terça-feira, 1 de maio de 2012

"Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise" (S. Freud, in Obras Completas, VOL XII, 1912)

"Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise" (S. Freud, in Obras Completas, VOL XII, 1912)

No texto em tela, Freud tece recomendações acerca do método psicanalítico direcionadas à manutenção da escuta psicanalítica, da atenção flutuante.  
a.     Freud aponta a necessidade, por parte do analista, de recordar os relatos pronunciados por cada paciente. Ele esclarece que, com a técnica da atenção flutuante, o analista não precisa tomar notas durante a sessão. “(…) escutar e não se preocupar em anotar alguma coisa”. Em outras palavras, tratar-se-ia de uma contrapartida à associação livre feita pelo analisando, na medida em que o analista, ao não tentar compreender e lembrar, estaria lançando mão da sua “memória inconsciente”.
b.       No mesmo sentido, há a recomendação de não tomar notas no decorrer da sessão. A ação de tomar notas seria uma forma de seleção sobre aquilo que é trazido pelo paciente, isto é, seria uma forma de fixar mais ou menos atenção sobre esse ou aquele elemento da associação livre, o que se oporia à ideia da escuta despreocupada quanto à lembrança ou não de alguma associação trazida pelo paciente.
c.      Também quanto à possibilidade de tomar notas, ainda que para fins científicos, Freud descarta a possibilidade de fazê-las durante a sessão sem que isso prejudicasse a atenção flutuante. Assim, essas anotações poderiam ser feitas após a sessão. Falando novamente sobre a construção científica em cima de um caso, Freud aconselha que estes sejam trabalhados cientificamente apenas após o seu encerramento, visto que “(…) são mais bem sucedidos os casos em que agimos sem propósito, surpreendendo-nos a cada virada, e que abordamos sempre de modo desapercebido e sem pressupostos (…) não  especular e nem cogitar enquanto analisa”.     Freud empreende, então, uma analogia entre o trabalho do terapeuta e o trabalho de um cirurgião. O cirurgião, assim como o analista, deve deixar todos os seus afetos de lado de forma que esteja em jogo, no momento da cirurgia, apenas a operação, que deve ser realizada da melhor forma possível. Assim, a “ambição terapêutica”, a ambição de curar, seria o mais perigoso sentimento para o psicanalista. Destarte, o analista não deve se ater às expectativas, ao reconhecimento, ao retraimento perante as críticas. Esses afetos apenas trabalhariam em desfavor do paciente, assim como em uma cirurgia.
f.       Nesse item, Freud novamente pontua a atenção flutuante do analista como contrapartida à regra fundamental da psicanálise: a associação livre. Aqui é feita a analogia com a comunicação via telefone: as ondas sonoras emitidas são transformadas pelo aparelho em oscilações elétricas, que são novamente revertidas em ondas sonoras pelo receptor. O analista, assim como o receptor, posiciona o inconsciente (ondas sonoras) a partir da associação livre (oscilações elétricas). “(…) ele [o analista] deve voltar o seu inconsciente, como órgão receptor, para o inconsciente do emissor do doente, colocar-se ante o analisando como o receptor em relação ao microfone.” Todavia, Freud ressalta que o analista, para tanto, não pode ter em si resistências que o impeçam de entrar em contato com aquilo que fora percebido por seu inconsciente. As resistências do analista se caracterizariam, pois, como uma outra forma de seleção e distorção do material do paciente. Como solução para esse problema é prescrita a necessidade de que o analista se submeta também a uma análise (a não ser que se trate daqueles que conseguem analisar seus próprios sonhos, isto é, realizar a autoanálise). O risco da dispensa da autoanálise ou da análise por parte do analista residiria na possibilidade de uma projeção na ciência das peculiaridades de sua pessoa, o que poderia enviesar a sua percepção e interpretação.
g.       Outra ressalva colocada diz respeito à transferência. O analista não deveria trocar confidências e relatar sobre a sua vida, suas intimidades e seus conflitos mentais com o paciente. Freud reconhece que esse comportamento poderia ser eficaz para que o paciente contasse aquilo que ele próprio já sabe (aquilo que é da ordem da consciência), mas dificultaria o desvelamento do que resta inconsciente. Essa técnica de compartilhamento afetiva apenas faria com que o paciente tivesse ainda mais problemas na superação das suas resistências e poderia fazer com que o paciente tentasse inverter a relação analista-paciente, creditando mais interesse à vida do analista que a sua própria. “O médico deve ser opaco para o analisando, e, tal como um espelho, não mostrar senão o que lhe é mostrado”.
h.     Tão pouco o médico deveria repousar sobre o paciente ambições pedagógicas, assim como não deveria operar com a ambição terapêutica, pois deve respeitar as limitações do doente, colocando as capacidades do mesmo sempre a frente do seu próprio desejo.
i.         Por fim, é feita a ressalva acerca de uma colaboração intelectual do paciente. Freud aponta que a leitura de textos sobre a psicanálise não deveria ser proposta pelo analista, na medida em que o próprio analisando precisaria traçar seu próprio caminho na análise, sem recorrer em demasia à teorização. A eficácia da análise seria advento do respeito à regra psicanalítica e não do conhecimento teórico sobre a psicanálise.

É válido reiterar que Freud solidifica no texto em questão a atenção flutuante e a associação livre como pilares da prática psicanalítica e as recomendações traçadas convergem para a operacionalização das mesmas.  

Escrito por Camila Gerassi e Claudia O’Keeffe 

Revisado por Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC/SP.