pela análise?
Após descrever e
explicar o famoso esquema de Lacan sobre o discurso do amo, Gabriel Lombardi
apontou que há quatro formas fundamentais de laço e mencionou seu livro Delírio y lazo social.
De acordo com o
conferencista, o amo ocupa o lugar de prestígio, da ordem. O amo identifica-se
com a demanda, “governa” sobre o escravo que obedece. No capitalismo, o amo
apreende o saber das máquinas e que, consequentemente, os escravos que vendem
sua força de trabalho podem ser substituídos. Outra das formas de laço social,
a partir de Freud, mencionada pelo palestrante, é o sintoma histérico, o laço
social histérico.
Citando “O
Seminário III”, de Lacan, Gabriel
Lombardi diz que na psicose é melhor não interpretar. Pois, com o psicótico o
analista não pode brincar com as interpretações e fazer um jogo com o que lhe
ocorre a partir do que diz o paciente, porque, segundo o palestrante, o
psicótico não possui a metáfora paterna como princípio da linguagem. E isso
poderia irromper uma passagem ao ato.
Nesse sentido, a
atitude do analista em relação ao analisante deve ser de estrita submissão,
deve haver uma destituição subjetiva do analista, sair da posição de divisão.
O palestrante
mostrou um esquema em que, basicamente, em comparação com a perversão e a
neurose, na psicose o grau de referência ao pai é consideravelmente menor,
porém, em relação às essas outras estruturas subjetivas a psicose não é tão
deficitária assim, pois nela, de acordo com Gabriel Lombardi, o grau de
liberdade é maior.
O palestrante
destaca que ao passo que o paciente apenas padece, o psicótico é também ativo,
agente do discurso. E ao analista cabe escutar o diálogo amoroso, psicotizado
desse paciente em que a alienação consiste na eliminação do outro.
Quanto à
transferência, Gabriel Lombardi menciona que existe e é plena. E acrescenta que
o psicótico tem liberdade, o que não significa que não se possa voltar aos
laços sociais.
Em seu discurso,
o palestrante chamou de próteses sociais as tentativas de restabelecer laços
sociais por meio, por exemplo, da musicoterapia nos casos de psicose.
Quanto ao
movimento antimanicomial e ao excesso de medicação, Gabriel Lombardi afirma que
em substituição à camisa de força, há a camisa química, que pode ter o efeito
de manicômio químico pessoal.
Gabriel Lombardi
mencionou também a necessidade de incluir a foraclusão. E não pensar apenas na
realidade compartilhada, pois a realidade do psicótico é mais forte. Mencionou
que no texto “Psicologia das massas”, Freud aprofunda a questão dos laços
sociais.
Acrescentando
que na análise, há um lugar para o delírio, o palestrante afirmou que é
necessário escutar sem julgar, ou seja, que não temos o direito de dizer o que não
é realidade, pois devemos ser respeitosos, porque não somos os amos da
realidade.
A palestra
encerrou-se com a discussão da possibilidade de passe para que psicóticos
possam ser analistas, e destacou que é necessário deixar de lado os
preconceitos. E que em uma sociedade que o perverso não esconde sua perversão,
o psicótico não deve precisar esconder sua psicose.
Nessa palestra acima citada, a pesquisadora
encontrou-se com a psicóloga Silvana Rabello, uma das palestrantes que esteve
presente nos Congressos já mencionados, e a pesquisadora manifestou seu
interesse em participar de alguns encontros, reflexões e discussões de casos do
Espaço Palavra que é um Laboratório na PUC-SP em que os psicólogos atendem
crianças, adolescentes e adultos com estrutura psíquica como o autismo e a
psicose.
Após a
autorização de Silvana Rabello, a pesquisadora participou dos encontros com o
compromisso de manter sigilo como postura ética. Participar desse lugar em que
se dá espaço para a palavra do paciente através do clínico que o atende foi uma
experiência muito importante, pois, contribuiu para o contato com casos vivos,
reais, em que se pode sentir a vivência clínica mais próxima.
A pesquisadora
também participou da assistência do Simpósio “Esquizofrenia como eu diagnostico
e trato” realizado no dia 24/11/2012
no Anfiteatro do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas FMUSP, uma
realização do Programa Esquizofrenia – PROJESQ IPQ HC FMUSP e do CEIP – Centro
de Estudos do Instituto de Psiquiatria.
Na comissão
organizadora estavam Hélio Elkis e Mario Louzã, autores que a presente pesquisa
fará posteriores referências bibliográficas.
Na Mesa 1: “Pródromo
e 1º Episódio”, com o subtítulo “Período prodrômico e identificação do primeiro
episódio psicótico” participaram o médico Pedro Gordon e as psicólogas Paula
Martins e Priscila Gonçalves.
O período
prodrômico foi chamado de “janela de oportunidades”, pois é o período em que
uma intervenção imediata pode diminuir possíveis riscos e prevenir maiores
danos que uma psicose talvez acarrete.
Os palestrantes
informaram a duração de uma psicose não tratada, que abarca um primeiro período
de episódio agudo, episódio psicótico, seguido de um segundo período, o
crítico. E definiram a síndrome de psicose atenuada que possui como característica
os delírios, as ideias deliróides e as alucinações.
No relato de um
caso clínico, os autores acrescentaram que no período prodrômico os sintomas
psicóticos estão atenuados, entre esses foram relatados que o paciente
apresentava persecutoriedade infundada, porém com crítica, alterações da
percepção do ambiente, alterações formais do pensamento e pseudoalucinações
auditivas, mas mantinha a crítica.
Após mencionarem
que havia alto risco para psicose, acrescentavam-se outros fatores como risco
genético, queda do desempenho funcional e redução do funcionamento global.
Foi destacada a
importância da identificação dos sintomas prodrômicos: evitar as quantidades e
a ocorrência de um segundo episódio psicótico.
No entanto, no
caso relatado houve um primeiro episódio que foi chamado de “Psicose Franca” em
que o paciente apresentou perda da crítica com relação às alucinações e perda
da crítica também referente às ideias de persecutoriedade e auto referência,
além de apresentar comportamento hostil.
A seguir, houve
remissão após o primeiro episódio, remissão dos sintomas, reaparecimento da
crítica, mas com persistência dos sintomas cognitivos, acrescido de um episódio
depressivo. Por fim, o paciente apresentou uma recuperação funcional, voltou às
suas atividades físicas, as sociais e apresentou um bom desempenho laboral.
Com o subtítulo “Cognição
e funcionamento social”, as psicólogas expuseram que as alterações cognitivas
estão presentes desde os sintomas prodrômicos, bem como o prejuízo funcional e
as dificuldades sociais.
As expositoras
mencionaram que para a avaliação do funcionamento social contam com os
seguintes recursos: GAF – Escala de Funcionamento Global (DSM – IV) e a PSP –
Escala de Performance Social e Pessoal (Menezes e cols. 2012) que avaliam as
atividades sociais úteis e as relações pessoais, como por exemplo, o cuidado.
Outro recurso
psicológico disponível é a Avaliação Neuropsicológica, que inclui testes que
avaliam a organização cerebral, particular de cada paciente, medem-se as
funções cognitivas, executivas (relacionadas ao planejamento), os processos
atencionais, a praxia construtiva, a linguagem e os processos mnêmicos.
Traçou-se o
panorama do atendimento na rede pública, destacando as intervenções
economicamente viáveis, que os testes não padronizados são limitadores e que os
Centros de saúde inserem a rotina de avaliação neuropsicológica. Também se deu
importância à habilitação.
Sob o tópico “Prevenção
de recaída após o 1º episódio psicótico: orientação familiar”, as autoras
disseram que as recaídas interferem no funcionamento social e vocacional. Como
fatores de risco de sintomas psicóticos apontaram a medicação, a dependência de
substâncias e as críticas de cuidadores ou “emoção expressa”.
As técnicas de
prevenção consideradas foram a psicoeducação, a orientação familiar, as
estratégias cognitivo-comportamentais e planos individualizados para
gerenciamento de crises.
Destacou-se
quanto à orientação familiar e à psicoeducação, a importância de explicar o que
é a doença, qual seu curso e expectativas, bem como entender como se dá o
relacionamento familiar e a perplexidade da família e orientá-la que, em geral,
a doença tem curso crônico, mas, pode ocorrer remissão completa ou parcial dos
sintomas com o tratamento medicamentoso, o que pode significar um melhor
prognóstico.
Tratar o
paciente inclui o acolhimento das angústias do cuidador, e também os
sentimentos de raiva, frustração e culpa, enfatizando que é necessário
respeitar as limitações iniciais, mas sempre promovendo estimulação para o
retorno das possibilidades e habilidades do paciente.
Como benefícios
da orientação familiar, mencionou-se o aumento da adesão ao tratamento e a
melhor capacidade de enfrentar as situações cotidianas.
Sob o tema “Tratamento”,
Mario Lousã apontou dois objetivos: timing
e qualidade. Quanto ao primeiro, refere-se à redução do tempo em iniciar o
tratamento, e o segundo, à provisão de um tratamento abrangente.
O palestrante
mencionou que se busca o máximo efeito terapêutico com mínimo efeito colateral.
Advertiu que no início do tratamento, os médicos devem prescrever baixa dose de
antipsicóticos, com aumento lento e gradual, se houver agitação administrar
também um benzodiazepínico.
Orientou os
médicos ainda que se a resposta for suficiente, eles devem verificar as razões,
se for insuficiente, devem optar pela clozapina. Acrescentou que a medicação
injetável de longa ação é prescrita em caso de má adesão ao tratamento. E por
fim, afirmou que se o paciente não responde a dois antipsicóticos é refratário.
Ainda na Mesa 1,
sob o tópico “Abordagens psicossociais”, mencionou-se a importância do
tratamento no “período crítico” com fármacos e as intervenções psicossociais.
Foi acrescentado
que o fim da adolescência e início da idade adulta marca um período em que, geralmente,
ocorre a eclosão de vários quadros psiquiátricos inclusive a esquizofrenia.
Destacou-se
também que o efeito colateral da medicação pode ser a lentificação ou apatia –
sintomas negativos.
Na Mesa 2: “Múltiplos
episódios e pacientes não aderentes, recaídas e seu manejo”, Vivian Hirode
explicou que embora não haja consenso no conceito de recaída para a
esquizofrenia, é importante evitar as pioras sintomáticas. E destacou que é
importante a prevenção, pois as recaídas são cerebrotóxicas, proporcionam diminuição
do grau e duração de remissão, piora do funcionamento, e desenvolvimento da
refratariedade, além de ser sociotóxica, ou seja, ocasionam perda de integração
social e vocacional.
A psiquiatra
citou como fatores não modificáveis do paciente que contribuem ao mal
prognóstico ser homem, solteiro e possuir deficiência intelectual. Quanto aos
modificáveis que indicam comorbidade, ela mencionou o abuso de drogas,
transtorno de humor e as dificuldades familiares e sociais. O tratamento
apontado pela médica é o farmacocinético associado a um programa de
reabilitação.
Quanto ao curso
natural da esquizofrenia, a palestrante mencionou a exarcebação, baixa adesão
ao tratamento, negação da doença, prejuízo no insight, disfunção sexual,
sintomas extrapiramidais e discinesia tardia.
Referente aos
fatores psicossociais, a médica citou a falta de suporte social, família
ausente ou “desestruturada”, ambiente desfavorável, desemprego, rede de apoio
reduzido, uso de substâncias e preconceitos.
Ao destacar os
objetivos do tratamento a psiquiatra mencionou a melhora da qualidade de vida e
a reinserção na sociedade e que o tratamento farmacológico é contínuo e os
antipsicóticos atípicos devem ser administrados sempre que possível.
Sob o tema “Manejo
da falta de adesão ao tratamento”, o psiquiatra Ivson Tassell disse que apesar
de demandar tempo, deve-se fazer a contagem da medicação e a dosagem do nível
sérico. A opção então é a medicação de depósito, melhoram a adesão e promovem
menor flutuação do nível. Porém, a desvantagem é que os pacientes não gostam de
tomar injeção, pois são dolorosas.
Depois a
psicóloga Elaine Di Sarno falou sobre Orientação
familiar nas recaídas e falta de adesão e mencionou que o ambiente familiar
pode representar uma sobrecarga de emoções expressas, que são críticas e
comentários com tonalidade crítica, negatividade e hostilidade.
Na Mesa 3: “Esquizofrenia
refratária e super-refratária”, sob o título “O que é esquizofrenia refratária
e como identifica-la”, a psiquiatra Belquiz Avrichir explicou que o tratamento
é refratário quando resiste a antipsicóticos que não à clozapina. Segundo a
médica, nesses pacientes é maior o número de internações e as taxas de
suicídio, apresentam uma pior qualidade de vida, maior gravidade
psicopatológica, maiores perdas cognitivas e altos custos financeiros e
sociais. Mas, é necessário checar se o paciente não é aderente ao tratamento.
Destacando a
diferença entre cronicidade e refratariedade, a palestrante mencionou que, a
primeira, relaciona-se com o tempo e a persistência dos sintomas. Quanto à
segunda, não há relação com a psicopatologia, nem com o tempo, mas com o
resultado, o paciente só responde à clozapina.
Com o tema “Como
tratar a esquizofrenia refratária”, a médica psiquiatra Monica Kayo mencionou o
IPAP que é o Algoritmo para o tratamento da esquizofrenia. Acrescentou que os
quatro principais fármacos utilizados no tratamento da esquizofrenia são:
amisulprida, olanzapina, clozapina ou ziprazidona. A médica explicou que a
remissão ocorre quando é mantida a sintomatologia em nível leve e com bom
funcionamento.
Sobre a
clozapina, explicou que foi descoberta em 1958 e comercializada em 1970, mas
que foi interrompida devido a mortes por glanulocitose. E que mesmo os
antipsicóticos de 2ª geração todos são bloqueadores D2, mas nenhum possui a
eficácia da clozapina.
A olanzapina e a
clozapina apresentam maiores riscos metabólicos, como a irrupção de diabetes. A
médica advertiu que se deve evitar a retirada da clozapina, pois pode resultar
no rebote colinérgico – náusea, diarreia, agitação e uma psicose sem volta.
Com o tema “O
que é esquizofrenia super-refratária e como tratá-la”, o palestrante Hélio Elkis disse que a clozapina mantém os
pacientes longe da internação e mencionou que a esquizofrenia super-refratária
ocorre quando há resistência ou resposta parcial ou incompleta à clozapina e
citou seu livro Therapy – resistent
schizophenia.
Também reforçou
que não se deve suspender a clozapina devido ao risco de psicose por rebote
colinérgico. E se não houver melhora o médico deve associar ECT
(eletroconvulsioterapia) ou CMT com TCC (Terapia Cognitivo Comportamental).
Na Mesa 4: “Papel
das intervenções psicossociais na reabilitação e reintegração”, com o tema Terapia ocupacional, a terapeuta Adriana
Vizzotto, mencionou atividades do cotidiano na reabilitação de pacientes
esquizofrênicos. Com esquizofrênicos refratários atividades
cognitivo-funcional, higiene e autocuidados e atividades básicas e
instrumentais de vida diária.
Foram citadas
pela terapeuta métodos de treino de habilidades como aprender a estabelecer e
alcançar metas, as realizações de tarefas e monitoração dessas com fichas
avaliadoras do funcionamento executivo que dizem: pare e pense – defina as
metas – planeje – execute – avalie, fichas que trabalham a iniciativa, a
persistência, o sequenciamento e o monitoramento.
Com o tema “Reabilitação
Cognitiva”, a psicóloga Marisa Crivelano citou de acordo com Kraepelin, que na
esquizofrenia pode haver prejuízos cognitivos e esse serviço de psicologia se
propõe a oferecer a reabilitação cognitiva, às vezes por meio de softwares ou métodos de repetição com
treinos de cálculos.
Outra psicóloga
Graça Maria R. de Oliveira discursou sobre o tema “Treinamento de habilidades
sociais”, destacando a importância da socialização no desenvolvimento da
criança. Mencionou também que os comportamentos que emitimos quando estamos em
relação influenciam nossos sentimentos, atitudes, desejos e opiniões ou
direitos individuais.
A psicóloga
destacou a importância de impor-se em situações sociais defendendo seus
próprios interesses, o que favorece a construção de relacionamentos e a
necessidade de ser capaz de dizer não.
E apresentou técnicas e conceitos da TCC – Terapia Cognitivo Comportamental.
E mais
especificamente sob o título “Terapia Cognitivo Comportamental”, a psicóloga
Isabel Napolitano, apresentou um relato de caso com filmagem da paciente e
técnicas dessa abordagem psicológica.
Na palestra de “Encerramento”,
os psiquiatras Mário Louzã e Hélio Elkis enfatizaram a importância de um tratamento
com identificação precoce da psicopatologia, tratar o 1º episódio rigorosamente
pela “janela de oportunidades”.
Aos médicos foi
destacado que é necessário introduzir a clozapina rapidamente, evitar
politerapia, ou seja, polifarmácia de antipsicóticos. Propiciar um tratamento
de manutenção contínuo, sem a interrupção do antipsicótico. Estar atento à
adesão do paciente. Utilizar antipsicóticos injetáveis de longa ação. Cuidar
das comorbidades físicas e mentais e dos efeitos colaterais dos medicamentos,
bem como da depressão e possível uso de drogas.
Os palestrantes
finalizaram o Simpósio destacando que se devem utilizar todos os recursos e
abordagens psicossociais e manter uma postura otimista cautelosa perante o
paciente e sua família e assim evitar que ocorram as “profecias
autorrealizadoras”.
A assistência a
esse Simpósio agregou preciosas informações médicas e técnicas. No entanto,
mostrou a ausência, ou melhor, inexistência de um psiquismo na psicopatologia
ainda que também psiquiátrica.
Ainda outra
atividade importante para a presente pesquisa foi uma visita da pesquisadora à
Instituição Lugar de Vida.
O Lugar de Vida é um Centro de Educação Terapêutica que atende crianças
e adolescentes com problemas psíquicos, entre esses os Transtornos Globais do
Desenvolvimento (autismo e psicoses infantis) e atua no tratamento e
acompanhamento escolar desses sujeitos.
A instituição Lugar de Vida[1]
iniciou suas atividades em 1990 como serviço do Departamento de Psicologia da
Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade do Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo (PSA-IPUSP). Fundado por Maria Cristina M. Kupfer,
docente daquele departamento, e dirigido também naquela ocasião por Lina G.
Martins de Oliveira e por Marize Lucila Guglielmett.
A fundadora do Lugar de Vida, Maria Cristina M. Kupfer cursou Psicologia
pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Brasil, (1974)
e mestrado e doutorado em Psicologia escolar nessa mesma instituição. Maria
Cristina M. Kupfer é editora da revista Estilos da Clínica (USP) e além de ser
autora de diversos livros e numerosos artigos publicados em revistas indexadas
é também membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia
Fundamental[2].
Inicialmente o Lugar de Vida oferecia atendimento apenas a crianças.
Após cinco anos de trabalho a partir de sua fundação passou a chamar-se
Pré-escola terapêutica Lugar de Vida, na qual se iniciou a prática da Educação
Terapêutica que tem como objetivo não apenas tratar, nem apenas treinar, mas sim,
tratar e educar.
O Lugar de Vida permaneceu na USP durante 18 anos, mas devido às
demandas de atendimento, ampliou suas atividades e atende diversas classes
socioeconômicas e diferentes tipos de sofrimentos psíquicos.
Entre os tratamentos oferecidos pela Clínica do Lugar de Vida estão os
Grupos de Educação Terapêutica, que seguem as mesmas bases do tratamento
psicanalítico individual, porém com os princípios de que o encontro da criança
com outras crianças num grupo heterogêneo e com um foco que inclua a escrita e
os jogos, proporciona um abrangente resultado educativo e terapêutico.
Outra modalidade de atendimento oferecida pelo Lugar de Vida é o
tratamento psicanalítico individual que busca a organização ou reorganização da
imagem corporal que se encontra perturbada nos casos dos transtornos de
desenvolvimento, a instituição ou enriquecimento do mundo da fantasia e do
brincar, a instituição do mundo das regras e das leis e a ordenação da relação
da criança com a linguagem e com o outro.
O Núcleo de Intervenção na Primeira Infância (NIPI) é outra criação do
Lugar de Vida e visa a Intervenção Precoce atuando no acompanhamento pais-bebê,
além de fornecer assessoria a equipes que trabalham com a primeira infância
como creches, escolas, hospitais, etc.
Outra forma de atendimento que o Lugar de Vida oferece é o
Acompanhamento escolar. Segundo a visão do Lugar de Vida, a educação é uma
ferramenta terapêutica e a escola é entendida como discurso social, que oferece
à criança as leis que regem as relações entre os humanos.
Há três modalidades de acompanhamento escolar. A primeira é o
Acompanhamento à distância, uma parceria entre a escola e a instituição de
tratamento, em que o profissional do Lugar de Vida vai à escola oferece
um espaço de escuta e de interlocução com o professor e outros membros da
equipe, mas não entra na classe nem intervém diretamente com a criança.
A segunda modalidade de acompanhamento escolar é o Acompanhamento de
professores inclusivos por meio de reuniões mensais na sede do Lugar de Vida
através do Grupo Ponte, cujas reuniões são abertas e ocorrem sempre na terceira
terça-feira de cada mês. A pesquisadora teve a oportunidade de estar presente
em um desses encontros como convidada.
Tratou-se de uma reunião de professores realizada no dia 27/11/2012 sob
a direção de Maria Eugênia Pasaro e Marise Bartolozzi Bastos em que,
primeiramente, os participantes fizeram uma breve apresentação de si. Logo,
iniciou-se o relato de alguns “casos” de acompanhamento com preciosas
contribuições de comentários das dirigentes da reunião.
Considerou-se, por exemplo, que a escola, os professores e também os
alunos devem envolver a criança para que ela se envolva. Pois, talvez assim os
projetos pedagógicos tenham mais êxito, se a criança se sentir convocada a participar
e se perceber como parte integrante do grupo.
Destacou-se também que o nome inclusão já marca a existência de uma
segregação e o importante papel do Lugar de Vida como um espaço terapêutico em
que o atendimento e procedimento respeitam a individualidade e a singularidade.
Outro ponto importante é a necessidade de investimento da escola para pensar a
inclusão, ou seja, os esforços para superar preconceitos e limitações.
A inclusão surge como um caminho a ser construído com a criança, a
escola, os pais e o espaço terapêutico, pois não há uma cartilha pronta, os
desafios precisam ser lidados a partir da experiência.
Uma terceira forma de acompanhamento escolar é a parceria orgânica com a
escola, em que o profissional vai à escola com regularidade, permanece no
pátio, entra na classe, acompanha os movimentos, trabalha com a criança e ao
lado da professora quando necessário, e ao fim do dia discute com a professora
e a orientadora as experiências e práticas vividas em conjunto.
A Associação Lugar de Vida incrementou sua montagem institucional de
tratamento às psicoses infantis com a inserção do Acompanhamento Terapêutico
(AT) como dispositivo de tratamento.
Tal passo realizado pela
instituição está em conformidade com a proposta de Kupfer (2000), ao incluir no
debate sobre a educação a contribuição da psicanálise. Desse modo, a autora,
entre outras reflexões, problematiza a educação como oferta de laço social para
crianças com graves comprometimentos emocionais, a ponto, inclusive, de
sustentar uma aproximação da noção de sujeito do inconsciente frente a essa
oferta de laço, ao invés de tomar essas mesmas crianças como objeto colocado
frente ao outro. (HERNNAM, 2010)[3]
Visto que para muitas crianças e adolescentes
com grande sofrimento psíquico, a circulação pelos espaços da cidade e o
contato com outras pessoas são vividos como experiências invasivas e
ameaçadoras, faz-se necessária a construção do laço social e da inserção
social, então o AT oferece a possibilidade de estar com a criança em lugares
externos à instituição de tratamento, como a escola, parques, shoppings, ruas
ou até mesmo em casa. No entanto, a configuração do acompanhamento será
construída de acordo com os interesses, possibilidades de cada criança e do
momento em que esta se encontra.
Outro diferencial no tratamento clínico do
Lugar de Vida é o atendimento aos pais. Cada criança e sua família possuem um
profissional da equipe, chamado de “profissional referência”, que é o elo entre as questões e demandas da criança e sua família e a
construção de um projeto clínico particularizado na instituição. Há o Grupo de
pais que fazem parte de um encontro semanal em que são abordadas as circulações
discursivas sobre as crianças.
Além disso, há os Eventos temáticos e sociais que são ocasiões importantes para o encontro informal entre os pais, os
profissionais da equipe e os convidados externos à instituição em que podem
ocorrer através de palestras com temáticas diversificadas, exibição de filmes e
outras atividades culturais.
Por fim, há o atendimento fonoaudiológico às
crianças com dificuldades de fala e linguagem atendidas na instituição. O
trabalho é realizado com a montagem da cena de alimentação, e as crianças são
convidadas a participar de todo o processo, desde a escolha, a preparação dos
alimentos e seu cozimento até, finalmente, o momento de sentar-se à mesa para
compartilhar uma refeição.
Convém considerar ainda a importante posição
do analista diante do tratamento de uma criança psicótica, pois tal questão,
parece relevante quando se
considera a complexidade que a psicose infantil implica, e que na prática faz
surgir um mal entendido: analista e/ou educador? Se de um lado, está colocada a
problemática em termos da ética dos profissionais, especialmente atualizada com
a política de inclusão, de outro, está a criança que sofre e é nome dela que se
justifica tal discussão. (...) tais impasses evidenciam um mal estar. E Freud
no ensina que, diante do mal estar, a psicanálise não deve recuar. (GAVIOLI,
2006)[4]
A prática clínica renova a teoria e movimenta
um repensar, além de acrescentar novas descobertas.
Portanto a educação terapêutica pode atuar
unida ao trabalho da criança psicótica e do seu analista.
A participação
da aluna pesquisadora na assistência à palestra “Transtornos psiquiátricos na
infância e na adolescência”, no dia 07/12/2012 no Hospital das Clínicas
HCFMUSP, também foi relevante para a presente pesquisa.
O psiquiatra
Miguel Ângelo Boarati informou que os transtornos mentais atingem cerca de 20%
das crianças e adolescentes e são mais comuns na infância com relação à
adolescência. Nesse período o córtex pré-frontal está em desenvolvimento e as
influências genéticas e ambientais são fatores de pré-disposição.
O
desenvolvimento da criança envolve os aspectos físicos, cognitivos, emocionais
e sociais. E os transtornos mentais podem implicar alterações no pensamento,
nas emoções, no comportamento, nos relacionamentos e no desenvolvimento da
criança ou adolescente.
Segundo o
médico, os transtornos mentais podem resultar em retardo mental, autismo,
alterações da psicomotricidade, da linguagem e dificuldades de aprendizagem,
além de alterações no apego – capacidade de se vincular, problemas de excreção
e alimentação, hiperatividade, alterações na conduta, ansiedade e depressão.
Quanto à
avaliação e o tratamento, foi indicado que são necessários profissionais
especializados e que se deve considerar a criança e sua história, ou seja, os
pais que a criam, onde ela vive e a escola que estuda. O tratamento pode
ocorrer somente após avaliação completa e com o objetivo da remissão dos
sintomas e possibilidade do desenvolvimento potencial da criança.
Sob o título “Instituto
de psicologia e neuropsicologia”, psicólogas mencionaram a importância do
tratamento interdisciplinar e destacaram que o objetivo da avaliação
psicológica deve ser o auxílio diagnóstico, possibilidade de encaminhamento e
também descobrir habilidades e potencialidades do paciente.
O tema “Terapia
Ocupacional – Hdi”, destacou que a Terapia Ocupacional pode melhorar os
aspectos pessoais, funcionais e sociais, pois possibilita a realização de
atividades do cotidiano, como tarefas de cuidados pessoais, alimentação e
higiene, também se oferecem os Grupos de Jogos e Brincadeiras (brinquedoteca).
Esclareceu-se que o objetivo é favorecer a autonomia do paciente.
O último tema
considerado “Impacto dos transtornos mentais no aprendizado”, a professora Vanessa
R. S. Pereira mencionou que o atendimento pedagógico da Classe Hospitalar,
identifica as necessidades educacionais, as estratégias de ensino e avaliação,
mantém vínculo escolar, currículo flexibilizado, assessoria às escolas quanto à
inclusão e propicia o retorno escolar se necessário.
A professora
também apontou que muitos jovens adquirem rótulos de preguiçoso, mal educado,
etc. Destacou a importância do diálogo, do incentivo à autonomia da criança ou
do adolescente, da criação de horas de estudo, de evitar críticas negativas,
mas motivar com reforços positivos, não permitir faltas, favorecer a utilização
e orientação para uso da internet, bem como incentivar atividades culturais.
Certamente, tais
informações foram importantes para a compreensão do laço social do paciente com
a escola e a necessidade do fortalecimento desse vínculo, bem como da
elaboração da “educação terapêutica” como proposta de intervenção.
Quanto às
experiências clínicas relacionadas ao tema da pesquisa, houve a possibilidade
de realizar em maio e junho de 2012 o Estágio Básico da grade curricular da
PUCSP no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo.
Tal estágio foi
realizado na enfermaria de Ansiedade e Depressão em que se atendem desde casos de neuroses graves a psicoses, às vezes, como
precaução para a troca de medicamentos. Os residentes médicos discutiam seus casos
clínicos com um médico supervisor que os orientava e em algumas ocasiões os
residentes levavam os pacientes para entrevista.
Observar como
alguns médicos abordam e analisam o sofrimento dos pacientes tem sido uma rica experiência
que traz uma reflexão crítica. O método “objetivo” de alguns médicos com o discurso,
muitas vezes, restritamente direcionado aos aspectos físicos e químicos como,
por exemplo, sintomas e medicações, enfatiza a necessidade de um pensar sobre o
sofrimento psíquico e a importância de um tratamento que leve em conta também a
subjetividade.
E uma
experiência que concretizou tal necessidade, foi realizada pela pesquisadora no
atendimento voluntário a pacientes psicóticos em um Grupo terapêutico na Casa
de Saúde São João de Deus.
A Casa de Saúde
São João de Deus[5] pertence à
Ordem Hospitaleira que é uma Ordem Religiosa laical masculina da Igreja
Católica, fundada por São João de Deus na Espanha e aprovada canonicamente em
1572.
A Casa de Saúde
São João de Deus foi fundada no Brasil devido à necessidade, na década de 80, de
um atendimento especializado em saúde mental ao público masculino. Então, o
Cardeal e Arcebispo de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns convidou aos Irmãos da
Ordem Hospitaleira para viabilizarem o projeto.
O contato e conhecimento
da Casa de Saúde São João de Deus foram realizados através do psicólogo coordenador
do setor de Psicologia José Waldemar Thiesen Turna, que fez parte do
Laboratório de Psicopatologia Fundamental e publicou sua dissertação de
mestrado Palavras em torno do copo em
www.psicopatologiafundamental.com.br,
e havia convidado os membros do Laboratório a participarem da apresentação de paciente
na Casa de Saúde para uma discussão de caso.
Posteriormente,
a pesquisadora expressou seu desejo em estar presente na próxima apresentação
de paciente. Então, José Waldemar mencionou a possibilidade de realização do
trabalho voluntário de atendimento na Casa de Saúde.
Após uma
conversa de apresentação e contrato verbal e depois escrito, a pesquisadora
iniciou o atendimento voluntário sob a supervisão de Manoel Tosta Berlinck e
coordenação de José Waldemar Thiesen Turna.
Essa experiência,
que será relatada em um capítulo da atual pesquisa, possibilitou viabilizar um
tratamento que considera e valoriza a subjetividade, as supervisões com o
professor Manoel Tosta Berlinck e as conversas com José Waldemar Thiesen Turna proporcionam
um espaço para a reflexão da atuação clínica e formação profissional da
pesquisadora e contribui para reflexões sobre a presente pesquisa.
A pesquisadora
esteve presente na apresentação de um paciente esquizofrênico no dia
20/04/2013, na Casa de Saúde São João de Deus. E José Waldemar Thiesen Turna
esclareceu que o público está no lugar de Terceiro, não ocupa o lugar de troca
nem de participação durante a apresentação, mas fornece seu olhar como
atmosfera ao sujeito. Mencionou ainda que o lugar ocupado sem interlocução é o
lugar do delírio e que a apresentação de paciente não é demonstração.
O paciente
apresentado foi R. de 25 anos que começou dizendo que Deus é seu pai,
acrescentou que Jesus falava em parábolas e que ele (o paciente) fala em
dialetos, e sua nacionalidade revelada por Jesus é brasileira – portuguesa. E
acrescentou: “Deus me disse que eu sou o que sou” (sic).
Após mencionar,
entre outras coisas, que ele e sua mãe vivem em comunhão perfeita no espírito
santo, que seu corpo morre e que sente a morte do corpo através de uma sensação
horrível pior do que cãibra, o paciente relatou que não consegue trabalhar e
estudar e já teve cinco tentativas de suicídio. Disse também que aquele momento
em que conversava com José Waldemar era dádiva do espírito santo, um momento de
expiação, mas que ele já estava muito cansado, pois pensou muito e se despediu.
Depois da
despedida e saída do paciente, José Waldemar perguntou qual a impressão dos
analistas sobre a apresentação desse caso. As pessoas disseram que o paciente
apresenta um pensamento claro, mas que às vezes é difícil entendê-lo devido à
sua voz “pastosa”, provavelmente efeito da medicação e que lhes chamou atenção
que ele estava cansado porque pensou muito, mas que percebeu que todos estavam
cansados e esgotados.
José Waldemar
mencionou que o esforço para simbolizar é o que cansa e que na simbolização
inclui-se o simbólico, o imaginário e a realidade. Destacou, entre outras
coisas, que o delírio místico do paciente é muito complexo e relaciona-se ao
Terceiro, o pai, e o espírito santo. Acrescentou que a metáfora delirante o
explica, ele já esteve na posição de Javé (eu sou o que sou), posição do
Nome-do-pai. Esclareceu que o suporte da linguagem do paciente é o pensamento e
que ele usa o significante diferentemente do uso na neurose.
Ainda
relacionado a esse tema, José Waldemar destacou que a fala, o discurso expressa
o modo como nos servimos da linguagem para sustentar o mundo e, no caso
apresentado, o paciente é servido por dialetos – línguas mortas.
Por fim, quanto
ao laço social no caso desse paciente, José Waldemar esclarece que está
rompido, pois não há vínculo com o trabalho e o estudo.
Estar na posição
de Terceiro como expectadora e como testemunha do discurso do paciente,
permitiu à pesquisadora observar na prática a relação peculiar do
esquizofrênico com a linguagem e sua complexa relação materna, e no segundo
momento, na discussão, pode participar da troca de impressões e reflexões que
enriqueceram o encontro.
Outra atividade importante
para essa pesquisa e iniciada em fevereiro de 2013, vigente durante esse
semestre e que terá continuidade no seguinte semestre letivo, é a participação
na monitoria de Psicanálise em Freud com a professora Paula Perón.
Nessa atividade,
a pesquisadora participou com a leitura de textos de Freud, a assistência de
aulas lecionadas por diversos psicanalistas e também em atendimentos a alunos
da graduação para discussão e esclarecimentos de dúvidas sobre os textos da
grade curricular de Psicanálise em Freud I e III (cronograma da monitoria em
anexo).
Tais oportunidades
permitiram um aprofundamento nas obras de Freud que serviram de base para
pesquisar outros textos como os metapsicológicos e os relacionados às psicoses
e, mais especificamente, à esquizofrenia.
Além disso, os textos
de Freud selecionados para a monitoria suscitaram na pesquisadora perguntas
relacionadas ao tema da esquizofrenia, em que algumas foram incorporadas a esse
trabalho de pesquisa.
Ainda outra atividade
importante, desta vez cultural, realizada no dia 26/06/2013 foi uma visita ao
Museu Lasar Segall com os pacientes da Casa de Saúde São João de Deus e com
dois outros coordenadores, Ilíada e Raul e duas enfermeiras.
As educadoras do
museu Ana Luisa e Branca Helena realizaram uma conversa inicial sobre o
Museu e a trajetória de Lasar Segall. Os pacientes participaram ativamente com
perguntas e comentários. Um dos pacientes havia feito uma excelente pesquisa em um
livro de História da Arte que encontrou no Hospital e fez ótimas contribuições.
Na sequência, após a
visita à exposição Segall
Brasil 1913-2013 - 50 obras do acervo, os visitantes apreciaram
as obras livremente e foi proposta uma atividade empregando disquetes como
máquinas fotográficas cuja memória fica armazenada na mente do visitante.
Terminada esta etapa, todos
se dirigiram ao ateliê onde a proposta poética foi que as “fotografias” fossem reveladas
por meio de colagem e pintura. Todos participaram e pediram para serem
fotografados.
As
atividades foram finalizadas com a Ana Luiza elogiando muito os pacientes e
convidando-os para outra visita, no próximo semestre quando o museu organizará uma
nova exposição. Também, o Museu presenteou o Hospital com dois livros sobre o
artista e um quebra-cabeça que reproduz a pintura "Navio de
Emigrantes", obra analisada no museu.
Os
pacientes apreciaram muito e se expressaram com um “OBAAA! Manifestação
totalmente pacífica!” (sic).
Essa
atividade foi relevante, pois dois dos pacientes que fazem parte do grupo
Terapêutico de Reflexão ao qual a pesquisadora participou como coordenadora,
estiveram presentes e expressaram seus vínculos com a pesquisadora através de
abraços, o que sem dúvida é para a pesquisadora uma recompensa por todo o
trabalho desenvolvido durante o período dessa pesquisa.
Por
fim, na mesma semana da atividade cultural de visita ao Museu Lasar Segall, a pesquisadora esteve presente também na palestra:
“Íntimas utopias. Processos psicóticos, arte e clínica” com Jean-Claude Polack
na PUC-SP.
Jean-Claude Polack nasceu na França em 1936, é psiquiatra e
psicanalista. Trabalhou doze anos ao lado de Jean Oury e Félix Guattari na Clínica
de La Borde, na experiência criadora da psicoterapia institucional francesa,
tendo produzido obras de referência para a clínica da psicose. Foi também
apoiador de uma associação de usuários de serviços de saúde mental. E
editor-chefe da revista Chiméres, fundadas em 1987 por Félix Guattari e Gilles
Deleuze.
Jean-Claude Polack proferiu no dia 24/06/2013, a conferência
introdutória “Íntimas utopias: processos psicóticos e a clínica” em que
destacou os âmbitos do poder, da economia e da política relacionados à loucura,
aos quais fez referência à Foucault e destacou o lucro com a doença no
capitalismo.
O conferencista mencionou a revolução com a reforma psiquiátrica, o
papel da mídia e o discurso passional reivindicativo, bem como a alienação
social e mental atuais.
Nesse dia, houve lançamento do livro de Jean-Claude Polack “A íntima
utopia: trabalho analítico e processos psicóticos” (n-1 Edições).
E a palestra de encerramento no dia 26/06/2013, “Entre psicanálise,
psicoterapia institucional e esquizoanálise” foi uma aula aberta de Jean-Claude
Polack, em que o palestrante destacou que no tratamento da esquizofrenia o
psicanalista precisa sair do ortodoxo da psicanálise – divã e uso da palavra
para interpretar o paciente, mas enfatizou a necessidade de valorizar os modos
de encontro, ou seja, as modalidades concretas da transferência. Acrescentou
que a esquizoanálise é pragmática e propôs o termo “Pragmanálise”, além de
informar que a esquizoanálise não é uma anti-psicanálise.
Essa palestra encerrou a sequência da série de atividades
acadêmico-culturais nas quais a pesquisadora mergulhou e explorou com muito
entusiasmo.
Quanto aos
objetivos alcançados, pode-se afirmar que a partir da consulta aos livros e
manuais psiquiátricos e a participação nas atividades acadêmico-culturais, foi
possível reunir conhecimentos técnicos que possibilitam uma explicação do
fenômeno da esquizofrenia.
Também foi
possível assimilar conhecimentos subjetivos que auxiliaram na compreensão da
esquizofrenia por meio da revisão bibliográfica das obras de Freud, da
psicanálise e da Psicopatologia Fundamental, bem como por meio das aulas do
professor Manoel Tosta Berlinck e palestras de psicanalistas.
Não houve
nenhuma dificuldade significativa quanto à realização da pesquisa. E quanto às
alterações sobre o trabalho original, na verdade, foram acréscimos.
Adicionou-se ao projeto a contextualização histórica da esquizofrenia e o
diálogo entre a Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise Freudiana. E com
relação às atividades práticas, soma-se a experiência clínica de atendimento na
Casa de Saúde São João de Deus que tem possibilitado a observação e a vivência
de estar em contato pessoalmente com os pacientes e não apenas com a
proximidade do referencial teórico. Além disso, na conclusão da pesquisa é
apresentada uma proposta de intervenção clínica - o ensino de língua e cultura
estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes
esquizofrênicos, em resposta às demandas de alguns pacientes e como uma
possibilidade de estabelecimento de vínculo, laço social com os pacientes
esquizofrênicos.
Segunda Parte: Relatório Científico
Introdução
A Psicopatologia Fundamental foi criada há mais
de trinta anos por Pierre Fédida na Université de Paris 7 – Denis Diderot, e
distingue-se da Psicopatologia Geral fundada por Karl Jaspers.
Enquanto a
Psicopatologia Geral empenha-se por ser objetiva na descrição das doenças
mentais, a Psicopatologia Fundamental resgata a subjetividade, considera o
inconsciente e a singularidade do sujeito. Além disso, é um discurso (logos) que inclui e estabelece diálogo
com a psiquiatria, a psicanálise, a sociologia, a arte, a filosofia e a
psicologia.
Em 1995,
fundou-se o Laboratório de Psicopatologia Fundamental do Programa de Estudos
Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, em que os pesquisadores estudam o tratamento e a prevenção do sofrimento
psíquico.
Os pesquisadores
que compõem o Laboratório, ou seja, os pesquisadores de Iniciação científica,
os mestrandos, doutorandos, pós-doutorandos e clínicos, ouvem comentários sobre
seus textos entre si e também do Diretor do Laboratório. Ainda que variem os
temas pesquisados, há o tema base: a Psicopatologia Fundamental.
Para relacionar
a Psicopatologia Fundamental com a esquizofrenia, convém observar que Minkowski
(1972) propõe a noção de “perda de contato vital com a realidade”
relacionando-se com os fatores irracionais da vida, e “visa a essência da
personalidade viva, em suas relações com o ambiente” (p.133).
Muñoz
(2010, p. 88) menciona que o laço social na psicose possui fragilidades e
riscos e que o clínico deve “incentivar formas de estar no mundo que não forcem
o sujeito a uma ruptura ou a uma exclusão”.
A lógica da estrutura clínica psicanalítica com
as psicoses nos faz notar que, apesar de estranhas, as esquisitices são também
eficazes estratégias de sentido. Esse aprendizado, nas palavras de Guerra
(2010, p. 11), “nos desloca de uma posição histórica
e culturalmente preconceituosa que construímos ao longo de nossas vidas.”
(o grifo é nosso).
A
razão da escolha do tema Esquizofrenia e
Laço Social sob a perspectiva de Freud
gira em torno da proposta de absorver e construir um trabalho teórico que
visa entender por que o diferente é muitas vezes rejeitado. Também, por que é
feita a relação entre saudável e “normal”, e doente e “anormal”?
A
subjetividade e a objetividade possibilitam, respectivamente, a compreensão e a
explicação do fenômeno, para os quais a Psicopatologia Fundamental tem muito a
contribuir, especialmente com relação ao pathos.
Segundo
Berlinck (2008, p.18) “Além de sofrimento, de pathos deriva-se, também, as
palavras “paixão” e “passividade” (...) algo da ordem do excesso”. De acordo
com esse autor,
Aquilo
que denominamos contemporaneamente de loucura pode, perfeitamente, ser
constituído por manifestações tradicionais do eu que hoje são consideradas
irracionais;
A
concepção de que a loucura é um excesso, uma paixão que ocupa o eu e que é uma
desmedida, é uma importante invenção que coloca o eu numa perspectiva
histórico-cultural; (Ibid., 2008, p. 171).
Assim,
aspectos sociais, históricos e culturais mostram influência na interpretação
das psicoses, e especialmente da esquizofrenia.
Quanto ao delírio psicótico, Freud
(1911, p.95 e 102) afirma que é “uma tentativa de reconstrução”, de
”restabelecimento”. Em outras palavras, para Freud os delírios são uma
tentativa de cura.
Portanto, levando em conta os aspectos
influenciadores acima citados, elabora-se o seguinte problema de pesquisa: qual
a relação do sujeito esquizofrênico com o laço social? Ou seja, como pensar a
condição humana do esquizofrênico frente aos outros humanos? Dessa questão
principal decorre outra: quais ligações possíveis na esquizofrenia?
Objetivos
O objetivo da
atual pesquisa é analisar e refletir sobre a (im)possibilidade de laço social
na esquizofrenia. Haverá uma contextualização histórica dessa psicopatologia. Será
estabelecido um diálogo entre a Psicopatologia Fenomenológica e a Psicanálise
Freudiana e se relacionará o laço social da perspectiva freudiana com uma breve
experiência clínica vivida pela pesquisadora com pacientes esquizofrênicos em
um grupo de reflexão. Por fim, se
proporá o ensino de língua estrangeira como recurso terapêutico no tratamento
de pacientes esquizofrênicos.
Metodologia
O método adotado
nessa pesquisa é uma revisão bibliográfica em textos das obras de Freud, de alguns
autores da Psicanálise, da Psicopatologia Fundamental, da Psicopatologia
Fenomenológica e da Psiquiatria. Acrescenta-se ao método uma experiência de
atendimento clínico a pacientes psicóticos num Grupo Terapêutico em uma Casa de
Saúde, que proporcionou uma observação prática e uma vivência do trabalho
terapêutico, bem como a elaboração de uma proposta de intervenção clínica.
A evolução histórica do conceito de esquizofrenia e
demência precoce
Sigmund Freud
afirma no texto “Um estudo autobiográfico” que nas psicoses “os melhores temas
para a demonstração de muitas asserções da análise são proporcionadas pela
clínica psiquiátrica”. (FREUD, 1925[1924], p.63).
Nesse sentido, a
consideração dos estudos e observações psiquiátricas a respeito da
Esquizofrenia, uma importante psicose, agrega e amplia o entendimento dos
caminhos percorridos por Freud acerca dessa psicopatologia.
O que se conhece
atualmente como esquizofrenia foi descrita, de forma parcial, séculos antes de
Cristo em textos hindus e gregos. No entanto, as descrições específicas como
nosografia psiquiátrica, surgiram somente a partir do século XIX, a princípio,
com designações de “insanidade”. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 235).
Pinel descreveu
casos que chamou de “idiotia adquirida”, em 1809. E Esquirol, poucas décadas
depois, denominou “quadros demenciais” pacientes cuja enfermidade iniciara-se
na juventude. (ibid.).
O termo démence precoce foi utilizado pela
primeira vez em 1856 por Morel com um exemplo clínico, em que um paciente jovem
se tornou gradativamente apático e retraído. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.
235). O nome foi usado também por A. Pick (1851-1924). (BERRIOS & PORTER,
2012, p. 534).
O médico
psiquiatra Emil Kraepelin (1856-1926) designou de dementia praecox os quadros de catatonia e hebefrenia, descritos
por outros autores, e a dementia
paranoides por ele descrita. O início, aproximadamente, aos vinte anos de
idade e a deteriorização da personalidade do paciente eram características
desses quadros. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 235).
Como acrescenta
Dalgalarrondo (2008, p. 330), Kraepelin incluia à dementia praecox as alterações da vontade como negativismo,
impulsividade, etc., o embotamento afetivo, as alterações da atenção e da
compreensão, as alucinações auditivas, a sonorização do pensamento entre
outras.
Em 1883,
Kraepelin havia começado a publicar seu manual, mas a demência precoce não foi mencionada nas primeiras três edições. A
partir da quarta edição, Kraepelin incluiu nos processos degenerativos três
subtítulos: Demência precoce, Catatonia e Demência paranoide, que segundo ele,
têm em comum o desenvolvimento rápido de um estado duradouro de fraqueza
psíquica, ou seja, a degeneração. Apesar disso, a aparência clínica destas três
condições é muito diferente. O índice da oitava edição menciona 10 tipos de demência precoce. (BERRIOS & PORTER,
2012, p. 533-4, 537).
O psiquiatra
Augustin B. Morel introduziu também o termo Hebefrenia e o conceito dégénérance, este último, tem suas
raízes em ideias religiosas.
O homem perfeito, também perfeito
na saúde, era o Adão, criado por Deus. Após a queda e consequente expulsão do paraíso,
sua condição tornou-se imperfeita. Tornou-se inclinado ao pecado, e a condição
humana e a sociedade em suas formas caminharam de mal a pior. Com isso, sua
saúde degenerou. E não apenas isso, mas a doença foi passada para a geração
seguinte e ao fazê-lo tornou-se pior a cada geração sucessiva, levando afinal à
esterilidade e à extinção da linhagem. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 534-5).
As ideias de
Morel tiveram grande impacto no pensamento europeu e foram divulgadas por
Magnan (1835-1912) não mais no ímpeto do pecado e da queda da graça, mas da
corrupção da vida social. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 535).
Atualmente,
ainda há ideias de que as condições do mundo “estão indo de mal a pior e são
causa da deterioração da saúde humana, e particularmente da saúde mental”.
(ibid.)
O conceito dégénérance, mesmo na forma secularizada
de Magnan sofreu modificações. Karl Jaspers (1883-1969) afirmou que Morel e
Magnan entenderam intuitivamente a importância da hereditariedade e da
degeneração, e a consequente diferenciação entre as psicoses endógenas e as
exógenas. (ibid.)
Sob a influência
de Morel, Kraepelin incluiu a hebefrenia e a demência precoce nos processos
degenerativos. No entanto, Kraepelin criou seu próprio conceito de demência
precoce, também sob o estímulo de Kahlbaum (1828-1899) que destacava a
importância da observação do paciente ao longo da vida, o curso e resultados
dos estados mórbidos. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 535-6).
Kahlbaum (1874)
publicou sua monografia sobre a catatonia, que ele concebia como um transtorno
neuropsiquiátrico com várias características com anormalidades motoras e
estupor. A anormalidade, no tônus muscular – tonia - refere-se a um hipertônus.
“A descrição desses movimentos anormais incluía o maneirismo, inquietação e
estereotipias, descritos como se fossem termos neurológicos”. (BERRIOS &
PORTER, 2012, p. 536).
Além disso,
Kahlbaum (1863) havia proposto uma “abordagem empírico-clínica” para a
classificação, distinguiu os conceitos transversal (sincrônico) e longitudinal
(diacrônico) da doença e destacou que a “essência” da doença “se encontrava em
sua história natural e perfil temporal” (embora ele não esclarecesse como era a
importação “ontológica” de seu uso da palavra essência). É interessante de se
notar que até então “tempo” (a dimensão temporal) “não fazia parte da definição
da doença psiquiátrica”. Porém, em 1863, os pontos de vista de Kahlbaum, ainda eram
abstratos e “pouco continham de suporte empírico”. No entanto, Kraepelin se
propôs a testá-los em sua pesquisa. (BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 131)
A pesquisa
psiquiátrica de Kraepelin possui como conceito básico o naturalismo em sua
concepção de homem. “Para Kraepelin, o homem não é nada além de uma parte da
natureza, e nada que o homem faça é mais do que o produto da existência
natural”. Nesse sentido, Kraepelin pode ser considerado um evolucionista,
considera a moralidade como produto do desenvolvimento cultural e histórico,
mas vinculada à sociedade humana e que desenvolve e funda as relações. (BERRIOS
& PORTER, 2012, p. 442)
A nosologia psiquiátrica de Kraepelin
relaciona-se a pressuposições filosóficas como as ideias relevantes de Kant
para a psiquiatria e os movimentos neokantianos, embora Kraepelin não
explicitasse claramente essa influência e discussão. (ibid. p. 435, 451)
Para Kant
(1724-1804), influente na psiquiatria alemã, as desordens mentais resultariam
de danos do cérebro, porém a classificação teria de se basear na faculdade da
mente, a realidade-irrealidade, cuja perturbação da experiência ele denominava
confusão, a disfunção do julgamento que ele chamava de ilusão e o prejuízo da
razão que classificava como mania. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 506).
Quanto à questão mente-corpo, Kraepelin adotou
a posição do paralelismo psicofísico. Segundo ele, há dois tipos de fenômenos:
somáticos e psicológicos, que são diferentes, mas conectados, ou seja, há um
paralelismo somático e psíquico. No entanto, o autor desaprovava o materialismo
reducionista, pois entendia que não se tratava de uma relação causal, nem que
os eventos mentais fossem idênticos aos processos neurofisiológicos. (BERRIOS
& PORTER, 2012, p. 439)
Kraepelin
mostrou uma extraordinária amplitude na compreensão das manifestações da
loucura. Afirmou que além de uma possível alteração no sistema nervoso e déficits
herdados de gerações passadas, fatores como condições antecedentes, história
pessoal e as circunstâncias do indivíduo devem ser consideradas no diagnóstico
e tratamento do paciente. (ibid. p. 458-9.)
(...) em que medida e por quais
métodos clínicos podemos compreender
mais claramente as manifestações da loucura? Os sintomas e sinais que
correspondem aos da doença subjacente são extraordinariamente variados. Isto
implica que as condições antecedentes devem ter sido complexas. Mesmo quando
claros agentes externos estão envolvidos (por exemplo, um ferimento na cabeça
ou envenenamento) (...) há um jogo de forças em ação: o sistema nervoso do
indivíduo afetado, os déficits herdados de gerações passadas e sua própria história pessoal (...) estas
condições são especialmente importantes quando se considera as formas da doença
que não surgem de lesões externas, mas das circunstâncias da pessoa em causa
(...) parece absurdo propor que seja a sífilis que faça com que os pacientes
acreditem que são possuidores orgulhosos de carros (...) ao invés de que sejam os desejos usuais dessas pessoas refletidos
nesses delírios (...) Se essas observações se aproximam da verdade teremos
que buscar a chave para a compreensão do quadro clínico, principalmente nas características do paciente individual (...) suas expectativas desempenham um papel
decisivo. (pp 2 – 3, tradução livre; grifos adicionais) (citação de
Kraepelin (1920) extraída de BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 128).
Em seu período intermediário, quanto aos
conceitos teóricos e as consequências práticas para o diagnóstico e a nosologia
de Emil Kraepelin, o que mais se destaca é a separação da demência precoce (esquizofrenia) com um pobre prognóstico e a
doença maníaco-depressiva e a paranoia com bom ou, pelo menos, um melhor prognóstico.
(BERRIOS & PORTER, 2012, p. 448-9)
Visto que Kraepelin baseou seu conceito de demência precoce em um quadro clínico, a
isso talvez esteja relacionado o mal prognóstico por ele associado a essa
psicopatologia. Também a amostra de pacientes que possuía estava voltada à
severidade e cronicidade. Os pacientes de sua clínica só podiam ser admitidos
juridicamente e não se podiam recusar admissões. Além disso, havia uma
tendência para acumular pacientes em enfermarias, em acomodações de longo prazo
e sempre lotadas, ou seja, Kraepelin trabalhava sob as contingências sociais e
institucionais que modelavam profissionalmente a direção, o método e o
significado de sua pesquisa. (ibid. p. 464, 474)
Apesar dessa situação, a atitude de Kraepelin
foi construtiva, ele “explorou assuntos referentes à deterioração e prejuízos”.
Porém, os dados aos quais dispunha sugeriram à Kraepelin que as apresentações
clínicas terminavam em estado de demência. (ibid. 464)
Gradualmente me dei conta de que
muitos pacientes, que inicialmente apresentavam um quadro de mania, melancolia
ou amência mostravam demência progressiva. Apesar das diferenças individuais
eles começavam a se parecer uns com os outros. Era como se as diferenças
clínicas anteriores tivessem pouca influência sobre o decurso da doença. Esta
evolução era semelhante ao que já era conhecido no que diz respeito à
paralisia. Assim, não pude resistir a concluir que apenas um processo de doença
poderia estar afetando muitos dos doentes institucionalizados que desenvolveram
demência. O processo pode ser lento ou rápido e, por vezes acompanhado por
delírios, alucinações e excitação. Em algumas ocasiões, pode haver um estado de
humor triste (ou exaltado) – qualquer que seja sua apresentação, sempre
conduzindo à destruição da personalidade. (Kraepelin, 1983) (citação extraída
de BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 134).
A característica comum dessas
doenças que agrupei sob o nome de processos de degeneração psicológica é o
rápido desenvolvimento de um estado duradouro de fraqueza psicológica... (p.
435). O que chamamos de demência precoce é o desenvolvimento subagudo de uma
condição peculiar e simples de fraqueza mental que ocorre em uma idade juvenil.
(Kraepelin, 1983, p. 435) (citação extraída de BERRIOS & HAUSER, 2013, p.
135).
Kraepelin usou a
deteriorização “como um critério de
pesquisa ou metodológico para procurar um quadro de predição clínica, que,
por sua vez, tornar-se-ia um critério
clínico”. (BERRIOS & HAUSEN, 2013, p. 135, grifos do autor).
Então, Kraepelin
com essa definição da demência precoce como o “desenvolvimento subagudo de uma
peculiar e simples condição de fraqueza mental” que ocorre em idade jovem, considerava
que “o único critério externo para a classificação dos sintomas era o curso da
doença.” (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 465).
Porém, essa expressão “demência precoce” de
Kraepelin mostrou-se inadequada, pois segundo alguns autores franceses, o termo
“demência” nem sempre se aplica, pois a demência precoce não conduz sempre a um
déficit. Tampouco o termo “precoce” mostrou-se adequado. (ibid. p. 467)
Então, E. Bleuler
(1911) sugeriu o termo “esquizofrenia” (do grego, squizo=cindido, phrén=mente),
que explica melhor a função psíquica que para ele é o sintoma fundamental da
esquizofrenia, a Spaltung, ou seja, a
dissociação. Bleuler entende “dissociação” como um distúrbio das “associações
que regem o curso do pensamento”. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.157-9).
A classificação da esquizofrenia para Eugen
Bleuler dividia-se em sintomas fundamentais e acessórios. Ao passo que os
últimos poderiam ocorrer em quaisquer outros transtornos mentais, os primeiros
eram característicos da esquizofrenia. Citava como sintomas acessórios as alterações
sensoperceptivas, os delírios, os sintomas catatônicos e as alterações de
memória e atenção. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.235.)
Bleuler definia a esquizofrenia (sintomas
fundamentais) como alterações formais do pensamento que possuía como
característica a ambivalência afetiva, o autismo como isolamento psíquico, ou
melhor, um “ensimesmamento” radical; uma profunda dissociação ideoafetiva como
já mencionada e uma evolução muito heterogênea que poderia apresentar evolução
benigna. (Dalgalarrondo, 2008, p. 330).
A versão de Bleuler, baseada nos
quatro As (Ambivalência, Autismo, Afetividade perturbada e Associações
desagregadas) havia introduzido um elemento recuperável, relacionado à
etiologia psicológica e até psicodinâmica, que se julgava faltar no termo
pessimista “demência”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 551)
Além disso, Bleuler subdividia os sintomas em
primários que se relacionavam a um processo mórbido cerebral, e em secundários
que se originavam de um processo psíquico e estava associado ao anterior.
(Luozã, Elkis e cols. 2007, p.235).
A atribuição de
Bleuler ao termo Spaltung, (dissociação) diferencia-se da de Freud,
aproximando-se apenas no sentido de ser próprio da descrição de Freud do
inconsciente. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.158-9).
Se por um lado,
Kraepelin é guiado pela observação empírica, Bleuler por outro lado possui uma
teoria em sua abordagem, “introduz uma estrutura nos sintomas”, pois aplica as
ideias psicanalíticas. Bleuler e Jung (1875-1961) tentaram entender o conteúdo
dos sintomas, cuja interpretação relacionava-se aos complexos inconscientes.
(BERRIOS & PORTER, 2012, p. 543).
Freud não
considerava a dissociação como característica essencial da doença e devido a
isso fez reservas ao próprio termo “esquizofrenia”. Apesar de usar também a
expressão “demência precoce”, propôs o termo “parafrenia”, que de acordo com
ele formava um par melhor ao termo paranoia e demarcava unidade ao campo das
psicoses. (Laplanche e Pontalis, 2001, p.158-9).
O termo
“parafrenia” havia sido proposto anterior e originalmente por Kraepelin como
designação de certas psicoses crônicas, como a paranoia, e que não são
acompanhadas de diminuição intelectual, além de não evoluírem para a demência,
mas que por suas construções delirantes, alucinações e fabulações, aproximam-se
da esquizofrenia. Porém, o sentido com o qual Freud utilizou o termo, como já
visto, foi diferente. Em razão do sucesso do termo bleuleriano esquizofrenia,
Freud rapidamente renunciou à sua sugestão terminológica parafrenia. (Laplanche
e Pontalis, 2001, p. 333-4).
Com o conceito
de “esquizofrenia latente” Bleuler (1911) entendia que apesar de ainda não
valer a pena descrever suas características, nuanças de sintomas e combinações
de sintomas como irritabilidade, estranheza, destemperança, pessoas solitárias
e excessivamente pontuais despertam suspeita, entre outras coisas de serem
esquizofrênicas e que, frequentemente esconderiam algum “outro sintoma
catatônico ou paranoide, e vários desses hábitos tornam-se mais pronunciados
mais tarde na vida e provam que todas as formas de doença podem ter um curso
latente”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 544).
No entanto, o
alargamento da abordagem de Bleuler (1911) com a introdução da “esquizofrenia
latente” teve consequências imprevistas, não somente para a pesquisa em
esquizofrenia, mas para a posição médico-legal desses pacientes. “Em 1933, o
governo alemão, para a purificação da raça, introduziu leis de esterilização
para pacientes com doenças hereditárias”, e ter ou não o diagnóstico de
esquizofrenia era de grande importância para o indivíduo. Em resultado disso,
os seguidores das ideias de Bleuler, especialmente os psiquiatras suíços,
revisaram esses conceitos. (ibid.).
Da
Psicopatologia Descritiva, temos a contribuição de Karl Jaspers (1883-1969) que
definia a esquizofrenia com as seguintes características: as ideias delirantes
primárias, que segundo esse autor não são deriváveis ou compreensíveis
psicologicamente, o humor delirante que precede o delírio, as vivências de
influência como vivências do “feito”, a ocorrência ou intuição delirante e ao
analisar a vida total do paciente notava-se a ocorrência de “quebra na curva
existencial”, também que os surtos participavam de um processo que transformava
radicalmente a personalidade e a existência do paciente. (Dalgalarrondo, 2008,
p. 330).
Outro autor
importante para a definição de esquizofrenia foi Kurt Schneider (1887-1967) que
influenciou particularmente a psiquiatria britânica com sua nova abordagem numa
tentativa de superar a dicotomia das “escolas” “organicistas” e “psiquistas”. A
abordagem de Kraepelin alinhava-se com os organicistas e era predominante.
(BERRIOS & PORTER, 2012, p. 544-5).
Jaspers (1957)
escreve que as abordagens psicológicas sob a influência de Freud, na época de
Schneider, eram vistas como subjetivas e não científicas. Para Jaspers, a razão
disso era a uma confusão na natureza do próprio sujeito, para ele o tema da
psiquiatria é o homem, não só o seu corpo, “mas principalmente sua psique, sua
personalidade, o próprio homem”. (ibid.).
Jaspers (1963)
em Psicopatologia Geral definiu uma
“metodologia que permitisse o estudo do paciente como uma pessoa”, cujo estudo
significativo da vida do paciente e a empatia representam a base da abordagem.
(ibid.)
Onde essa empatia falhasse, onde alcançasse seus limites, onde o
significado já não fosse discernível, a experiência interna do paciente, o
sintoma, poderia ser descrita e apontaria para um processo que irrompeu na vida
do paciente, perturbando a coesão significativa da personalidade. Esse “novo”
elemento não pode ser “entendido”, mas tem que ser “explicado”. (BERRIOS &
PORTER, 2012, p. 545).
Os métodos de
compreender a condição do paciente, o entendimento de significados e explicação
causal são os princípios dessa nova psicopatologia que introduz um método
subjetivo de “entendimento”. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 545).
Kurt Schneider
denominou “sintomas de primeira ordem” aos principais sintomas da
esquizofrenia, que se caracterizam pela presença de percepção delirante, em que
uma percepção normal recebe significação delirante e ocorre de modo simultâneo
ao ato perceptivo, geralmente de forma abrupta como uma “revelação”.
(Dalgalarrondo, 2008, p.328).
Outras
características dos sintomas de primeira ordem são as alucinações auditivas que
são vozes que comentam e/ou comandam a ação, o eco ou sonorização do pensamento
em que o paciente escuta seus pensamentos ao pensá-los e a difusão do
pensamento em que o paciente tem a sensação de que seus pensamentos são
percebidos e ouvidos pelos outros no momento em que os pensa. Há também o
sintoma da experiência do roubo do pensamento, em que o paciente tem a sensação
de que o pensamento é inexplicavelmente extraído de sua mente como se fosse
roubado. (ibid.).
Ainda como
sintoma de primeira ordem, o paciente experimenta a vivência de influência no
plano corporal, em que o sujeito sente que uma força ou um ser externo age
sobre seu corpo, seus órgãos, emitindo raios, influenciando as funções
corporais, etc. (Dalgalarrondo, 2008, p.328).
Outra vivência
de influência é a ideativa, que se refere à “experiência de que algo influencia
seus pensamentos, o paciente recebe pensamentos impostos de fora, pensamentos
feitos, postos em seu cérebro, etc.” (ibid.).
Para Kurt
Schneider, tais sintomas de primeira ordem indicam uma extrema “alteração da
relação Eu-mundo, o dano radical das “membranas” que delimitam o Eu em relação
ao mundo, uma perda marcante da intimidade”. (ibid.).
Quanto à
sensação de que algo é imposto de fora, feito à sua revelia, o paciente
“vivencia a perda do controle sobre si mesmo, a invasão do mundo sobre seu ser
íntimo”.
Esse tipo de experiência psicótica, dos pensamentos mais íntimos serem
imediatamente percebidos por outras pessoas, expressa a vivência de uma
considerável “fusão” com o mundo público sobre privado, assim como um
extravasamento involuntário da experiência pessoal e interior sobre o mundo
circundante. (Dalgalarrondo, 2008, p.328-9).
Já, os sintomas
de segunda ordem de Schneider são considerados menos importantes no diagnóstico
da esquizofrenia. Eles são a perplexidade, alterações da sensopercepção
(diferentes daqueles de primeira ordem), vivências de influência no campo dos
sentimentos, impulsos ou vontade, vivência de empobrecimento afetivo, intuição
delirante e alterações do ânimo e alterações do ânimo de colorido depressivo ou
maniatiforme. (Dalgalarrondo, 2008, p.329).
Para um médico o
sintoma somático, seja objetivo ou subjetivo, é sinal de um processo patológico
que está ligado por uma cadeia causal. No entanto, em casos psiquiátricos, como
na psicose esquizofrenia, Kurt Schneider mencionava que há um “traço
característico”, um “tipo” psicopatológico que é mais do que um sintoma porque
não ocorre de uma maneira causal, mas sim como uma totalidade que integra o
traço. (TATOSSIAN, 2006, p. 39).
Como solução
para entender essa discordância é necessário diferenciar os “sintomas”, ou
seja, as manifestações de comportamento (motor, gestual, mímico e verbal) das
manifestações do vivido que é o especifica a psicopatologia e o que se pode,
por exemplo, denominar “estruturas”. (ibid. p. 41).
Nas últimas
décadas, a esquizofrenia tem sido diferenciada em três subtipos. O primeiro,
como síndrome negativa ou deficitária que se refere aos sintomas negativos,
caracterizados pela perda de funções psíquicas como as da esfera da vontade,
pensamento, linguagem, etc., e “empobrecimento global da vida afetiva,
cognitiva e social do indivíduo”. (Dalgalarrondo, 2008, p.329).
Um dos
principais sintomas negativos ou deficitários é o distanciamento afetivo que
pode evoluir até o embotamento afetivo e pode resultar na “perda da capacidade
de sintonizar afetivamente com as pessoas, de demonstrar ressonância afetiva no
contato interpessoal”. (ibid.)
Outro sintoma
negativo, a retração social pode significar o isolamento progressivo do convívio
social. O empobrecimento da linguagem e do pensamento, a diminuição da fluência
verbal, a negligência quanto a si mesmo, ou seja, o descuido de si próprio,
pela falta de higiene e desinteresse em relação à própria aparência, saúde e
vestimenta, a lentificação e empobrecimento psicomotor com “restrição do
repertório da esfera gestual e motora” são também sintomas deficitários.
(Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Há ainda a
diminuição da vontade (avolição) e hipogramatismo que são as dificuldades ou
incapacidades de realizar ações, tarefas, trabalhos de maneira organizada, que
exija iniciativa e monitoração comportamental e persistência. (ibid.).
O segundo
subtipo é a síndrome positiva ou produtiva que se caracteriza não por ausências
ou déficits comportamentais como na síndrome negativa, mas por sintomas
positivos, manifestações novas, floridas, como as alucinações que,
frequentemente, são ilusões ou pseudoalucinações auditivas, mas podem ser
visuais ou de outro tipo. (Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Outros sintomas
positivos são as ideias delirantes, geralmente de conteúdo paranoide,
autorreferente, de influência ou de outra natureza, o comportamento bizarro, as
ideias bizarras, a agitação psicomotora, neologismos e parafasias. (ibid.)
Quanto ao
terceiro subtipo trata-se da síndrome desorganizada, na qual predominam as
desorganizações mentais e comportamentais, afeto inadequado ou afeto pueril.
Trata-se da classicamente denominada esquizofrenia hebefrênica. (ibid.)
Nesse subtipo, o
pensamento progressivamente desorganizado varia de um leve “afrouxamento das
associações até a total desagregação e produção de um pensamento totalmente
incompreensível”. (Dalgalarrondo, 2008, p. 331).
Os
comportamentos desorganizados e incompreensíveis nessa síndrome podem ser “comportamentos
sociais e sexuais inadequados, agitação psicomotora, vestimenta e aparência
bizarras”. (ibid.).
Quanto ao afeto
pode ser inadequado, ambivalente com descompasso entre as esferas afetivas,
ideativas e volitivas e/ou pueril, em que o paciente reage de forma infantil.
(ibid.).
Há autores que
consideram que a esquizofrenia é uma doença que teve origem exclusivamente a
partir do século XX.
Qualquer tentativa de uma
narrativa histórica da esquizofrenia, sua própria história, deve reconhecer um
início muito incerto. Há um debate insolúvel sobre se a esquizofrenia existiu
antes do século XVII. (BERRIOS & PORTER, 2012, p. 551).
No entanto,
consideramos o ser humano um ser psicopatológico, consequentemente, pensamos
ser possível haver existido tal psicopatologia em civilizações passadas. Porém,
não com as descrições nosográficas atuais.
Portanto,
parece-nos plausível chamar, como alguns autores franceses, de estrutura psicótica a organização psíquica dos esquizofrênicos. Não obstante,
preferimos denominá-la condição psicótica,
mais especificamente, condição esquizofrênica
conforme definição do dicionário ao “modo de ser, estado e situação” dos
portadores dessa psicopatologia, bem como “modo de viver resultante da
situação” esquizofrênica; e por fim “obrigação que se impõe e se aceita”, mas
que muitas vezes se é obrigado a aceitar, pois a psicose não é uma constituição
de iniciativa voluntária. (FERREIRA, 2000, p. 172).
O diagnóstico da esquizofrenia segundo o CID10 e o DSM-IV
O Código
Internacional de Doenças (CID-10) classifica a esquizofrenia sob a rubrica F20
e a define como um distúrbio com características de distorção do pensamento, da
percepção e afetividade inapropriada ou embotada. A esquizofrenia paranoide é
um dos subtipos clínicos do CID-10, sob o código F20.0, que caracteriza-se por
delírios muitas vezes persecutórios, acompanhados de alucinações auditivas,
principalmente; não são proeminentes distúrbios do afeto, do discurso e da
volição. Na esquizofrenia hebefrênica (F20.1), por outro lado, a principal
alteração está na afetividade, com alucinações e delírios fragmentados,
comportamentos pueril ou bizarro e maneirismos, com desorganização do
pensamento e empobrecimento do discurso. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.238-9).
Outro exemplo de
classificação desse manual é a esquizofrenia catatônica (F20.2), cuja
proeminência característica são os transtornos da psicomotricidade; em que
períodos de “estupor, mutismo, negativismo, obediência automática e
flexibilidade cérea” podem ser alterados por períodos de agitação e excitação.
Além disso, negativismo, posturas bizarras ou outros sintomas como perseveração
de palavras ou frases estão na lista dos sintomas que classificam tal
diagnóstico. Há seis outros subtipos de classificação da esquizofrenia no CID-10.
(ibid. p.240).
O DSM-IV
estipula que para a realização do diagnóstico de esquizofrenia um ou mais dos
sintomas principais como delírios, alucinações, discurso e/ou comportamento
desorganizados devem estar presentes pelo período de, pelo menos, um mês. Já os
sintomas negativos e disfunções sociais, por, pelo menos, seis meses.
(Dalgalarrondo, 2008, p.330).
O embotamento
afetivo, o distanciamento e a retração social aproximam-se do mencionado
anteriormente autismo do esquizofrênico considerado por Bleuler. Para esse
autor, “a síndrome autística da esquizofrenia inclui, além de dificuldade ou
incapacidade de estabelecer contato afetivo com outras pessoas e retração do
convívio social”, a “inacessibilidade do mundo interno do paciente”. (ibid. p.
331).
Tratamento da esquizofrenia – uma possibilidade de
laço?
Como
visto, Kraepelin incluiu um conceito prognóstico reservado à esquizofrenia. Por
outro lado, Bleuler “definiu a esquizofrenia a partir do corte transversal, sem
levar em conta o curso da doença; para ele a esquizofrenia poderia ter uma
evolução e desfecho benignos e até uma remissão completa”. (Luozã, Elkis e
cols. 2007, p. 247).
Então, pelo
menos em parte, a evolução da esquizofrenia depende do conceito que se utiliza
para a doença. Os outros fatores a
serem considerados são “a própria definição da evolução (global ou restrita a
certos aspectos da doença), o tempo de acompanhamento do paciente e o desenho
do estudo (prospectivo ou retrospectivo)”. (ibid.)
Kraepelin
referia-se à abordagem tradicional, anterior à sua, como “sintomática” e em
1896, anunciou ter “encontrado uma nova maneira de olhar para a doença mental”
e usou o termo “clínica” para essa sua nova abordagem. (BERRIOS & HAUSER,
2013, p. 132).
A perspectiva
clínica de Kraepelin desenvolvida em Dorpat possuía além de outros fatores uma
variável cultural e linguística importante.
A clínica
Dorpat (Tartu na atual Estônia) servia a uma comunidade de não falantes da
língua alemã, cujas principais línguas eram o Dorpat (ou Werro-Estoniano) e o
Reval-Estoniano. O primeiro, o mais comum dos dois, era também o menos
literário e inflexional (Anônimo, 1878). Apenas um treze avos (1/13) da
população falava alemão, mas este grupo pertencia às classes superiores, que
eram susceptíveis de procurar tratamento médico na Alemanha. (ibid.).
Kraepelin
utilizou como recurso um intérprete para examinar a maioria dos seus pacientes
(Kraepelin, 1983) e é provável que seu interesse de longa duração nos sinais
comportamentais (por exemplo, psicomotores) tenha tido contribuição desta
barreira linguística. (BERRIOS & HAUSER, 2013, p. 132).
Mas, e se a própria
barreira linguística tivesse sido utilizada como recurso terapêutico para
intervenção no tratamento desses pacientes? O próprio clínico seria o
intérprete, ou melhor, o tradutor-intérprete que em troca de entender o idioma
psicótico traduzido à sua língua, forneceria o aprendizado de um novo idioma
diferente do idioma materno do paciente, e em consequência talvez pudesse ser
estabelecido um laço entre o paciente esquizofrênico e o clínico e um vínculo
entre o paciente o novo idioma. Essa será a proposta clínica de intervenção terapêutica
apresentada na conclusão desse trabalho de pesquisa.
O
tratamento clínico atual da esquizofrenia
O tratamento do
esquizofrênico exige a participação de diversos profissionais que atuem em
equipe para combinar as abordagens farmacológica e psicossocial. (Luozã, Elkis
e cols. 2007, p. 249).
Quanto ao
tratamento farmacológico, “uma vez que o paciente tenha apresentado uma melhora
significativa com um determinado antipsicótico, o mesmo deverá ser mantido com
o intuito de evitar uma recaída”. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 252).
Na fase
de manutenção do paciente, é possível optar entre o uso de medicação via oral
ou intramuscular com liberação lenta (antipsicóticos de longa ação ou depot). As medicações depot têm a vantagem de garantir a
manutenção do seu uso, minimizando o problema da adesão, bem como de evitar
problemas de biodisponibilidade devido à metabolização gastrintestinal,
absorção irregular e metabolização hepática (primeira passagem); permitem
ainda, a manutenção de níveis plasmáticos relativamente estáveis, não
apresentando risco de abuso ou ingestão excessiva. (...)
Pelas
características farmacocinéticas dos medicamentos depot, são necessárias várias semanas ou meses para que se atinja a
estabilização (steady state) da
medicação, podendo haver dificuldade de controle da condição clínica do
paciente no início do tratamento. Uma vez que a eliminação é muito lenta, o
aparecimento de algum efeito colateral é de controle mais difícil. (ibid. p.
252-253).
Atualmente,
existem diversos antipsicóticos de diferentes grupos farmacológicos. Eles são
divididos em “primeira geração (também chamados de clássicos, típicos ou
tradicionais) e de segunda geração (ou atípicos)”. (Luozã, Elkis e cols. 2007,
p. 250).
Quanto à
abordagem psicossocial, abarcam a terapia ocupacional e orientação sobre a
doença e o tratamento, em que “os familiares podem participar de grupos de
orientação psicoeducacional sobre a doença e sobre o seu cotidiano em casa”.
Essas informações contribuem para auxiliar o paciente, especialmente na fase
aguda, e contribuem aos familiares que evitem atitudes que possam piorar o
quadro clínico do paciente. (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 250).
Na fase aguda, o
tratamento pode ser feito em regime ambulatorial ou de internação. Esta última
torna-se necessária se o paciente em decorrência de ansiedade intensa, agitação
psicomotora, presença de delírios ou alucinações apresentar risco de auto ou
heteroagressividade. “A internação deve ter a menor duração possível, tendo em
vista minimizar o afastamento do paciente de seu meio sociofamiliar.” (Luozã,
Elkis e cols. 2007, p. 249).
A proteção ao
paciente, propiciando-lhe um ambiente tranquilo e com poucos estímulos
sensoriais, muitas vezes, já seria o suficiente para promover um alívio
importante no quadro de agitação e ansiedade. (ibid.).
Tanto na fase
aguda quanto na fase de manutenção ou recuperação o Hospital Dia (HD) e o CAPs
(Centro de Atenção Psicossocial) são referências importantes no tratamento de
pacientes esquizofrênicos.
No entanto, o tratamento
farmacológico com antipsicóticos e o tratamento psicossocial devem ser associados
ao tratamento psicológico.
Tratamento da esquizofrenia e restabelecimento do
laço social
O processo de
reabilitação do paciente esquizofrênico compreende um “conjunto de ações que
sejam capazes de lhes trazer uma melhor integração social, profissional, enfim,
uma melhor qualidade de vida dentro dos limites que a doença impõe”. (Luozã,
Elkis e cols. 2007, p. 254).
A simples
adesão ao tratamento medicamentoso não é capaz, por si só, de propiciar a
reabilitação. Embora os medicamentos sejam bastante eficazes na redução de
sintomas, eles não podem, sozinhos, promover a reintegração do paciente na
comunidade. É necessário considerar, ainda, que muitos pacientes têm recidivas
apesar de medicados, e que alguns sintomas (particularmente os negativos) ainda
são de difícil tratamento.
O
tratamento psicossocial é importante durante a fase aguda da doença, mas não é
suficiente para melhorar a adequação social a longo prazo. (...) (ibid. p.
255).
Então, visto que
o tratamento farmacológico e o psicossocial, ainda que unidos, são
insuficientes na reintegração do paciente esquizofrênico ao meio social, um
tratamento a ser incluído pode ser o psicoterapêutico.
A psicoterapia
de grupo teria um efeito mais favorável que a individual, pela ênfase nos
processos de interação social (Luozã, Elkis e cols. 2007, p. 256). Mas, isso
não exclui a possibilidade de serem ambas utilizadas.
São
sugeridas modificações na técnica para a abordagem psicodinâmica do paciente.
Uma vez que o foco principal é a construção de um relacionamento, o terapeuta
deve ser flexível em relação ao setting
e criar um ambiente acolhedor e de continência para o paciente. Muitas vezes,
as colocações objetivam uma confrontação com dados de realidade; as
interpretações são reservadas para um período em que o paciente esteja mais
engajado no processo. (Sadick; Sadock, 2000) (Luozã, Elkis e cols. 2007, p.
256).
Portanto,
convém considerarmos a esquizofrenia e a demência precoce em Freud para
posteriormente compreendermos o tratamento psicanalítico da esquizofrenia e
também relacionarmos a esquizofrenia e o laço social em Freud.
Esquizofrenia e demência precoce em Freud
Em “A
interpretação dos sonhos” (p. 383), Freud destaca uma habilidade presente em
portadores de demência precoce (esquizofrenia) a “compreensão direta do
simbolismo onírico num grau surpreendente”
por algum
tempo, houve uma tendência a suspeitar de que todo sonhador dotado dessa
apreensão dos símbolos fosse vítima daquela doença. Mas não é esse o caso.
Trata-se de um dom ou peculiaridade pessoal que não possui nenhum significado
patológico visível. (FREUD, 1900-1901, p. 383)
Características
ou traços neuróticos são encontrados em sujeitos com estrutura psíquica
psicótica como a esquizofrenia, ou seja, nem todo pensamento ou comportamento
do esquizofrênico é patológico.
Como nos mostra
Simanke (2009), de acordo com R. A. Hunter e Ida Macalpine, em sua introdução à
edição inglesa das memórias de Schreber, “o termo psicose foi introduzido em
1845 por Feuchtersleben em seu Manual de
psicologia médica.” Para esse autor que introduziu o termo psicose, tal
termo significa doença mental, ao passo que “neurose designa as afecções do
sistema nervoso, das quais só algumas podem se traduzir em sintomas de uma
psicose”. (SIMANKE, 2009, p. 81n)
Simanke nos
esclarece, citando Laplanche e Pontalis (1977, p. 505), que “qualquer psicose
é, ao mesmo tempo, uma neurose, porque sem a intervenção da vida nervosa
nenhuma modificação do psíquico se manifesta; mas nem toda neurose é também uma
psicose”. (SIMANKE, 2009, p. 81n)
De acordo com
Freud, Bleuler na Escola de Zurique,
mostrou
que se poderia esclarecer grande número de casos, puramente psiquiátricos,
reconhecendo neles os mesmos processos reconhecidos pela psicanálise como
presentes nos sonhos e nas neuroses (mecanismos freudianos) (FREUD, 1914, p.
38)
Freud acrescenta
que a escola suíça com a colaboração também de Jung, elucidou duas facetas do
quadro da demência precoce. A primeira, como já mencionada, na esquizofrenia há
presença de “complexos que conhecemos tanto em indivíduos saudáveis como em
neuróticos”. O segundo aspecto descoberto é a similaridade do que ocorre na
vida mental dos esquizofrênicos com o que ocorrem com mitos populares. (FREUD,
1914, p. 87)
Quanto às
psicoses, Freud aponta como tentativa de interpretação e entendimento dos
sintomas dois caminhos. O primeiro a partir das próprias declarações delirantes
do paciente, tal como fez Jung [1907] em seu método de interpretação fornecido
por um “brilhante exemplo” de um caso de demência precoce grave que exibia
sintomas muito “afastados do normal”. (FREUD, 1911, p. 45).
Freud relatou
que Jung [1907] na Escola de Zurique
aplicou
com êxito o método analítico de interpretação às manifestações mais estranhas e
obscuras da demência precoce (esquizofrenia), de modo a trazer à luz suas
fontes presentes na história da vida e nos interesses do paciente. (FREUD,
1914, p. 38)
A outra
possibilidade de compreensão da história de um paciente é a análise dos
conhecimentos complexos, forças motivadoras da vida mental e das causas
ativadoras da psicopatologia. (FREUD, 1911, p. 45)
Para Freud, na
esquizofrenia o “ponto importante fora não tanto a possibilidade de interpretar
os sintomas, mas o mecanismo psíquico da doença”. (FREUD, 1914, p. 38)
Bleuler, o outro
líder da Escola de Zurique, defendia “o ponto de vista de que as várias formas
de demência precoce têm uma causação orgânica”. (FREUD, 1914, p. 38-9)
Ao formular o
conceito de narcisismo primário, Freud justifica que essa tentativa surgiu
devido à necessidade de incluir a demência precoce (Kraepelin) ou esquizofrenia
(Bleuler) na hipótese da teoria da libido.
Esse tipo
de pacientes, que eu propus fossem denominados de parafrênicos, exibem duas
características fundamentais: megalomania e desvios de seu interesse do mundo
externo - de pessoas e coisas. Em
consequência da segunda modificação, tornam-se inacessíveis à influência da
psicanálise e não podem ser curados por nossos esforços. (FREUD, 1914, p. 82)
Para Freud na
psicose, o que inclui a esquizofrenia, a ausência de transferência positiva
inviabiliza o tratamento psicanalítico. Por essa razão, e na esquizofrenia,
pelo desinteresse do paciente pelo mundo externo, Freud considera que tais
indivíduos são incuráveis aos esforços analíticos. (FREUD, 1925[1924], p. 63).
No entanto, posteriormente,
Freud reconhece que há transferência na psicose
A
transferência amiúde não se acha tão inteiramente ausente, mas pode ser
utilizada até certo ponto, havendo a análise alcançado inegáveis êxitos com
depressões cíclicas, ligeiras modificações paranoides e esquizofrenias
parciais. (FREUD, 1925[1924], p. 63).
Diferentemente
de pacientes neuróticos, os esquizofrênicos não substituem o mundo externo, sua
relação com a realidade, por uma fantasia, tampouco os objetos imaginários de
sua memória por objetos reais. “Quando realmente
as substitui, o processo parece ser secundário e constituir parte de uma
tentativa de recuperação, destinada a conduzir a libido de volta a objetos”.
(FREUD, 1914, p. 82)
Na
esquizofrenia, entre as tentativas de recuperação citadas por Freud estão os
delírios e as alucinações e a substituição da identificação narcisista pelo
amor objetal. (FREUD, 1924 [1923], p. 169). (FREUD, 1917 [1915], p. 255).
Então, o que
acontece à libido que foi afastada dos objetos externos na esquizofrenia? Freud
responde que a megalomania que surge à expensas da libido objetal aponta o
caminho. Pois, a libido que foi afastada do mundo externo
é
dirigida para o ego e assim dá margem a uma atitude que pode ser denominada de
narcisismo. Mas a própria megalomania não constitui uma criação nova; pelo
contrário, é, como sabemos, ampliação e manifestação mais clara de uma condição
que já existia previamente. (FREUD, 1914, p. 82)
Portanto, para
Freud, o narcisismo surge “através da indução de catexias objetais como sendo
secundário, superposto a um narcisismo primário que é obscurecido por diversas
influências diferentes”. (FREUD, 1914, p. 82)
Na demência
precoce, Freud mostra-nos como Jung percebeu que os “delírios (deliria) e estereótipos motores que
ocorrem nessa perturbação são resíduos de antigas catexias objetais, que se
apegam com grande persistência”. (FREUD, 1911, p. 84)
Freud também
menciona que Abraham “muito convincentemente demonstrou que o afastamento da
libido do mundo externo é uma característica particular e claramente marcada da
demência precoce.” (FREUD, 1911, p. 84).
Desta
característica inferimos que a repressão é efetuada por meio do desligamento da
libido. Aqui mais uma vez, podemos considerar a fase de alucinações violentas
como uma luta entre a repressão e uma tentativa de restabelecimento, por
devolver a libido novamente a seus objetos. (FREUD, 1911, p. 84)
As dificuldades
na compreensão do “idioma” do psicótico são esclarecidas por Freud. Segundo o
autor, a “linguagem dos sonhos pode ser encarada como o método pelo qual a
atividade mental inconsciente se expressa. Mas o inconsciente fala mais de um
dialeto”. (FREUD, 1913, p. 180)
Outra das formas de expressão do
inconsciente é a linguagem de pensamento das chamadas por Freud parafrenias (demência
precoce e paranoia), que “apresentam peculiaridades idiomáticas especiais, que,
num certo número de casos, fomos capazes de compreender e inter-relacionar”.
(FREUD, 1913, p. 180)
De acordo com
Freud, a diferença essencial entre a elaboração de sonhos e a esquizofrenia se dá
de forma que nessa última,
o que se
torna objeto de modificação pelo processo primário são as próprias palavras nas
quais o pensamento pré-consciente foi expresso; nos sonhos, o que está sujeito
a essa modificação não são as palavras, mas a apresentação da coisa à qual as
palavras foram levadas de volta. (FREUD, 1917 [1915], p. 235).
Como esclarece
Freud “muito do que é expresso na esquizofrenia como sendo consciente”, nas
neuroses só pode revelar sua presença no inconsciente, por meio da análise.
(FREUD, 1925, p. 202)
Quando um
psicótico diz uma coisa, geralmente, o significado é literal. O neurótico, por
outro lado, quando diz algo, frequentemente é necessária uma interpretação para
entendê-lo de maneira efetiva.
Quando
pensamos em abstrações, há o perigo de que possamos negligenciar as relações de
palavras com as apresentações inconscientes da coisa, devendo-se externar que a
expressão e o conteúdo do nosso filosofar começam então a adquirir uma
semelhança desagradável com a modalidade de operação dos esquizofrênicos.
Podemos, por outro lado, tentar uma caracterização da modalidade de pensamento
do esquizofrênico dizendo que ele trata as coisas concretas como se fossem
abstratas. (FREUD, 1915, p. 208).
No funcionamento
do pensamento do esquizofrênico, as coisas concretas são tratadas como
abstratas.
Como nos mostra
Freud, outra peculiaridade na fala do esquizofrênico é a fala hipocondríaca ou
“fala do órgão”. (FREUD, 1915, p. 202)
Na
esquizofrenia, as palavras estão sujeitas a um processo igual ao que interpreta
as imagens oníricas dos pensamentos oníricos latentes – que chamamos de
processo psíquico primário. Passam por uma condensação, e por meio de
deslocamento transferem integralmente suas catexias de umas para as outras. O
processo pode ir tão longe, que uma única palavra, se for especialmente
adequada devido a suas numerosas conexões, assume a representação de todo um
encadeamento de pensamento. (FREUD, 1915, p. 202)
Nessas modificações
na fala, segundo Freud,
o
paciente devota especial cuidado a sua maneira de se expressar, que se torna
‘afetada’ e ‘preciosa’. A construção de suas frases passa por uma
desorganização peculiar, que as torna incompreensíveis. (FREUD, 1915, p. 202)
As expressões
dos psicóticos tornam-se incompreensíveis aos neuróticos “a ponto de suas
observações parecerem disparatadas”. No conteúdo de suas expressões, os
esquizofrênicos quase sempre fazem referências a “órgãos corporais ou a
inervações”. (FREUD, 1915, p. 202).
Um exemplo
clínico da paciente de Tausk, apresentado por Freud sobre a “fala do órgão” na
esquizofrenia, é resumido por Simanke (2009, p. 165)
Freud
parte da análise de dois enunciados da pacientes da Tausk, internada após uma
altercação com seu amante. O primeiro diz: “Os
olhos não estão direitos, estão torcidos (verdreht)” e é complementada por
uma série de recriminações ao amante – ele é um hipócrita, um simulador (Augenverdreher, literalmente “um
torcedor de olhos”), torceu-lhe os olhos de tal forma que ela já não os
reconhece como seus, são outros olhos com os quais ela vê o mundo agora (FREUD,
1915a, p. 194-195; p. 156-157; destaques do autor). O segundo: “Ela está na
igreja, de repente dá-se-lhe uma sacudida, tem
que se pôr de outro modo, como se alguém a pusesse, como se fosse posta (muss
sich anders stellen, als stellte sie jemand, als würde sie gestellt)” à
qual vêm se acrescentar as explicações da paciente – o amante é de origem
inferior, mas fê-la crer que era superior a ela, ela fez-se igual a ele, ele
falseou sua própria posição e assim falseou (verstellt) a dela (FREUD, 1915a, p. 195; p. 157).
A paciente “tem
a sensação de alteração orgânica, sente a tendência a realizar a ação e
expressa ambas no discurso, juntamente com suas causas”. (SIMANKE, 2009, p.
165)
Visto que para
Freud, na esquizofrenia, a repressão consiste na “fuga do ego”, ou seja, na “retirada
da catexia instintual dos pontos que representam a apresentação inconsciente do objeto”
a catexia
da apresentação da palavra não faz parte do ato de repressão, mas representa a
primeira das tentativas da recuperação do objeto ou de cura que tão
manifestamente dominam o quadro clínico da esquizofrenia. Essas tentativas são
dirigidas para a recuperação do objeto perdido, e pode ser que, para alcançar
esse propósito, enveredem por um caminho que conduz ao objeto através de sua
parte verbal, vendo-se então obrigadas a se contentar com palavras em vez de
coisas. (FREUD, 1915, p. 208).
Pode-se destacar
que na esquizofrenia, a palavra como coisa é uma tentativa de recuperação do
objeto perdido e uma tentativa de cura pelo meio verbal.
Como esclarece
Simanke (2009), Freud em 1891 havia formulado pela primeira vez os conceitos de
representação da palavra e representação de objeto, mostrando como a “linguagem
adquire significação pela associação com a representação de objeto e, mais
tarde, como esta última ganha acesso à consciência pelo vínculo com a palavra”.
(SIMANKE, 2009, p. 34n).
Assim
consciência e significação surgem como resultado de duas operações simétricas e
inversas “que percorrem os mesmos elementos, do objeto à palavra e da palavra
ao objeto”. A repressão (na neurose) agiria sobre esse vínculo, impedindo o
acesso da representação à linguagem e à consciência. (ibid.)
Por outro lado,
como nos aponta Simanke (2009), na esquizofrenia
a
representação de objeto encontra-se desinvestida, mas presente na fala como a
causa da sensação corporal que a palavra, literalmente, nomeia, sem que se
possa falar propriamente de repressão ou de formação de substitutos como na
neurose. (SIMANKE, 2009, p. 34n).
Freud afirma que
na “demência precoce (parafrenia ou esquizofrenia), condição na realidade
incurável, o paciente fica, nos casos mais graves, num estado evidente de
completa apatia.” (FREUD, 1913, p. 176).
O autor
acrescenta que, frequentemente, “as únicas ações que lhe restam são certos
movimentos e gestos monotonamente repetidos e que têm o nome de ‘estereotipias’”.
(FREUD, 1913, p. 176).
Uma
investigação analítica desse tipo de resíduos, feita por Jung, demonstrou
constituírem os remanescentes de ações miméticas perfeitamente significativas,
as quais, em certa época, expressaram os desejos dominantes do indivíduo. Os
discursos mais loucos e as mais estranhas posturas e atitudes adotadas por
esses pacientes tornam-se inteligíveis e podem ser encaixadas na cadeia de seus
processos mentais, se forem abordados com base em hipóteses psicanalíticas. (FREUD,
1913, p. 176, 177).
De acordo com
Freud, na esquizofrenia a libido retirada do mundo externo “não procura um novo
objeto e refugia-se no ego; isto é, que aqui as catexias objetais são
abandonadas, restabelecendo-se uma primitiva condição de narcisismo de ausência
de objeto”. (FREUD, 1915, p. 201)
Para Freud na
psicose e, portanto, na esquizofrenia, o conflito se dá entre o ego com o mundo
externo. Se por um lado, o prognóstico da esquizofrenia para Freud é uma
inclinação a uma “hebetude afetiva – isto é, em uma perda de toda participação
no mundo externo”. (FREUD, 1924 [1923], p. 169).
Por outro lado,
Freud menciona resultados terapêuticos em esquizofrenias parciais. Além disso,
Freud cita um caso de recuperação de uma paciente que substituiu a
identificação narcisista por amor objetal. (FREUD, 1917 [1915], p. 255).
Outros
psicanalistas posteriores a Freud, aprofundaram a prática clínica com
psicóticos. E com as ideias de Freud como fundamento desenvolveram teorias que
deram continuidade aos pensamentos psicanalíticos iniciados por esse autor.
O diálogo entre as Psicopatologias sobre a esquizofrenia
Nesse
subtema, o propósito da aproximação é dialogar com as psicopatologias sobre a
compreensão da esquizofrenia, considerando a clareza das diferenças de
pressupostos teóricos e terminológicos entre as abordagens da Psicanálise
Freudiana e a Psiquiatria Fenomenológica e respeitando as críticas existentes
entre estas. Nesse sentido, está-se de acordo com a proposta da Psicopatologia
Fundamental nessa interlocução, pois se destacam as contribuições e acréscimos
que tal comparação pode proporcionar ao entendimento da esquizofrenia em Freud.
Convém mencionar
que dentro da psiquiatria há diferentes “abordagens” psicopatológicas. Por
exemplo, como explica Tatossian, o médico psiquiatra organicista possui o
interesse técnico no que é observável, no comportamento material do doente
mental mediado pelo comportamento verbal. O psiquiatra fenomenólogo, por outro
lado, atenta para a experiência do doente mental, a “visão”, “sem a
interposição de um saber teórico pré-determinado”. Esse profissional, segundo o
autor, “não pretende explicar, mas clarificar a experiência psiquiátrica, ou
seja, torná-la transparente quanto à essência”. (TATOSSIAN, 2006, p. 34, 35, 36
e 38).
Narcisismo, a alienação esquizofrênica e o
diagnóstico do autismo como sintoma e como fenômeno
Freud no texto “Sobre
o Narcisismo: Uma Introdução” (1914) afirma que a megalomania e os desvios do
interesse do mundo externo, de pessoas e coisas sem substituição por outro na
fantasia por parte do sujeito são características fundamentais da esquizofrenia.
(FREUD, 1914, p. 82). Narcisismo é um termo que remete ao mito de Narciso, em
síntese, é o amor por si mesmo. (Laplanche e Pontalis, 2001, p. 287).
Referente ao
desinteresse do mundo externo, em “O Inconsciente” (1915) Freud destaca que “a
libido que foi retirada não procura um novo objeto e refugia-se no ego”, ou
seja, “as catexias objetais são abandonadas, restabelecendo-se uma primitiva
condição de narcisismo de ausência de objeto” (FREUD, 1915, p. 201).
Quanto à
megalomania, Freud a define como o mecanismo, o domínio psíquico que permite
uma elaboração da libido que retornou ao ego. Se a megalomania falha, o
represamento da libido no ego torna-se patogênico, então se origina a
hipocondria como processo de restauração. Caso o desligamento dos objetos seja
parcial segundo Freud três fenômenos podem apresentam-se no quadro clínico do
paciente. O primeiro corresponde aos fenômenos residuais que são o que resta do
estado normal do sujeito. O segundo refere-se ao afastamento da libido dos seus
objetos e à megalomania, à hipocondria, às perturbações afetivas e todo tipo de
regressão, que representam o que resta de um estado mórbido. E o terceiro
fenômeno que está relacionado a um restabelecimento. (FREUD, 1914, p. 93).
No conceito de
narcisismo na esquizofrenia introduzido por Freud, a consequência do repúdio
pelo mundo externo é uma completa apatia do sujeito. De acordo com Freud, “a
regressão estende-se não simplesmente ao narcisismo (manifestando-se sob a
forma de megalomania), mas a um completo abandono do amor objetal e um retorno
ao auto-erotismo infantil”. (FREUD, 1911, p. 84).
Tal entendimento
nos remete uma vez mais ao autismo definido por Bleuler como “predominância da
vida interior e desapego ativo do mundo exterior” e também pelo denominado por
Bleuler “pensamento des-real”. (TATOSSIAN, 2006, p. 58).
O autoerotismo,
o autoinvestimento de libido e de amor na esquizofrenia pode ser compreendido
como um autismo com Eros (auto(eros)tismo), da mesma forma que o autismo é um
autoerotismo sem Eros.
Nas palavras de
Berlinck (2008, p. 102),
No
autismo não se observa a presença de Eros, o poder próprio do humano em
estabelecer ligações. Nele, a função materna dá lugar à autoctonia, ao filho
natural, revelando a ausência do “objeto a”, causa do desejo. O autista tem
genitora, mas não tem função materna: é filho natural.
E ao citar
Fédida, Berlinck (ibid.) destaca que “o déficit fundamental do auto-erotismo
refere-se ao fracasso do outro no autos do auto-erotismo”. O autor
(BERLINCK, 2008, p.102) acrescenta outra citação de Fédida
... o
autismo seria subtração de Eros, mas, correlativamente, excesso de autos funcionando de uma certa maneira, privado do
movimento de Eros (...) como o Eros
está ausente (ou derivado), autos é incapaz de encontrar forma através das
formas que só poderão ser engendradas graças à circulação de Eros. (grifo do
autor).
De acordo com
Berlinck, (2008, p. 104), “o autismo é autoerotismo sem Eros”, o autor aponta
também que Bleuler sugeriu o termo “autismo” por subtração de eros da expressão aut(eros)tismo. (p. 103).
Quanto ao
tratamento do autista, Berlinck menciona que
Na
clínica do autismo é necessário, então, que o psicoterapeuta introduza o Eros
no corpo do paciente emprestando a ele seu próprio erotismo, ou seja, é
necessário que o psicoterapeuta realize, em ato, no tratamento, a função
materna que permite a passagem da libido para as pulsões de vida e de morte,
para Eros e Tânatos e, é bom que se diga, isso só ocorre pela palavra
psicoterapêutica do psicanalista. (BERLINCK, 2008, p.107).
Na esquizofrenia
há um autismo, mas há também Eros, no entanto, o Eros está voltado para si
(autoerotismo). Ao passo que no
tratamento do autismo busca-se introduzir Eros, na esquizofrenia, por outro
lado, o trabalho clínico consiste em introduzir o outro (altro) como objeto, e desviar parte do Eros do autodirecionamento
de libido e amor (autoerotismo) a esse outro, para que Eros – as ligações - sejam
possíveis, ou seja, haja a formação de laço, não mais apenas laço consigo
mesmo, mas o laço com o outro, laço social.
Para Freud, o
autoerotismo caracteriza a prática sexual em que a pulsão “não está dirigida
para outra pessoa; satisfaz-se no próprio corpo, é auto-erótica”, em que um exemplo é a masturbação. (FREUD, 1905, p.
170).
No autoerotismo,
o próprio corpo é centro da satisfação do comportamento sexual infantil do
sujeito através de uma ligação entre uma pulsão parcial e o funcionamento de um
órgão ou excitação de uma zona erógena, ou seja, não há recorrência a um objeto
exterior, nem a uma imagem unificada do corpo, característica semelhante ao
narcisismo. (Laplanche e Pontalis, 2001, p. 47).
De acordo com
Tatossian (2006) o autismo na esquizofrenia além de ser um sintoma, é um
fenômeno que manifesta a totalidade que é da “ordem do individual: forma ou
estrutura da vida transformada”,
“modificação
profunda e característica da personalidade humana inteira”, pessoa ou
ser-no-mundo alterado, estilo particular de transcendência – ou, antes, de
ordem comunicativa: forma de encontro, “fato definido de compreensão mútua”
(...) fenômeno “atmosférico”, fenômeno “entre-dois”. (ibid.)
Assim,
essas diferentes visões convergem no ponto comum que é o voltar-se para si e
abandono parcial ou completo do externo na esquizofrenia.
Visto
que diferentemente da psiquiatria orgânica que desconsidera a experiência do
psiquiatra, a psiquiatria fenomenológica propõe a consideração das
manifestações da psicopatologia a partir do psiquiatra e de sua experiência, o
que ajuda a compreensão do fenômeno “entre-dois” na alienação esquizofrênica.
(ibid. p. 42)
Nessa
proposta não há apego ao modelo semiológico para diagnosticar a esquizofrenia,
tampouco seria um “diagnóstico pelo sentimento” ou “diagnóstico pela intuição”,
mas sim como menciona Minkowski trata-se do “diagnóstico pela penetração”.
(ibid. p. 58)
Freud
afirma que na psicose, além da perda do contato com a realidade, há a
substituição por uma neorealidade através do delírio. (FREUD, 1924, p. 209).
Ao considerar o
autismo como global, Minkowski aborda a alienação esquizofrênica como um modo
de vida em que houve uma “perda” ou “ruptura” do contato vital com a realidade, não privilegiando a interioridade,
como fez Bleuler, mas dando ênfase às atividades autistas, que “pressupõem a
incapacidade ao contato vital com o ambiente, o dano da ‘categoria fundamental
do vivido, do sentir, do viver”. Do campo do sentir, Minkowski diferencia a
afetividade-conflito que está relacionada aos sentimentos e paixões de
afetividade-contato que resulta do encontro e das relações humanas que são
manifestações do contato humano e apego da ordem tátil e da “capacidade vital”
do auditivo. (TATOSSIAN, 2006, p. 59, 60).
Outra
interessante distinção que o autor faz com relação ao autismo na esquizofrenia
é a do autismo rico e o autismo pobre. Esse último caracteriza-se pelo
empobrecimento da ação humana normal com distúrbios do pensamento e da
afetividade, ao contrário do autismo rico em que há um acréscimo imaginativo a
essas funções, ainda que em ambos se apresentem “reações de recuo em relação ao
ambiente”. Em que o delírio se estabelece como uma “experiência radicalmente
nova” que se “coloca com dificuldade entre os simples prolongamentos da
deterioração autista”. (ibid. p. 61).
A cura: o delírio, a alucinação e outras tentativas
A criação delirante
pode ser vista como uma “atitude defensiva” e o autismo esquizofrênico como
“uma
impotência e uma necessidade, a necessidade de criar um pseudomundo imaginário
e a impotência decorrente da inversão de relações do Sujeito com o Outro e de
descobrir na esquizofrenia a dupla estrutura negativa e positiva do
órgão-dinamismo”. (TATOSSIAN, 2006, p. 62).
Para Freud os delírios
psicóticos são uma tentativa de cura, “de restabelecimento”, “de restauração”.
(FREUD, 1911, p. 84).
Esse autor
aponta também como tentativa de cura por parte do paciente a já citada hipocondria,
que pode apresentar-se na fala com “referências a órgãos corporais ou a
inervações quase sempre” com “proeminência no conteúdo dessas observações”, em
que “a manifestação oral esquizofrênica exibe uma característica hipocondríaca:
tornou-se ‘fala do órgão’” ou “fala
hipocondríaca” (FREUD, 1915, p. 202-3).
Outra tentativa
de cura, também já mencionada, mas que requer maior aprofundamento, é a
apresentação da palavra como coisa (FREUD, 1915,
p. 208) cuja formação, característica da esquizofrenia, Freud diferencia do
processo de elaboração de sonhos. Na formação dos sonhos há contribuição dos
restos diurnos na medida em que
os
pensamentos são transformados em imagens, principalmente de natureza visual;
isto é, as apresentações da palavra são levadas de volta às apresentações da
coisa que lhe correspondem, como se, em geral, o processo fosse dominado por
considerações de representabilidade (FREUD, 1917[1915], p.235-6).
Quando a regressão
dos resíduos pré-conscientes do dia é concluída, “resta grande número de
catexia no sistema Ics. – catexias de
lembranças de coisas” Então,
Leva-se o processo psíquico primário a relacionar-se com essas
lembranças, até que, pela condensação destas e pelo deslocamento entre suas
respectivas catexias, tenha plasmado o conteúdo onírico manifesto. Somente
quando as apresentações da palavra que ocorrem nos resíduos do dia são resíduos
recentes e costumeiros de percepções, e não a expressão de pensamentos, é que
são tratadas como apresentações da coisa, e sujeitas à influência da
condensação e do deslocamento (ibid.)
No entanto, as
falas e as palavras do conteúdo do sonho não constituem novas formações mas
seguem o modelo de falas do dia que precedeu o sonho (ou de outras
impressões recentes, tal como algo que se leu). É notável quão pouco a
elaboração do sonho obedece às apresentações da palavra; ela está sempre pronta
a trocar por outra até encontrar a expressão mais conveniente para
representação plástica (ibid.).
Por outro lado,
na esquizofrenia “as palavras estão sujeitas a um processo igual ao que
interpreta as imagens oníricas dos pensamentos oníricos latentes”, o processo
psíquico primário (FREUD, 1915, p. 203-4). Porém, nessa psicopatologia
o que se torna objeto de modificação pelo processo primário são as
próprias palavras nas quais o pensamento pré-consciente foi expresso; nos
sonhos, o que está sujeito a essa modificação não são as palavras, mas a
apresentação da coisa à qual as palavras foram levadas de volta. Nos sonhos
existe livre comunicação entre catexias da palavra (Pcs) e catexia da coisa (Ics.),
enquanto é uma característica da esquizofrenia que essa comunicação seja
interrompida (FREUD, 1917[1915], p.235-6).
Segundo Freud, o
processo onírico termina quando o conteúdo do pensamento que se transformou e
foi elaborado como fantasia de desejo, torna-se consciente como uma percepção
sensorial. Nesse sentido, o desejo onírico é alucinado, e como alucinação
recebe crença de realidade.
A fase
alucinatória da esquizofrenia (...) parece ser, em geral, de natureza composta,
mas em sua essência poderia corresponder a uma nova tentativa de restituição,
destinada a restaurar uma catexia libidinal às idéias de objetos. (FREUD,
1917[1915], p.235-6).
Portanto, para
Freud as alucinações também são tentativas de cura por parte do sujeito
esquizofrênico.
E como nos
aponta Simanke (2009, p. 166), na formação dos sintomas esquizofrênicos
prevalece a referência à palavra sobre a referência à coisa.
Outra tentativa
está presente na catatonia, por exemplo, os distúrbios psicomotores dos
esquizofrênicos “são tentativas de reconstrução: a tendência à simetria das
atitudes ensaiaria restabelecer uma aparência racional e ordenada”. (TATOSSIAN,
2006, p.100).
O termo cura
para a medicina consiste na eliminação dos sintomas e inclusive dos delírios e
alucinações. Implica restituir, consertar com o objetivo de alcançar o
funcionamento esperado, a normalidade.
Na língua
portuguesa, a cura é definida como “ato ou efeito de curar-se”,
“restabelecimento da saúde”, “tratamento” e “vigário da aldeia”. Curar
significa “restabelecer a saúde de”, “debelar (doença)”, “fazer (alguém) perder
defeito moral ou hábito prejudicial”, “secar ao calor, ou ao fumeiro”
“restabelecer-se, sarar”. (Ferreira, 200, p. 198).
Freud advertiu
aos psicanalistas a respeito do furor
sanandi o desejo de sarar a qualquer preço. No entanto, ele não se referia
à cura no sentido mais amplo, pois a palavra curar vem do latim e significa cuidado.
(HERRNANN, 2000, p. 428). Mas se referia à loucura de sarar sem considerar as
consequências, por exemplo, ao retirar totalmente com medicações sintomas como
delírios e alucinações, retira-se também a possibilidade de compreensão,
elaboração e sentido, que poderiam ser trabalhados junto com o paciente a
partir dessas manifestações. Reconhece-se a necessidade e utilidade das
medicações antipsicóticas, a crítica aqui se refere aos excessos de medicações
nas prescrições médicas.
No tratamento de
psicopatologias graves como a esquizofrenia, faz-se necessário aprender com a
redução fenomenológica a “suspender todas as teses de valor”, portanto, toda
normatividade ideal ou estatística. No entanto, sem desconsiderar os muitos
aspectos negativos da loucura como, em termos fenomenológicos, a “restrição
existencial, alteração do ser-no-mundo, incapacidade de transcendência e perda
da mundanização”. Pois, “o objeto da psicopatologia não é o simples desvio de
comportamento, quer dizer do comportamento desviante”, o que caracteriza o ser
sadio é “o que pode impedir a autonomização, ou a persistência temporal do
comportamento desviante e não a ausência de sua potencialização ou realização” (TATOSSIAN,
2006, p.46).
Agora em termos
estatísticos: não é o desvio da curva normal que definiria a doença do sujeito
esquizofrênico, a doença deve ser considerada a partir das implicações que traz
à vida da pessoa, seus familiares e para a sociedade como um todo. Não é a
estrutura psíquica que determina a doença, mas sim o estado de crise, um
neurótico em crise está doente, um psicótico fora da crise pode não estar em
estado doentio. Pois há psicóticos que lidam melhor com sua psicose do que
neuróticos com sua neurose.
A cura: tratamento e transferência na esquizofrenia
em Freud
Como mostra Joel
Birman (1980) no livro de Antônio Quinet, Freud reconhecia um saber do paciente
no sintoma, no delírio, e em decorrência essa “era a via possível para a
terapêutica das psicoses”, o que certamente escandalizava os psiquiatras da
época (QUINET, p. 27).
Em 1909, Freud
afirma que a demência precoce ou esquizofrenia é um estado incurável por
quaisquer esforços por parte dos psicanalistas (FREUD, 1909, p. 97). A razão de
tal consigna ele esclarece, por exemplo, em 1914: a incapacidade de
transferência (FREUD, 1914, p. 201), e mais especificamente em 1925, em que
explica que “o estudo analítico das psicoses é impraticável devido à sua falta
de resultados terapêuticos”. Pois segundo o autor, esses pacientes mentais, “em
geral, não tem a capacidade de formar uma transferência positiva, de modo que o
principal instrumento da técnica analítica é inaplicável aos mesmos” (FREUD,
1925[1924], p. 63).
No entanto, o
amor objetal em substituição à identificação narcísica é citado por Freud na recuperação
de uma jovem esquizofrênica (FREUD, 1917[1915], p. 255).
Se a palavra cura for considerada como cuidado no significado do latim, seu
idioma original pode-se dizer que a psicanálise cuida, portanto que a psicanálise cura.
Esquizofrenia e Laço social
O
dicionário Aurélio (FERREIRA, 2000, p. 291) define a esquizofrenia como o
“grupo de distúrbios mentais que, basicamente, demonstrem dissociação e
discordância das funções psíquicas, perda da unidade da personalidade, ruptura
de contato com a realidade”.
A esquizofrenia
pode ser, segundo essa definição, um desenlace entre as funções psíquicas, um
desenlace da personalidade, em fragmentos, e um desenlace do sujeito com a
realidade. É a esquizofrenia um desligamento do sujeito com ele mesmo e com o
mundo?
Por outro lado,
o laço é definido pelo mesmo dicionário (FERREIRA, 2000, p. 415) como “nó que
se desata sem esforço, e apresenta uma, duas ou mais alças”; “aliança,
vínculo”; “armadilha” e ainda “corda lançada para prender o gado”.
O laço com o
outro, laço social pode ser vivido como uma união agradável, sentido como o
calor de abraços ou pode ser experimentado como uma frustração insuportável,
uma realidade hostil, uma verdadeira armadilha que prende o ser humano, da qual
o indivíduo quer fugir a qualquer preço.
Então, na
esquizofrenia, é o (des)ligamento sempre prejudicial? Como se dá o (des)prender
do laço social? Como entender esse (des)envolvimento? Há um recombinar,
reconciliar? Como compreender o (des)enlace social?
Laço Social: transferência e delírio psicótico em Freud
Segundo Sigmund
Freud a dificuldade do sujeito esquizofrênico em estabelecer laço
transferencial impossibilita a viabilização do tratamento clínico psicanalítico
(FREUD, 1914, p. 201). Visto como uma possibilidade de laço social com o
analista, o laço transferencial para Freud não se forma. Portanto, esse laço
social não se estabelece, sendo o analista um representante do meio social em
que está integrado.
No entanto, o
delírio como uma nova realidade (FREUD, 1911, p. 84), em substituição a
realidade hostil vivida pelo esquizofrênico é uma tentativa de restauração e
cura, que pode ser considerado também como uma tentativa de reorganização para
o restabelecimento do laço social.
Em “Neurose e
Psicose” (1924[1923], FREUD p. 167-8), Freud explica que a psicose (inclusive a
esquizofrenia) é o resultado de um conflito entre o ego e o mundo externo.
Freud acrescenta que o ego de acordo com os impulsos desejosos do id, cria um
novo mundo tanto externo quanto interno, em substituição à realidade
apresentada como frustração intolerável.
Nesse texto,
acima citado (ibid. p. 169), Freud afirma também que a esquizofrenia inclina-se
“a acabar em uma hebetude afetiva – isto é, em uma perda de toda participação
no mundo externo”.
À relação que se
rompe do sujeito esquizofrênico com o mundo externo, muitas vezes, inclui-se o
relacionamento com a realidade e com o outro, ou seja, há um rompimento
completo ou parcialmente do laço social durante o surto esquizofrênico. No entanto, o psicótico não está sempre em
surto. Mas, nesse período tal ligamento talvez esteja ausente.
Segundo Freud
(ibid.) os delírios surgem como um “remendo no lugar em que originalmente uma
fenda apareceu na relação do ego com o mundo externo” e se o conflito do ego
com o mundo externo não se faz visível na atualidade, isso ocorre devido a que
as manifestações do processo patológico são “recobertas por manifestações de
uma tentativa de cura ou uma reconstrução” – o delírio.
Em “A perda da
realidade na neurose e na psicose” (FREUD, 1924, p. 205), Freud reafirma que na
psicose o ego se afasta de um fragmento da realidade, cujo fator decisivo de
predominância é o id.
Freud distingue
duas fases presentes na psicose. A primeira fase “arrastaria o ego para longe”
da realidade, a segunda tentaria reparar o dano causado e restabelecer, com a
criação de uma nova realidade, as relações do indivíduo com a realidade às
expensas do id. (ibid. p. 206).
A importante
contribuição de Freud mostra que na psicose a fuga inicial da realidade é
sucedida por uma fase ativa de remodelamento, pois o psicótico repudia a
realidade e a tenta substituir. (ibid. p. 207)
Para Freud,
em uma psicose, a
transformação da realidade é executada sobre os precipitados psíquicos de
antigas relações com ela – isto é, sobre os traços de memória, as ideias e os
julgamentos anteriormente derivados da realidade e através dos quais a
realidade foi apresentada na mente. Essa relação, porém, jamais foi uma relação
fechada; era continuamente enriquecida e alterada por novas percepções. Assim,
a psicose também depara com a tarefa de conseguir para si própria percepções de
um tipo que corresponda à nova realidade, e isso muito mais radicalmente se
efetua mediante a alucinação. (ibid.)
Porém, para
Freud, a representação da realidade não pode ser remodelada em formas
satisfatórias, pois a criação de uma nova realidade é parcialmente mal
sucedida. A ênfase que incide no primeiro passo (arrastar o ego para longe da
realidade), para o autor “é patológica em si própria e só pode conduzir à
enfermidade”. Nesse conflito inicial, o ego rendeu-se à sua dependência do
id. (FREUD, 1924, p. 208).
Como nos
esclarece Simanke (2009, p. 183), de acordo com Freud a psicose renega a
realidade e a procura substituir. “A renegação da realidade torna-se, assim,
uma pré-condição da reconstrução do mundo efetuada pelo delírio”. (SIMANKE,
2009, p.183). A renegação é nesse sentido um dos mecanismos de defesa contra a
castração. (SIMANKE, 2009, p. 211)
Nesse
contexto, insere-se a alucinação, cuja função é fornecer percepções tais que
correspondem à realidade a ser reconstituída, na exata medida em que o acervo
de registros (memória) da informação perceptiva anterior, incompatível com a
fantasia de desejo, havia anulado pelo processo defensivo. (SIMANKE, 2009, p.
183).
A nova realidade
criada de acordo com os desejos do indivíduo substitui a realidade
desagradável. O mundo imaginário é o recurso pelo qual derivam os materiais ou
o padrão para tal construção. (FREUD, 1924, p. 209)
Ao passo
que o novo e imaginário mundo externo de uma psicose tenta colocar-se no lugar
da realidade – um fragmento diferente contra o qual tem que defender-se -, e
emprestar a esse fragmento uma importância especial e um significado secreto
que nós (nem sempre de modo apropriado) chamamos de simbólico. (ibid.)
Quanto à ruptura
do “laço” objetal, Volich no livro de Berlinck (BERLINCK, 1999, p. 54) afirma
que a “perda do interesse pelos objetos e pelo mundo objetal inviabiliza a vida
psíquica, e esse desinvestimento representa uma verdadeira ameaça vital”.
Ao citar A.
Green, Volich menciona que a “função objetalizante e de ligação das pulsões de
vida, em oposição à função desobjetalizante e de desligamento da pulsão de
morte” possui grande importância. E as “consequências da atividade de formas de
destrutividade não ligadas” que se podem manifestar nas psicoses é a
desintegração do ego. (ibid.)
Às vezes, romper
com a realidade, e consequentemente, com o laço social é uma defesa. É o que
permite a sobrevivência do sujeito esquizofrênico. Manter o laço é
insuportável, então, o indivíduo o rompe para preservar a continuidade de sua
existência como humano.
Romper laços
pode proporcionar crescimento e amadurecimento, desde que novos sejam atados
(ainda que precariamente através de um delírio). O desenlace social pode
provocar o absoluto isolamento, destruição do convívio social, e se não
houvesse um movimento de recriar, poderia significar a destruição do ego e
morte do sujeito.
No entanto, há
na esquizofrenia não apenas uma perda da realidade, mas também uma substituição
por uma nova realidade.
Nesse sentido a
esquizofrenia não apresenta apenas perdas, como as já consideradas, perda
cognitiva, perda do convívio social e perda afetiva ao paciente. Os sintomas
negativos significam perdas.
Porém, toda
perda implica um ganho. Não apenas os sintomas positivos, delírios e
alucinações são ganhos. O esquizofrênico vive experiências, sentimentos,
sensações, compreensão e atribuição de sentidos sob uma perspectiva que somente
a esquizofrenia pode proporcionar.
Além disso, um
ganho adicional são os recursos que o sujeito precisa criar e inventar para
lidar e suportar o imensurável sofrimento que acompanha essa psicopatologia. A
esquizofrenia não é apenas uma grande doença mental pode ser também, de certa
forma, vantagem mental.
Laço social: psicose e laço familiar
Nesse item se
considerará a contribuição de D. W. Winnicott, um psicanalista posterior a
Freud, que apresentou uma proposta de intervenção para pacientes psicóticos e
publicou alguns de seus casos clínicos no capítulo “Os efeitos da psicose sobre
a vida familiar” do livro A família e o
desenvolvimento individual.
Winnicott
(WINNICCOTT, 1909, p. 47-8) definia a demência
precoce como uma defesa em que, se há um vislumbre da manifestação do
interesse pelo mundo externo, “constata-se que o mecanismo lógico está
intacto”. E que “tais manifestações intermitentes da inteligência tão bruscas e
totais quanto as que observamos na demência precoce seriam inimagináveis numa
demência orgânica”.
Segundo o autor,
essa psicopatologia
canaliza para o eu todo o interesse e toda energia afetiva retirada do
mundo externo; é o que explica as ideias de grandeza, os hábitos infantis, a
revivescência dos modos de satisfação auto-eróticos, a irresponsabilidade em
face de exigência culturais, a anulação, a rejeição quase total do mundo
externo. (ibid.)
Para Freud, o
funcionamento pulsional é responsável pelo desenvolvimento psíquico. Para
Winnicott, os processos de constituição do ego e do self para participar do funcionamento pulsional necessitam de um
espaço intra-psíquico já delimitado e o meio é fundamental na construção desse
espaço. (SOUZA, 1996, p. 11)
Quanto às
psicoses, para Winnicott, se referem “a um momento de não-integração, anterior
à reunião de um self, a uma fase de
dependência absoluta onde ocorreram falhas de adaptação no âmago da unidade
mãe-bebê”. (DIAS, 1994, p.73)
A proposta
terapêutica de Winnicott para as psicoses consiste no oferecimento de um setting flexível que possa reproduzir as
mais antigas técnicas de maternagem possibilitando uma regressão, um retorno
organizado à dependência inicial, que resulta para o paciente em uma sensação
de um novo sentido do self que se
submete ao ego total. Há o descongelamento de uma situação de fracasso
ambiental e a raiva sentida naquela ocasião passa a ser presente e expressa.
Logo, há um retorno da regressão à dependência, em um processo em direção à
independência. Por fim, as necessidades e desejos pulsionais tornam-se
realizáveis com vitalidade e vigor genuínos. (WINNICCOTT, 1978, p. 464)
Segundo
Winnicott “muitas famílias se desfazem devido à carga da psicose sobre um de
seus membros, e que a maior parte dessas famílias provavelmente permaneceria
unida se pudesse ser aliviada” de uma carga de tão alto e insuportável grau de
sofrimento. (WINNICCOTT, 1960, p. 90)
Em um primeiro
caso clínico apresentado por Winnicott, ele cita que “o menino desde muito cedo
deu mostras de ser muito inteligente e psicótico.” O menino era a caricatura do
pai e invertia as relações. Porém, nesse caso a psicose do filho “amarrou” os
pais a uma não separação, o que, segundo o autor, impossibilitou a continuidade
do crescimento de todos como indivíduos e aos pais que decidiram ficar juntos
para cuidar do menino a um círculo vicioso. (ibid.)
Winnicott
descreve vários interessantes casos, dentre esses o de uma menina de treze
anos, com delírios paranoides e pai político, em que romper o laço familiar
resultou no bem da paciente. Foi cuidada por enfermeiras, jamais pode voltar
para casa, pois em um momento que retornou, as perturbações voltaram. Distante
da casa tornou-se enfermeira. (ibid. p.96)
Winnicott afirma
que o analista que trata o paciente esquizofrênico, encontra-se envolvido “na
elucidação de uma cisão na pessoa do paciente, o extremo de uma dissociação”.
(WINNICCOTT, 1968, p. 152)
Para a
psicoterapia da esquizofrenia, Winnicott acrescenta que se deve ajudar a
“proporcionar a confiabilidade que o paciente pode usar, no sentido de que pode
anular as defesas que foram erguidas contra a impredizibilidade e as
calamitosas consequências em termos de horror a ser experienciado”. Pois se se
alcança êxito, capacita-se o paciente a abandonar a invulnerabilidade e a
tornar-se um sofredor. (ibid. p. 155)
Nesse primeiro
momento, pode-se concluir que o laço social na esquizofrenia às vezes pode ser
reconstruído, durante o surto através do delírio, após o surto talvez através
da análise.
Também, o
rompimento do laço social nem sempre é totalmente prejudicial, pois às vezes,
como no exemplo clínico, serve para o benefício e sobrevivência do paciente.
Esquizofrenia e laço social em Freud
Em “Psicologia
de grupo e a análise do ego” (FREUD, 1921, p. 81), Freud afirma que a
psicologia individual é ao mesmo tempo psicologia social, o autor amplia os
fenômenos sociais às relações do indivíduo com os pais, irmãos, objeto de amor
e com seu médico ou analista, em contraste com os processos narcisistas, em que
a satisfação dos instintos é parcial ou totalmente retirada da influência de
outras pessoas.
Nesse segundo
caso, os atos narcisistas, Freud (ibid.) menciona que Bleuler [1912] “talvez os
chamasse de ‘autísticos’”. E como já considerado nesse trabalho, na
esquizofrenia o funcionamento predominante é narcísico, e há autismo com Eros,
mas voltado para si, ou seja, autoerotismo. Também, na esquizofrenia parece
ausentar-se a relação do sujeito esquizofrênico com o objeto. No entanto,
vejamos como o esquizofrênico, muitas vezes, livre da influência grupal,
influência de outras pessoas, possui aumento do seu grau de liberdade.
Ao mencionar a
descrição de Le Bon da mente grupal, Freud (ibid.) explica que se os indivíduos
de um grupo se combinam em uma unidade, deve haver algo que os une e esse elo
poderia ser a coisa que caracteriza o grupo. Para Le Bon, no grupo a
distintividade se desvanece, o que é heterogêneo passa a ser homogêneo, e como
característica do grupo, o contágio se apresenta em sentimento e ato e, às
vezes, contrário às apresentações do indivíduo isolado. (FREUD, 1921, p. 84,
85). Freud menciona a falta de liberdade do indivíduo no grupo, em que cada um
está preso em duas direções por um “laço emocional tão intenso que não
encontraremos dificuldade em atribuir a essa circunstância a alteração e a
limitação que foram observadas em sua personalidade” (FREUD, 1921, p. 107). Nesse
sentido, a excentricidade do esquizofrênico se destaca como a liberdade de ser
diferente e não influenciado pelas pessoas do grupo que não o pertencem.
Mas, e se fosse
formado um grupo de pacientes esquizofrênicos com o tratamento como elo e
objetivo? Essa experiência foi vivida pela pesquisadora como coordenadora em um
grupo terapêutico de reflexão com pacientes esquizofrênicos na Casa de Saúde
São João de Deus, sob a supervisão clínica de Manoel Tosta Berlinck e a
coordenação de José Waldemar Thiesen Turna, vivência que possibilitou associar essa
prática clínica à elaboração teórica de Freud sobre a psicologia de grupos ou
psicologia de massa, antes, porém, convém relatar brevemente uma das sessões de
tal experiência.
Grupo terapêutico de reflexão
Freud menciona
que um grupo está sujeito ao poder “mágico” das palavras que podem suscitar “as
mais formidáveis tempestades na mente grupal, sendo também capazes de
apaziguá-las”. (FREUD, 1921, p. 90).
“Apaziguar as
tempestades da mente por meio das palavras” é a frase que melhor traduz a
experiência clínica vivenciada com os pacientes esquizofrênicos e a
pesquisadora como uma dos coordenadores do grupo de reflexão.
Para
compartilhar essa vivência, escolheu-se como relato o primeiro dia em que a
pesquisadora participou como coordenadora do grupo terapêutico de reflexão.
O encontro
No dia
14/01/2013, após a pesquisadora e José Waldemar passarem pelas alas do hospital
e cumprimentarem os pacientes e a pesquisadora conhecer o lugar e as pessoas,
ambos foram buscar os pacientes nas alas.
A juventude, a
força física e psíquica desses pacientes lembram-nos os deuses da mitologia
grega, bem como já considerada, a similaridade do que ocorre na vida mental dos
esquizofrênicos coincide com mitos populares. (FREUD, 1914, p. 87)
Nesse momento de
encontro, tornou-se relevante a formação de um laço: um paciente, Hermes –
mensageiro dos deuses (nome fictício para preservar a identidade do paciente e
manter sigilo), convidou outro paciente Alfeu (nome fictício) para participar
do grupo terapêutico. Alfeu havia chegado há pouco tempo na Casa da Saúde e
aceitou o convite, esteve presente no grupo.
Após reunirmos
os pacientes, descemos todos juntos ao espaço terapêutico. José Waldemar trouxe
água, café, açúcar e adoçante.
No início da
conversa do grupo, José Waldemar noticiou que havia duas pessoas novas no
grupo, Alfeu - o novo paciente, e então, eles se questionaram quem era a outra
nova pessoa. Um dos pacientes referiu à nova “psicóloga”, que começou a
apresentar-se e disse ser da Psicologia e estar no início do trabalho voluntário,
mas destacou sua disposição em ouvi-los e contribuir de alguma forma no que for
possível.
Alfeu contou
sobre sua história. Começou a ouvir vozes paralelamente a frequentar igrejas
evangélicas. Ouvia as interpretações, a palavra de Deus e as vozes, e falava
línguas estranhas. Disse também não possuir o próprio corpo, os próprios
movimentos, e interpretou as reações de um policial como ameaça a um movimento
descontrolado do corpo do paciente.
Morfeu – deus
dos sonhos (nome fictício) foi o próximo a se apresentar. Morfeu estava
internado há quase um ano e tinha violentas crises diárias. O mais marcante
nesse paciente é a imagem de tigre pisando em seu peito e gerando angústia,
imagem que ele descobriu em uma sessão de hipnose que havia se submetido no
hospital.
Outro paciente a
se apresentar foi Dioniso (nome fictício) que disse que antes estava tagarela e
agitado, mas que agora estava tranquilo. Citou que pediu um diagnóstico ao
médico que disse que Dioniso estava internado devido ao seu uso de drogas.
Dioniso mencionou sentir-se aprisionado. A pesquisadora então lhe perguntou o
quanto mais aprisionado ele se sentiria se encontrasse um diagnóstico, não é o
diagnóstico mais uma visão do outro sobre ele? E como podemos ver a nós mesmos,
ter nossa própria visão?
Depois, Hermes
apresentou-se. O surpreendente nesse paciente é que ele disse ter conseguido
“espantar” as vozes, e descreveu uma “técnica” um “meio” (sic) para tal “fim”
(sic) – uma técnica com palitos de fósforo. Ele mencionou também sua
necessidade de tentar “traduzir o que pensa, o que sente e o que vive em
palavras” (sic). Mencionou que seu apelido era “I am” (sic) e com certo humor disse que: “se sou ‘I am’ os outros pacientes eram ‘I will’” (sic). Excelente tradução e
elaboração. Ele é. Os outros que o apelidam, segundo ele, ainda serão.
Ares – deus da
guerra (nome fictício) foi o próximo a apresentar-se contando sua história
sobre o surto em que vozes diziam que ele não é filho do pai e que o pai o
abusava sexualmente. Relatou que, de fato, descobriu depois que não é filho do
pai (é filho adotivo), mas que o abuso foi uma alucinação. Relatou que às vezes
as pessoas falam mal dele e riem. O quanto somos afetados com as reações dos
outros? Como reagimos? Como nos sentimos? Foram questões pensadas e verbalizadas.
Reflexões pós-clínicas
O conteúdo
religioso, o corpo em fragmentos, a necessidade de traduzir, interpretar um
código – temas presentes, alguns nas vozes que os pacientes relatam ouvir, mas
acima de tudo presentes nas falas desses pacientes, fazem-nos pensar em
especial em um personagem bíblico: Moisés.
No paciente Alfeu,
há a característica de Moisés de “profeta” – Alfeu tinha visões de anjos,
falava em línguas diferentes, ouvia as interpretações da Palavra de Deus, mas
também ouvia vozes - de demônios? – questionou outro paciente – Não, pois Alfeu
diz ser da “doença” (sic). Ele reconhece-se como doente e relata a experiência
do corpo em fragmentos, corpo em pedaços que ele não controla, não domina,
corpo mosaico que é formado por inúmeros pedacinhos, mas que, no entanto, se
nos distanciarmos veremos que compõe um todo.
Morfeu também
tem seu aspecto Moisés, porém diferentemente do Moisés de Michelangelo citado
por Freud que se contém em quebrar as tábuas da Lei dos dez mandamentos, esse
paciente tem crises em que não só quebra as leis como quebra, agride e
arrebenta o companheiro de quarto e os objetos e precisa ser contido
fisicamente.
Quanto ao
mensageiro dos deuses – Hermes e sua relação com a tradução, há sua necessidade
de interpretar o código para os demais, para os “israelitas”, uma tradução
verbal e então o coordenador sugeriu uma expressão escrita – uma possível
tradução do “código” de sua vivência por escrito.
Essa foi a
primeira de várias sessões que a coordenadora-pesquisadora participou, algumas
vezes conduzindo sozinha o grupo, e que resultou em uma excelente experiência
clínica que trouxe reflexões para a presente pesquisa e possibilitou relações
com a teoria freudiana que serão consideradas a seguir.
O grupo terapêutico de reflexão e a “Psicologia de
grupo e a análise do ego”
Citando
McDougall (1920), Freud destaca que os indivíduos de um grupo devem ter algo em
comum uns com os outros, seja o interesse comum em um objeto, seja uma
inclinação emocional semelhante em uma situação e ‘certo grau de influência
recíproca’, ou ainda, ‘homogeneidade mental’ para que os indivíduos constituam
um grupo psicológico. (FREUD, 1921, p. 94, 95). Todos os pacientes do grupo
terapêutico eram do sexo masculino, e a maioria possuía em comum o funcionamento
esquizofrênico, o que permitiu notáveis manifestações na mente grupal.
Outro aspecto da
vivência clínica no grupo de reflexão que converge à teorização grupal de Freud
foi a exaltação ou intensificação de emoção produzida em cada membro do grupo,
em que houve contágio emocional, aumento da excitação e da carga emocional dos
pacientes, especialmente quando estavam presentes apenas as coordenadoras
mulheres.
McDougall
(FREUD, 1921, p. 96) destaca ainda cinco aspectos necessários para a elevação
da vida mental coletiva a um nível mais alto, que foram observados também no
decorrer do grupo terapêutico de reflexão.
O primeiro
aspecto refere-se a certo grau de continuidade de existência no grupo, quer
seja material – quando os mesmos indivíduos persistem no grupo por certo tempo,
quer seja formal, “se se desenvolveu dentro do grupo um sistema de posição fixa
que são ocupadas por uma sucessão de indivíduos” (ibid.). A continuidade da
presença dos pacientes no grupo terapêutico findava apenas com a alta médica, ou
com breves interrupções voluntárias e momentâneas dos pacientes, ou quando um
dos membros do grupo estava de alguma forma, impossibilitado de estar presente
devido a uma crise ou mal estar.
A segunda
condição é que entre cada membro do grupo se forme alguma “ideia definida da
natureza, composição, função e capacidades do grupo, de maneira que, a partir
disso, possa desenvolver uma relação emocional com o grupo como um todo”.
(ibid.). No grupo terapêutico de reflexão, a relação emocional desenvolvida com
o tempo foi o afeto, em que os membros do grupo algumas vezes se abraçavam ou
consolavam e acalmavam um dos componentes que se exaltava.
O terceiro
aspecto para a elevação da vida mental coletiva, mencionada por McDougall
(FREUD, 1921, p. 97), é que o grupo deva ser colocado em interação com outros
grupos semelhantes, mas que dele difiram em muitos aspectos. Quanto a esse
ponto, as questões trabalhadas no grupo terapêutico de reflexão, às vezes
repercutiam em outros grupos, como o grupo de recepção de novos pacientes em
que participavam, além dos novos, também alguns dos mesmos pacientes do grupo
terapêutico de reflexão, e como exemplo, a compreensão compartilhada por um dos
membros e elaborada no grupo de reflexão - que a internação não era uma prisão
ou um castigo, mas sim uma forma de tratamento.
O quarto aspecto
é que “o grupo possua tradições, costumes e hábitos, que determinem a relação
de seus membros uns com os outros” (ibid.). Um dos hábitos do grupo era tomar
café em cada sessão, disponibilizado pelos coordenadores, outro hábito mais
esporádico era aos que fumavam, no término da sessão, disponibilizavam-se
cigarros para fumarem na área externa, algo interessante de se notar era que
mesmo os não fumantes gostavam de acompanhar o grupo estando presentes sem
fumar, ou seja, para fazerem companhia aos fumantes e aos coordenadores. (Seria
essa uma indicação de possível formação de laço?).
Por fim, o
quinto aspecto que fortalece a vida mental coletiva e afastam as desvantagens
das funções de seus constituintes é que “o grupo tenha estrutura definida,
expressa na especialização e diferenciação” de seus membros. Apesar da quase
unanimidade do diagnóstico de esquizofrenia, cada participante do grupo terapêutico
é valorizado como indivíduo singular, único, diferenciado e digno de escuta. De
forma que foi superado um dos desafios apontados por Freud que seria conseguir
agregar ao grupo aqueles aspectos que eram característicos do indivíduo, mas
que no grupo se extinguiriam, pois fora do grupo, “o indivíduo possuía sua
própria continuidade, sua autoconsciência, suas tradições, e seus costumes,
suas próprias e particulares funções e posição” e inclusive suas crenças e
motivações religiosas. (FREUD, 1921, p. 97).
Esquizofrenia e laço religioso
Ainda sobre
psicologia de grupo ou psicologia de massa, Freud ressalta que há dois grupos
artificiais: a igreja e o exército, e aqui se faz relevante acrescentar que
alguns pacientes esquizofrênicos do grupo terapêutico de reflexão parecem
estabelecer (mesmo que delirante) o que Freud chama de “laço com Cristo” como
líder da igreja cristã, que tem como consequência o “laço que une uns aos
outros” na irmandade e comunidade religiosa. Talvez, tratando-se então do que o
autor denomina um “laço grupal, e não mais laço simples”. (FREUD, 1921, p.
105).
Freud menciona,
em outras palavras, que nesses dois grupos artificiais (a igreja e o exército),
“cada indivíduo está ligado por laços libidinais” por um lado ao líder –
Cristo, o comandante – chefe, e por outro, aos demais membros do grupo
religioso. Freud destaca então, a importância do líder na psicologia de grupo. (FREUD,
1921, p. 107). Além disso, Freud menciona que no laço religioso, o
enfraquecimento dos laços libidinais que dele dependem perde as forças se outro
laço grupal tomar o lugar de religioso. (ibid. p. 110). Haveria possibilidade
de substituir o laço delirante por outro laço grupal?
Esquizofrenia e laço com o outro
Freud esclarece
que a “simples reunião de pessoas não constitui um grupo” enquanto esses laços
– laço com o líder e entre os membros do grupo - não se estiverem estabelecido
nele, por outro lado, Freud reconhece que “em qualquer reunião de pessoas a
tendência a formar um grupo psicológico pode muito facilmente vir à tona”.
(FREUD, 1921, p. 111).
Nas relações com
o outro, convém aprendermos com o símile schopenhaueriano citado por Freud, em
que os porcos-espinhos para não se congelarem, teriam que tolerar uma
aproximação íntima com o próximo.
Um grupo
de porcos-espinhos apinhou-se apertadamente em certo dia frio de inverno, de
maneira a aproveitarem o calor uns dos outros e assim salvarem-se da morte por
congelamento. Logo, porém, sentiram os espinhos uns dos outros, coisa que os
levou a se separarem novamente. E depois, quando a necessidade de aquecimento
os aproximou mais uma vez, o segundo mal surgiu novamente. Dessa maneira foram
impulsionados, para trás e para frente, de um problema para o outro, até
descobrirem uma distância intermediária, na qual podiam mais toleravelmente
coexistir. (Parerga und Paralipomena,
Parte ll, 31, ‘Gleichnisse und Paraben’.). (FREUD, 1921, p. 112n).
É preciso, de
fato, encontrar uma relação com o outro que seja suportável, não tão perto que
possa ferir-nos e não tão longe que nos congele – encontrar certa distância,
mas que permita que o relacionamento ocorra e se sustente. Estabelecer uma
transferência que não seja nem ‘colada’ no outro, como alguns autores pensam
ser a transferência na psicose, nem inexistente como pensava Freud; é
necessária a busca por uma relação que não se localize nos extremos nem nos
excessos.
Segundo Freud,
as provas da psicanálise
demonstram
que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas que perdura por
certo tempo – casamento, amizades, as relações entre pais e filhos – contém um
sedimento de sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção
em consequência da repressão. (FREUD, 1921, p. 112).
Se
imaginarmos que no funcionamento do esquizofrênico não opera o mecanismo da
repressão do mesmo modo que no funcionamento neurótico, entenderemos o porquê a
relação com o outro para o esquizofrênico é tão aversiva e hostil.
Compreenderemos também, de acordo com Freud, que o amor a si mesmo do
narcisismo trabalha para a proteção e preservação do indivíduo. (FREUD, 1921,
p. 113).
No entanto,
Freud afirma que
quando um
grupo se forma, a totalidade dessa intolerância se desvanece, temporária ou
permanentemente, dentro do grupo. (...). Os indivíduos do grupo comportam-se
como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades de seus outros membros,
igualam-se a eles e não sentem aversão por eles. (FREUD, 1921, p. 113).
Um evento que ocorreu
no grupo terapêutico de reflexão exemplifica como os pacientes passaram a
tolerar as peculiaridades de seus outros membros. Em certa ocasião, um paciente
constantemente batia a porta do banheiro sempre que o utilizava fazendo grande
barulho que incomodava o andamento do grupo. Além disso, ele gritava,
conversava com a janela e com o quadro, durante os atendimentos, e uma vez
encheu a colher do açúcar usado para adoçar o café de todos, colocou-a na boca
e a retornou novamente ao pote.
Um dos
coordenadores sugeriu que esse paciente fosse transferido de grupo, mas antes
consultou as opiniões de cada membro do grupo terapêutico. Todos os pacientes
disseram que ele devia continuar no grupo, expuseram como argumentos que o
paciente estava em momento de grande sofrimento e que os demais poderiam
comparar seus estados com o dele, de forma que esse paciente tinha a função no
grupo de “termômetro” que media não a temperatura, mas o grau de estado mental
de cada componente do grupo. Além disso, os pacientes não demonstravam aversão
por ele, mas pelo contrário, achavam que ele era muito divertido ao expressarem
a importância da continuidade desse paciente no grupo terapêutico de reflexão.
O funcionamento
inicial do grupo terapêutico de reflexão era como grupo narcísico, e segundo Freud
uma “limitação do narcisismo”, “só pode ser produzida por um determinado fator,
um laço libidinal com outras pessoas”. A barreira que o amor por si mesmo
conhece é o “amor pelos outros, o amor pelos objetos”. (ibid.).
Freud continua
da seguinte maneira:
A
experiência demonstrou que, nos casos de colaboração, se formam regularmente
laços libidinais entre os companheiros de trabalho, laços que prolongam e
solidificam a relação entre eles até um ponto além do que é simplesmente
lucrativo. (FREUD, 1921, p. 113).
Dessa forma, o
laço laboral entre trabalhadores pode ultrapassar o objetivo do lucro
financeiro e atingir e fortalecer vínculos libidinais entre os sujeitos.
Semelhantemente, tais vínculos parecem ter ocorrido no grupo terapêutico de
reflexão com os pacientes esquizofrênicos, em que o trabalho e o consequente
lucro eram psíquicos.
Como nos mostra
Freud “a mesma coisa ocorre nas relações sociais dos homens como se tornou
familiar à pesquisa psicanalítica no decurso do desenvolvimento da libido
individual”. (FREUD, 1921, p. 113).
A libido
se liga à satisfação das grandes necessidades vitais e escolhe como seus
primeiros objetos as pessoas que têm uma parte nesse processo. E, no
desenvolvimento da humanidade como um todo, do mesmo modo que nos indivíduos,
só o amor atua como fator civilizador, no sentido de ocasionar a modificação do
egoísmo em altruísmo. (FREUD, 1921, p. 113, 114).
Talvez um tratamento
possível para a esquizofrenia seja introduzir o outro (altro), que possa captar pelo menos parte do Eros do autoerotismo, o amor que o
esquizofrênico tem por si mesmo - para esse outro, novo alvo de seu amor. Mas,
como fazer isso?
Esquizofrenia, identificação e laço emocional
Para a
psicanálise, a expressão mais remota, mais primitiva de um laço emocional com
outra pessoa é a identificação. (FREUD, 1921, p.115, 116). Podemos exemplificar
com a citação de Freud sobre o medo da criança pequena na aproximação de um
‘estranho’, mas que ao crescer a criança geralmente desenvolve o instinto
gregário ou sentimento de grupo ao identificar-se com outras crianças,
sentimento comunal (ou de grupo) que é ainda mais desenvolvido na escola.
(FREUD, 1921, p. 129, 130).
Freud esclarece
que a criança no grupo de crianças reivindica justiça por um tratamento igual
para todos, apresenta ciúme como sentimento grupal no quarto em que talvez haja
muitas crianças ou na sala de aula, o que podemos acrescentar que podem ser indícios
do que talvez se apresente posteriormente como sendo a justiça social, a
consciência social e o senso de dever. Freud destaca também que a identificação
entre as crianças se dá por meio de um amor semelhante pelo mesmo objeto.
(ibid. p, 130).
Dessa forma para
Freud, o sentimento social “se baseia na inversão daquilo que a princípio
constituiu um sentimento hostil em uma ligação da tonalidade positiva, de
natureza de uma identificação”, como no exemplo acima citado, e essa “inversão
parece ocorrer sob a influência de um vínculo afetuoso comum com uma pessoa
fora do grupo”. (FREUD, 1921, p. 131.).
Encontramos na
esquizofrenia um funcionamento similar ao de crianças pequenas quanto à
tendência ao narcisismo, o autoerotismo, bem como ao pensamento concreto e
literal em contraste com a expressão simbólica.
Além disso, de
acordo com Simanke (2009, p. 131) com relação à esquizofrenia, um argumento
suplementar de Freud de que nessa psicopatologia a fixação estaria no
narcisismo primário seria o de que na esquizofrenia semelhantemente às
características da vida anímica das crianças e dos povos primitivos, se
destacam pela chamada “onipotência dos pensamentos”, ou seja, uma
superestimação do poder dos atos psíquicos e dos desejos. Isso devido a que na
esquizofrenia, a fixação narcísica implica à um retorno até o autoerotismo
infantil. (SIMANKE, 2009, p. 163).
Será que a
relação com o outro, sentida como hostil para o esquizofrênico, poderia através
de um vínculo afetuoso com outros com o funcionamento psíquico semelhante, atuando
assim como identificação no grupo de pacientes, poderia movê-los ao amor por um
mesmo objeto comum?
Para Freud, a
identificação constitui também a forma original de laço emocional com um
objeto, e de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma vinculação de
objeto libidinal, por meio da introdução do objeto no ego. (FREUD, 1921, p.
117).
Segundo Freud, a
identificação
Pode
surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum compartilhada com
alguma outra pessoa que não é objeto de instinto sexual. Quanto mais importante
essa qualidade comum é, mais bem-sucedida pode tornar-se essa identificação
parcial, podendo representar assim o início de um novo laço. (FREUD, 1921, p.
117).
Se como nos
aponta Freud “o laço mútuo existente entre os membros de um grupo é de natureza
de uma identificação”, “baseada numa importante qualidade emocional comum”;
tanto entre os membros do grupo terapêutico de reflexão quanto com os
coordenadores, a “empatia” é o que desempenha o maior papel do que “é
inerentemente estranho ao nosso ego nas outras pessoas”. (FREUD, 1921, p. 118).
Porém, Freud
considera que
A
pesquisa psicanalítica, que já atacou ocasionalmente os mais difíceis problemas
das psicoses, também pôde mostrar-nos a identificação em alguns outros casos
que não são imediatamente compreensíveis. (FREUD, 1921, p. 118).
Freud orienta o
caminho pelo qual uma identificação percorre e resulta em sentimento social: a
“influência de um vínculo afetuoso”, o laço emocional. (FREUD, 1921, p. 131).
A despedida, a saudade e os planos para o retorno
A identificação
e o vínculo afetivo desenvolvidos no grupo terapêutico de reflexão permitiu que
alguns pacientes, em momentos distintos, verbalizassem o desejo de voltar a
estudar. O contato da pesquisadora com essa vivência clínica na Casa de Saúde
São João de Deus, a experiência como analizanda, as pesquisas teóricas
desenvolvidas por ela no Laboratório de Psicopatologia Fundamental, o ambiente
universitário, a aproximação com a Instituição Lugar de Vida e a experiência
como professora de língua espanhola, fizeram a pesquisadora propor uma
“educação terapêutica” (termo “emprestado” do Lugar de Vida) para atender a
demanda desses pacientes.
Após conversar
com seu supervisor clínico e com o coordenador do setor de psicologia da Casa
de Saúde São João de Deus e receber deles aprovação de seu projeto de “educação
terapêutica”, a pesquisadora anunciou aos pacientes do grupo terapêutico de
reflexão que precisaria ausentar-se para formalizar a escrita desse projeto de
intervenção clínica – planejar o retorno.
Nessa sessão, a
despedida foi muito emocionante para todos, depois de mencionar e explicar
repetidas vezes sobre como seria o projeto, os pacientes aplaudiram a ideia. Um
deles pediu que a pesquisadora não deixasse o grupo, mas ela explicou que
retornaria e eles estavam convidados a compartilharem essa experiência prática.
A pesquisadora foi então presenteada com um beijo em sua mão dado por cada um
dos pacientes. Nos meses seguintes, a saudade foi uma das principais forças
motivadoras que impulsionaram a transformar tal proposta de intervenção em seu
Trabalho de Conclusão do Curso de Psicologia.
Tratamento da esquizofrenia - uma proposta de intervenção clínica com
pressupostos freudianos
A proposta de
“educação terapêutica” como intervenção clínica no tratamento de pacientes
esquizofrênicos alude-nos ao texto de Freud “Formulações sobre os dois
princípios do funcionamento mental”, em que, em um primeiro momento, o autor
considera que certas psicoses, o que incluímos a esquizofrenia, são os casos
mais extremos de um afastamento da realidade, por achá-la insuportável. (FREUD,
1911, p. 237).
Mais adiante,
Freud esclarece que no processo primário encontra-se o princípio de prazer e esses
se esforçam para “alcançar prazer; a atividade psíquica afasta-se de qualquer
evento que possa causar desprazer”. Por outro lado, o princípio de realidade é
destacado pelo autor como o “princípio econômico de poupar consumo [de
energia]”. (FREUD, 1911, p. 238, 240).
Consideramos que
o esquizofrênico está mergulhado no princípio de prazer devido a que seus “instintos
sexuais comportam-se autoeroticamente”, ou seja, como nos mostra Freud, que o
indivíduo obtém sua satisfação a partir de seu próprio corpo e, portanto, “não
se encontram na situação de frustração que forçou a instituição do princípio de
realidade”. (FREUD, 1911, p. 241).
No entanto,
Freud considera que a educação é
auxiliar na substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade, cujo
processo, afeta o desenvolvimento do ego e tem como recompensa o amor dos
educadores. (FREUD, 1911, p. 242). Mas, como intervir, o que introduzir?
Conclusão
O ensino de língua e cultura estrangeira como recurso terapêutico no
tratamento de pacientes esquizofrênicos
Escutar a
demanda de alguns pacientes sobre seus desejos de voltarem a estudar é dar-lhes
voz e a oportunidade de escutarem suas próprias vozes. O esquizofrênico possui
o seu próprio “idioma”, fala sua própria “língua”, possui sua relação peculiar
com a linguagem, seja através da ‘fala do órgão’ ou fala hipocondríaca, seja
através de sua linguagem de pensamento ou das coisas concretas que ele
considera como abstratas ou ainda da ‘palavra como coisa’, ensinar outro idioma
é introduzir um terceiro nessa relação sujeito-língua materna.
No caso de Wolfson, o
esquizofrênico estudante de línguas, Maud Mannoni (1995, p. 41) explica-nos que
“em sua fúria de destruir a língua materna” a consequência foi que ele “deu-nos
também um livro maravilhoso” – Le Schizo
et les langues, em que como menciona Gilles Deleuze “sentimos germinar a
saúde particularíssima do fundo da doença”.
O autor não suporta
ouvir sua mãe falar e, por isso, passa a verter as palavras de sua língua natal
em palavras estrangeiras. No fim do livro, consegue livrar-se da angústia de
destruição e morte, a ponto de dizer: “E há até uma esperança de que, afinal
(...), o rapaz mentalmente enfermo seja capaz, um dia, de empregar normalmente
essa língua, o famoso idioma inglês”. (ibid.).
Seria a aprendizagem de
uma língua estrangeira um recurso para formar laços?
A aprendizagem de
línguas estrangeiras, de acordo com Mannoni (ibid.), permitiu Wolfson
aproximar-se dos seus, protegido de suas pulsões destrutivas pelo amparo de uma
língua diferente da língua materna.
Ao introduzir um
terceiro, o outro idioma, abre-se a possibilidade do esquizofrênico transferir
parte de seu autoerotismo ao idioma,
a esse outro, ou seja, erotizar a língua - um dos possíveis efeitos
terapêuticos propiciados pela aprendizagem de outra língua e cultura.
Nessa “educação
terapêutica” - o ensino de língua e cultura estrangeira como recurso
terapêutico no tratamento de pacientes esquizofrênicos, talvez haja o amor de
transferência com a educadora-terapeuta (analista) como falante e porta-voz do
idioma estrangeiro. Freud menciona que na relação de aprendizagem podem surgir
laços emocionais, (FREUD, 1921, p. 149), laços de Eros.
É bem conhecido com que
facilidade se desenvolvem desejos eróticos a partir de relações emocionais de
caráter amistoso, baseadas na apreciação e na administração (...) entre
professor e aluno (...). (ibid.)
Na condição erótica (de
Eros), ou seja, de estar amando, como nos aponta Freud “o objeto arrasta para
si uma parte da libido do ego narcisista do sujeito para si próprio”. “Trata-se
de uma condição apenas para o ego e o objeto”. (FREUD, 1911, p. 153).
Então o trabalho
analítico será “dissolver” a transferência e possibilitar, desta vez, que o
amor se desloque para outros objetos, que o paciente esquizofrênico não mais se
apaixone apenas por si, pelo idioma estrangeiro e talvez pela analista, mas que
Eros – a capacidade de ligação do esquizofrênico talvez se amplie para outras
pessoas e objetos do mundo.
O esquizofrênico como estrangeiro em seu próprio
país
O dicionário Aurélio, na
língua portuguesa, (FERREIRA 1910-1989, p. 297) define estrangeiro como “de
nação diferente daquela a que se pertence, ou próprio dela”, “diz-se de país
que não é o nosso”, “terra(s) estrangeira(s); o exterior”, “indivíduo
estrangeiro; forasteiro, gringo”, “exótico”. Os esquizofrênicos são muitas
vezes descritos socialmente e popularmente como excêntricos, exóticos, ele são
considerados os forasteiros, não pertencentes à realidade comumente
compartilhada pela maioria dos sujeitos neuróticos. Os esquizofrênicos são
estrangeiros no seu próprio país, estranhos.
Novamente na língua
portuguesa, o dicionário Aurélio (ibid.) define estranho como “fora do comum,
desusado, anormal”, “que é de fora; estrangeiro; alheio”; “singular,
extravagante”, “misterioso”. E estranhar como “achar estranho”, “esquivar-se de
(pessoa desconhecida)”. Os comportamentos dos esquizofrênicos muitas vezes são percebidos
pelo outro como fora do comum, anormais, para os quais as pessoas se esquivam,
como se os sujeitos esquizofrênicos fossem seres desconhecidos, de fora, alheios.
O funcionamento dos esquizofrênicos é estranho, mas também é familiar, contém
elementos que são comuns a todo ser
humano. É misterioso, singular e extravagante.
A língua espanhola como estranha e familiar
A língua estrangeira
escolhida como objeto de ensino terapêutico no tratamento de pacientes
esquizofrênicos será a língua espanhola que por ser estrangeira é estranha, e
ao mesmo tempo familiar por sua similaridade com a língua portuguesa e a origem
comum do latim.
Na língua espanhola o
verbo extrañar significa em português
“deportar, exilar”, “estranhar, admirar-se”, “sentir falta ou saudade de alguém
ou de algo”, “negar-se a fazer alguma coisa” (PEREIRA, 2002, p. 169). Certamente
os esquizofrênicos causam estranheza à sociedade e historicamente, muitas
vezes, foram retirados dela e exilados em manicômios ou abandonados em
hospícios, porém não queremos negar-nos a fazê-los cidadãos dignos de
subjetividade e direitos como qualquer outro indivíduo. Em espanhol, extrañeza significa além de estranheza,
“espanto, admiração, surpresa”, “saudade, falta de alguém ou de alguma coisa”.
E para valorizar todos esses sentidos, precisamos transformar-nos ampliando
nosso espanto à admiração e surpresa. Devemos admirar-nos com o diferente e
respeitá-lo, sentir falta ou saudade de alguém implica querê-lo perto, junto. E
sentir saudades é também ter “lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de
pessoa ou coisa distante ou extinta”, “pesar pela ausência de alguém que nos é
querido”. (FERREIRA 1910- 1989, p. 624). O esquizofrênico também nos é
semelhante e devemos considerá-lo querido não apenas quando ausente, mas em
presença e liberdade.
Como estranho o
esquizofrênico possui um “núcleo especial de sensibilidade”, paralelamente,
como menciona Freud, o estranho, aos outros é “assustador, provoca medo e
horror” (FREUD, 1919, p. 237). De acordo com o autor, “o estranho é aquela
categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito
familiar”. Freud afirma também que o familiar pode tornar-se estranho e
assustador. (p. 238).
Nesse texto “O estranho”
(FREUD, 1919, p. 238), acima citado, Freud nos informa que sua investigação
“começou realmente ao coligir uma série de casos individuais, e só foi
confirmada mais tarde por um exame do uso linguístico”.
A
palavra alemã ‘unheimlich’ é
obviamente o oposto de ‘heimlich’
[doméstica], ‘heimisch’ [nativo] – o oposto do que é familiar; e somos tentados
a concluir que aquilo que é ‘estranho’ é assustador precisamente porque não é conhecido e familiar.
Naturalmente, contudo, nem tudo o que é novo e não familiar é assustador; a
relação não pode ser invertida. Só podemos dizer que aquilo que é novo pode
tornar-se facilmente assustador e estranho; algumas novidades são assustadoras,
mas de modo algum todas elas. Algo tem de ser acrescentado ao que é novo e não
familiar, para torná-lo estranho. (FREUD, 1919, p. 239)
Freud opera além da equação ‘estranho’ = ‘não
familiar’ e para alcançar tal objetivo volta-se para outras línguas para
definir ‘estranho’
LATIM: (K. E. Georges, Deutschlateinisches Worterbuch, 1898). Um lugar estranho: locus suspectus; numa estranha hora da
noite: intempesta nocte.
GREGO:
(Léxicos de Rost e de Schenkl)*[6](isto
é, estranho, estrangeiro).
INGLÊS:
(dos dicionários de Lucas, Bellows, Flügel e Muret-Sanders). Uncomfortable,
uneasy, gloomy, dismal, uncanny, ghastly: (of a house) haunted; (of a man) a
repulsive fellow.
FRANCÊS:
(Sachs-Villatte). Inquiétant, sinistre,
lúgubre, mal à son aise.
ESPANHOL:
(Toullausen, 1889). Sospechoso, de mal
agüero, lúgubre, siniestro.
As
línguas italiana e portuguesa parecem contentar-se com palavras que
descreveríamos como circunlocuções. Em árabe e hebreu ‘estranho’ significa o
mesmo que ‘demoníaco’, ‘horrível’. (ibid.)
Então, Freud retorna aos termos alemães e após
extensa consideração conclui
O que
mais nos interessa nesse longo excerto é descobrir que entre os seus diferentes
matizes de significado a palavra ‘heimlich’
exibe um que é idêntico ao seu oposto, ‘unheimlich’.
Assim o que é heimlich vem a ser unheimlich. (FREUD, 1919, p. 242).
Isso significa que “o que é familiar e agradável” é
também estranho - “o que está oculto e se mantém fora da vista”. (p. 243).
Dessa
forma, heimlich é uma palavra cujo
significado se desenvolve na direção da ambivalência, até que finalmente
coincide com o seu oposto, unheimlich.
Unheimlich é, de um modo ou de outro,
uma subespécie de heimlich. (...) se
continuarmos a examinar exemplos individuais de estranheza, essas sugestões
tornar-se-ão inteligíveis a nós. (FREUD, 1919, p. 244).
Com essa análise, Freud nos esclarece que o que é
estranho é também familiar. Assim, as manifestações esquizofrênicas fazem parte
dessa lógica.
não
devemos estar observando o produto da imaginação de um louco, por trás da qual
nós, com a superioridade das mentes racionais, estamos aptos a detectar a
sensata verdade; e ainda assim, esse conhecimento não diminui em nada a
impressão de estranheza. (FREUD, 1919, p. 248).
Reconhecer a verdade por
trás da expressão esquizofrênica, e nos reconhecermos no esquizofrênico, apesar
de não diminuir a estranheza diante de nós, faz que esses sujeitos não sejam
inferiores das “mentes racionais”, e transforma o que em nós parece-nos algo
familiar em algo que na realidade é estranho.
A proposta de prática clínica do ensino de língua e cultura
estrangeira como recurso terapêutico no tratamento de pacientes
esquizofrênicos, inclui a possibilidade de que os pacientes envolvidos na
oficina, mesmo que tenham alta médica, possam dar continuidade ao trabalho
terapêutico. Dessa forma, poderá ser formado e mantido um vínculo, um
estabelecimento do laço social, pois os pacientes com alta médica manterão o
acesso ao hospital e ao Grupo da “Educação Terapêutica”, ou seja, com a
educadora-terapeuta e com os pacientes do grupo, paralelamente ao contato
social (exterior) e poderão trazer experiências que talvez beneficiem o grupo e
contribuam para o tratamento.
No Trabalho de Conclusão
do Curso de Psicologia a pesquisadora proporá a “Oficina de Educação
Terapêutica” na Casa da Saúde São João de Deus, em que serão ministradas aulas
terapêuticas de língua e cultura hispânicas com a participação ativa dos
pacientes nos temas geradores em espanhol apresentados a seguir traduzidos e em
forma esquemática.
1)
Fazendo
amizades. Funções
comunicativas e objetivo: Iniciar uma conversação e apresentar-se,
cumprimentar informalmente, perguntar sobre dados pessoais e responde-los,
expressar admiração e surpresa, despedir-se e manifestar-se como está. Aspecto terapêutico: Aproximar-se do
outro e aproximar-se de si através do outro.
2)
Aproximando-se
de outros países, culturas e nacionalidades. Funções comunicativas e objetivo: Aproximar-se dos países
hispânicos, outras culturas e nacionalidades. Aspecto terapêutico: Reconhecimento, aceitação e respeito ao mundo
do outro.
3)
Informação e relação social. Funções comunicativas e objetivo: pedir
licença, cumprimentar formalmente, agradecer e devolver a cortesia. Conteúdo
gramatical: Composição do nome e sobrenome e formas de tratamento (tú, vos,
vosotros (as), usted). Aspecto
terapêutico: estabelecimento, formação e valorização do laço social.
4)
Localização
espacial e temporal. Funções
comunicativas e objetivo: Dizer a data, nomear os dias da semana e os meses
do ano e localizar-se geograficamente. Aspecto
terapêutico: orientação espacial e temporal.
5)
Os
números. Funções
comunicativas e objetivo: Perguntar a idade, a altura, o peso, a massa
corpórea, o número de telefone e expressar quantidades em geral. Conteúdo gramatical: Numerais (cardinais
e ordinais), substantivos coletivos, apócopes, verbos em Presente do
Indicativo. Aspecto terapêutico: Trabalhar
as abstrações numéricas e representações da coisa.
6)
Álbum
de família. Funções
comunicativas e objetivo: Parentesco e descrever pessoas. Conteúdos gramaticais: Pronomes
demonstrativos e possessivos. Aspecto
terapêutico: descrever a si e aos outros, falar sobre si mesmo, sobre os
familiares e sua relação com eles.
7)
Cuide-se. Funções comunicativas e objetivo: Conhecer
as partes do corpo em espanhol. Conteúdos
gramaticais: revisar pronomes demonstrativos e possessivos. Aspecto terapêutico: Tentar estabelecer
uma integração do corpo em fragmentos da vivência psicótica. Enfatizar o
autocuidado, a aderência ao tratamento e a importância da psicoterapia e da
medicação.
8)
Hábitos
do cotidiano. Funções
comunicativas e objetivo: Conversar no telefone, fazer convites, expressar
ações habituais. Conteúdo gramatical:
As horas. Construções pronominais. Aspecto
terapêutico: Destacar a importância dos hábitos do dia-a-dia buscando
estabelecer a regularidade e autonomia dos pacientes em suas atividades
diárias.
9)
Carta. Funções comunicativas e objetivo:
Correspondências e expressões usadas em cartas (cumprimentos, despedidas,
etc.). Conteúdos gramaticais:
Pretérito Indefinido, verbos regulares (visitar, comer, sair) e irregulares
(pedir, dormir, andar, estar, ter, fazer, trazer, poder, querer, saber, dizer,
vir). Aspecto terapêutico: Expressar
sentimentos e ações por meio da escrita. Estabelecer relação a distancia. (Fim
da Primeira Unidade).
10) (Segunda Unidade). Email. Funções comunicativas e objetivo: Comunicação virtual. Conteúdo gramatical: Expressões usadas
em e-mails (formais e informais). Aspecto
terapêutico: Estabelecer e manter contato social virtual fortalecendo as
relações.
11) Personalidades. Funções
comunicativas e objetivo: Trabalhar brevemente a história e sociedade.
Pessoas famosas e comuns. Relatar fatos. Perguntar e responder a alguém se sabe
sobre algo. Manifestar curiosidade. Conteúdo
gramatical: Verbos usados para expressar fatos passados. Pretérito
Indefinido. Acentuação gráfica (3ª pessoa do plural). Aspecto terapêutico: Falar sobre si, sobre os seus conhecimentos e
compartilhá-los com os outros pacientes e escutá-los ao se expressarem.
12) Pedir em um restaurante. Funções
comunicativas e objetivo: nomear alimentos e ingredientes culinários.
Tocar, ver, falar sobre e comer alimentos, ou seja, despertar os sentidos da
visão, tato, audição, paladar e olfato para aprendizagem. Conteúdo gramatical: O Imperativo (Trabalhar com receitas
culinárias). Aspecto terapêutico: Por
meio do Imperativo, introduzir a ordem das coisas. Desenvolver autonomia
preparando a própria comida.
13) Planos para o futuro. Funções
comunicativas e objetivo: Expressar planos para o futuro, argumentar,
indicar impossibilidade, dificuldade e inutilidade. Convidar a alguém, aceitar
e recusar um convite. Dar a opinião. Conteúdos
gramaticais: Formas do futuro (Futuro Simples e ir+a+infinitivo). Aspecto terapêutico: Autoexpressão
respeito às expressões do outro, construção de planos e projetos futuros,
liberdade para convidar, aceitar e negar convites. (Fim do Primeiro Estágio do
Curso) AVALIAÇÃO DO TRABALHO REALIZADO.
Nos procedimentos serão
desenvolvidos jogos lúdicos e dinâmicas de grupos para trabalhar os conteúdos
com os pacientes. Serão utilizadas também músicas, poesias, textos literários e
notícias de jornais como atividades extras. Além disso, para a elaboração de
cada tema gerador pretende-se fundamentar teoricamente a prática adotada.
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ANEXOS
Relatório do Estágio em Psicopatologia Fundamental
Estágio pela Associação de
Pesquisa em Psicopatologia Fundamental - AUPPF
Aluna estagiária: Aline
Silva da Costa do Curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo
Supervisores: Manoel Tosta
Berlinck e Ana Cecília Magtaz
São Paulo, 31 de dezembro de
2012.
O estágio
remunerado em Psicopatologia Fundamental foi realizado no período de fevereiro
de 2012 a agosto de 2012 sob a supervisão de Manoel Tosta Berlinck e Ana
Cecília Magtaz.
O estágio
consistiu em atividades, como assistente, na organização do V Congresso Internacional de Psicopatologia
Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental - 2012
e as atualizações dos sites www.psicopatologiafundamental.org e www.fundamentalpsycophatology.org.
Quanto à
organização como assistente dos Congressos, as atividades desenvolvidas foram
referentes às Conferências, Simpósios, Mesas Redondas Seminários Clínicos e
Pôsteres em que os resumos e artigos conforme recebidos dos autores foram
acrescentados e organizados nos sites. Também auxiliei na organização do
programa e da grade horária dos Congressos com ajuda prática e sugestões. Além
disso, entre outras coisas, realizei uma tradução de um texto da língua
portuguesa para a língua espanhola.
As atualizações dos sites do Laboratório
de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (www.psicopatologiafundamental.org)
e da Associação de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental (www.fundamentalpsychopathology.org)
basearam-se na transferência de todos os conteúdos dos sites antigos para as
matrizes dos novos e atuais sites.
O V Congresso Internacional de Psicopatologia
Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental – 2012 foi
realizado em Fortaleza de 6 a 9 de setembro de 2012 e pude, apesar dos
imprevistos, presenciar e participar com êxito apresentando meu Pôster sob o
título Esquizofrenia como pathos e tratamento clínico em Freud.
O estágio
contribuiu para minha aprendizagem e familiaridade com as produções e
literaturas da Psicopatologia Fundamental, da Psicopatologia Geral, da
Psicopatologia Fenomenológica, da Psiquiatria, da Psicologia, da Psicanálise e
das tecnologias e habilidades informáticas, apenas para citar algumas.
A experiência do
estágio acrescentou ao meu projeto de Iniciação Científica “Esquizofrenia e laço Social em Freud”
bases teóricas, questões pertinentes a serem pensadas e pesquisadas, além de
amplitude, desejo e posterior aprofundamento em diversos outros temas.
No entanto, o
maior benefício foi não apenas o crescimento acadêmico, mas também o grande
crescimento pessoal, ao qual tenho muito a agradecer aos supervisores Manoel
Tosta Berlinck e Ana Cecília Magtaz, aos presidentes do Congresso e suas
esposas, aos autores dos trabalhos e participantes, bem como às outras duas
assistentes da organização e aos membros do Laboratório e da Associação pelo
sucesso do evento e pelo resultado final de todo o trabalho conjunto.
[1] http://www.lugardevida.com.br
acessado em 02/12/2012 às 12h10
[2] http://www.fundamentalpsychopathology.org/pagina-profa-dra-maria-cristina-m-kupfer-74
acessado em 02/12/2012 às 14h51
[3] HERNNAM, M. C.
Acompanhamento terapêutico, sua criação em uma montagem institucional de
tratamento e as ofertas de laço social. Estilos clin. vol.15 no.1 São Paulo
jun. 2010.
[4] GAVIOLI, C. A. Reflexões acerca do tratamento e escolarização de
crianças psicóticas. An 6 Col. LEPSI
IP/FE-USP 2006.
[5] http://www.casadesaudesaojoaodedeus.org.br
[6] Omitimos a palavra original do alfabeto grego