Na presente obra, Freud faz uso da
pena para discorrer a respeito de suas novas formulações acerca das instâncias
psíquicas, a saber, superego, id e ego, e suas relações internas. É isso
que vamos encontrar aqui.
A abertura da investigação é então
colocada e questionada por seu próprio intento de tomar o ego por objeto. Seria
possível tal empreendimento? O autor não hesita em responder afirmativamente,
trazendo-nos a ideia de que este ego pode-se dividir, pode tomar a si mesmo
como objeto, pode observar-se e criticar-se. É a partir desta afirmação que
começa a versar sobre a introdução do primeiro novo termo presente aqui: o 'superego'
– essa instância separada do ego, de aspecto regular na estrutura daquele,
cujas funções são de “consciência” (aqui numa conotação vulgar: “Sinto-me
inclinado a fazer algo que penso irá dar-me prazer, mas abandono-o pelo motivo
de que minha consciência não o admite”), auto-observação, atividades de julgar
e punir e busca por perfeição (o 'ideal de ego').
Como acontece então a formação do
superego?
Lembramos que a “consciência” não
está lá desde o início e que uma criança conserva um alto grau de dependência
de seus pais por um longo período: crianças são amorais e não possuem inibições
internas contra seus impulsos que buscam prazer. Portanto, é um poder externo o
responsável por essa função – e este poder externo apresenta-se através da
autoridade dos pais. São eles que concedem provas de amor e, igualmente,
ameaças de castigo – que são, pra criança, sinais da perda do amor, e por isso
são temidas. Essa ansiedade realística vivida pela criança é o precursor da
ansiedade moral.
Na base da formação deste superego encontra-se o processo de
'identificação' (o processo de um ego vir a assemelhar-se a outro). Os pais que
educam uma criança tomaram eles também como modelo os valores de seus pais,
tomaram aquilo tudo o que puderam captar psicologicamente do que existe de mais
elevado na vida para exercer a educação dos filhos. Nesta educação serão
transmitidas as expectativas inconscientes dos pais, as quais terão um papel
fundamental no processo de identificação que dá origem ao superego, assim como
no ‘ideal de ego’. Dessa forma mostra-se como essa instância torna-se o veículo
das tradições e dos valores, e verifica-se sua importância no comportamento
social do homem.
Ao recordar que toda a teoria da
psicanálise está pautada numa proposição que admite que o paciente oferece
resistência a tornar consciente aquilo que é inconsciente, emerge para o autor
um dilema: e quando a própria resistência permanece inconsciente, assim como o
conteúdo reprimido?
Se entendermos que o reprimido tem
um impulso a irromper na consciência, a resistência só pode ser manifestação do
ego, de vez que foi ele que originalmente forçou a repressão e agora deseja
mantê-la – ou seja, a resistência não advém do inconsciente. Repressão, pois,
seria efetuada pelo superego e pelo ego, em obediência àquele. Quando a
resistência permanece inconsciente, podemos ver nisso o significado de que
existem operações inconscientes no ego e no superego, podemos dizer que existem
porções inconscientes nessas instâncias. Então é possível formular da seguinte
maneira: ego e consciência não coincidem, assim como reprimido e inconsciente
também não.
Desde essa observação é realizada
uma revisão da relação consciente-inconsciente, a começar pelo próprio termo
“inconsciente”. Sucede que, em razão da descoberta da existência de porções
inconscientes do ego e do superego, não mais seria conveniente falar em 'sistema
ICS' – como uma região mental alheia ao ego – pois que essa característica
[de ser inconsciente] não lhe é exclusiva. Com o fim de resolver esse impasse,
Freud lança mão de um expediente simples: em lugar de usar o termo
'inconsciente' pra indicar a existência de uma região mental, ele cunha o termo
'id'.
Passamos então a elencar seus
atributos:
O 'id':
1 – é parte inacessível da
personalidade
2 – o que dele se sabe advém do
estudo da elaboração onírica e da formação dos sintomas neuróticos
3 – está repleto de energias
originárias das pulsões
4 – não encontra-se de maneira
organizada
5 – busca irrestritamente a
satisfação das necessidades pulsionais
6 – é dirigido pelo “princípio de
prazer”
7 – encerra contradições
(coexistência de impulsos contrários)
8 – é não-temporal
9 – é alheio à valores
“Catexias pulsionais que procuram a
descarga – isto, em nossa opinião, é tudo o que existe no id”, segundo o autor
nos sugere.
A partir das diferenciações entre superego
e id feitas até aqui, é que o autor diz poder melhor esclarecer as
características do ego ('ego real', segundo consta do texto). Suas palavras vão
de encontro ao seu intento: “o ego é aquela parte do id que se modificou pela
proximidade e influência do mundo externo, que está adaptada para a recepção de
estímulos, e adaptada como escudo protetor de estímulos”.
De suas características podemos
dizer:
O 'ego':
1 – é voltado para o mundo externo
2 – é receptivo às excitações
externas e do “interior da mente”
3 – tem como uma de suas funções representar
o mundo externo perante o id (devendo excluir da percepção do externo tudo o
que for interno)
4 – modula o acesso do id à
motilidade (faz isso através da atividade do pensamento)
5 – substitui o “princípio de
prazer” regente no id pelo “princípio de realidade”
6 – introduz, por via do sistema
perceptual, a relação com o tempo
7 – sintetiza conteúdos do id,
combinando e unificando
8 – evolui da percepção das pulsões
para o controle dessas
“O ego deve, em geral, executar as
intenções do id, e cumpre sua atribuição descobrindo as circunstâncias em que
essas intenções possam ser bem realizadas”, arremata o autor.
Ao fim, é postulado que este ego,
entretanto, não relaciona-se apenas com o id, mas que “serve a três senhores”:
1) o mundo externo, 2) o superego e 3) o id. E é em virtude de ter como função
harmonizar as exigências destes que, eventualmente, quando pressionado, pode
falhar, resultando disso a ansiedade.
Escrito por Rafael Moura, monitor
de Psicanálise do Curso de Psicologia – FACHS/SP