segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Vida Sexual dos Seres Humanos – Conf. XX, Vol. XVI, 1916/17


           Freud começa o texto discutindo possíveis definições para o que seria sexual no ser humano. No entanto, logo chega à conclusão de que o que habitualmente se chama de sexual (prazer do corpo, principalmente através dos órgãos sexuais, e que, em última instância, busca a união com os órgãos genitais do sexo oposto) não é suficiente para explicar outros comportamentos claramente sexuais como o contato homossexual, a masturbação, o fetichismo, entre outras manifestações desviantes que Freud inicialmente chama de perversões.  
Freud dividiu este grupo (pervertidos) entre aqueles em que o objeto sexual foi modificado e aqueles em que a finalidade sexual foi modificada. No primeiro grupo, encontramos aqueles que renunciaram a união dos dois genitais e que usam como fonte de prazer outra parte do corpo ou objetos específicos, por exemplo, peças de roupas (fetichistas). O segundo grupo de pervertidos é formado por aquelas pessoas que utilizam essas outras partes do corpo (ou objetos específicos) apenas no ato inicial ou preparatório do ato sexual para sentir prazer. Freud está falando de pessoas que sentem prazer em olhar outras pessoas, palpá-las, ou espiá-las durante os atos íntimos (atos iniciais preparatórios da cópula), sem que isto implique em uma posterior união dos genitais. Neste grupo é onde se encontra os chamados sádicos, que sentem satisfação em causar sofrimento aos seus objetos.
Em meio à descrição das perversões Freud justifica o aprofundamento neste tema alegando que é preciso dar uma explicação sobre como essas perversões estão conectadas com aquilo que descrevemos como sexualidade normal. Para ele, uma melhor compreensão das perversões viabilizaria uma melhor compreensão da sexualidade normal, uma vez que ambas partem de pressupostos que, do ponto de vista da organização, guardam uma certa semelhança
Freud nos faz relembrar que os sintomas neuróticos são substitutos da satisfação sexual e que na neurose histérica os sintomas podem ocorrer em qualquer órgão. Nos sintomas histéricos os órgãos metaforicamente substituídos pelos genitais são justamente aqueles que não possuem significação sexual. Freud, então, nos faz pensar que se para algumas pessoas existe uma dificuldade em obter uma satisfação sexual normal que as leva a inclinações pervertidas e que nada igual havia ocorrido antes, então suponhamos que nessas pessoas já se encontrava rastros das perversões, ou seja, as perversões já estavam presentes nessas pessoas de forma latente.
Isto, juntamente com a observação de crianças e a análise de adultos neuróticos, levou Freud a concluir que a perversão possuía suas origens na infância, de modo que toda criança demonstra uma pré-disposição à perversão. Para Freud, a perversão adulta não é nada mais do que “uma sexualidade infantil cindida em seus impulsos separados".
Além disso, Freud ressalta no texto, que, do ponto de vista da organização, a homossexualidade não é uma perversão. De acordo com o autor, há impulsos homossexuais nos neuróticos. Sendo assim, a questão da homossexualidade aparece apenas como uma inversão do objeto e não como uma organização perversa.  A homossexualidade, desta forma, pode aparecer em qualquer organização. O autor traz, no texto, exemplos de histeria e de paranoia relativos a tal questão.
O que se impõe aqui é, então, que a sexualidade vai muito além da função reprodutiva. Os senhores cometem o erro de confundir sexualidade com reprodução, o que lhes barra o caminho para o entedimento da sexualidade, das perversões e das neuroses. (FREUD, 1917.) Para dar conta do citado anteriormente, as teorizações psicanalíticas acerca da temática partem da sexualidade infantil. E do conceito de “libido”, que é a energia sexual  - e  se manifesta através da pulsão.
O pai da psicanálise afirma que os primeiros impulsos sexuais de uma criança tem seu aparecimento ligado com as funções vitais. Como, por exemplo, a satisfação depois do bebê amamentar no seio materno e posteriormente ao repetir o ato sem ao menos estar com fome, só que usando do seu próprio corpo, ou seja, sugando o dedo ou a língua. O autor descreve este ato como sucção sensual e de zonas erógenas as partes do corpo (boca e lábio) como locais de excitação.  Com isto podemos concluir que os bebês executam ações com o propósito de obter prazer.
Ao analisarmos o fato de que uma criança possui  sexualidade, Freud demonstra que a sexualidade infantil é do tipo pervertido. Para o autor, há nesta fase da vida, a perversão polimorfa. Ele parte, para fazer tal afirmação, de que as crianças são desprovidas daquilo que transforma a sexualidade em função reprodutiva. Sendo assim, é importante ressaltar que o abandono da função reprodutiva e a permanência da obtenção de prazer é o aspecto comum de todas as perversões. Por outro lado, é característica comum a todas as perversões o fato de elas terem renunciado à meta de reprodução. (FREUD, 1916.) A questão que se impõe aqui, então, é que a sexualidade infantil não é barrada pela castração. Ou seja, a criança não remete os seus comportamentos sexuais a questão da lei, como na neurose.
É importante diferenciar, diante das informações apresentadas, que a característica primordial das perversões vai ser o fetichismo, ou seja, a substituição de um objeto (que aqui o autor classifica como função reprodutiva) por outro.  Isso não torna, os comportamentos sexuais que estão para além da reprodução, como perversos, como o próprio autor cita e já foi dito no parágrafo anterior. A sexualidade vai além da função reprodutiva e os comportamentos sexuais também. Trata-se, aqui, de pensar em um outro ângulo e de analisar caso a caso.
Retomando  as investigações sexuais da criança, Freud destaca que a observação acerca da atividade sexual de uma criança pode começar antes dos 3 anos. Primeiro, o autor traz o exemplo dos meninos. Quando um destes   descobre que as mulheres não tem pênis, ele supõe que um dia elas tiveram, mas que esse caiu ou foi cortado. Mais tarde, amedronta-se com tal possibilidade e qualquer ameaça feita sobre seu órgão genital gera um retraimento nele. O menino, então, entra  no complexo de castração,  que está diretamente relacionado a saída do complexo de Édipo e, consequentemente, na organização psíquica da criança, pois é o que posteriormente implicará em um posicionamento diante do desejo da mãe e nas questões posteriores relativas ao final do Édipo.
No caso das meninas, elas invejam os meninos por não possuírem um pênis e desenvolvem assim o desejo de ter um pênis. De acordo com o autor,  este fenômeno se desdobra em um desejo de ser homem, o que pode transcorrer em problemas relativos ao papel feminino na idade adulta, na neurose.
Freud traz a questão de que o interessante sexual das crianças está primordialmente ligado ao fato de querer saber de onde elas vêm. Diante disso, as mesmas, em diferentes idade, apresentam hipóteses diferentes acerca do fenômeno. O autor traz exemplo  para dar uma finalização ao texto que visou demonstrar que a sexualidade na psicanálise tem uma amplitude para além do senso comum, mas que no entanto, não perde a sua associação com a questão fenômica apresentada no termo. Tratou-se, assim, neste texto, de observar de um “para além”, que não perdeu o seu rigor conceitual.

Revisado por Antônio Alberto Almeida e Aline Marcelino da Equipe de Monitores de Psicanálise do Curso de Psicologia da PUC/SP.


O Desenvolvimento da Libido e as Organizações Sexuais – Conferência XXI – Vol. XVI – 1916/17


Neste texto Freud retoma a discussão da conferência XX (“A Vida Sexual dos Seres Humanos”) acerca de possíveis definições do que seria a sexualidade humana. Logo de início ele reitera que definir sexualidade unicamente como função reprodutiva é insuficiente, uma vez que existe uma sexualidade infantil e que as perversões também são manifestamente sexuais, apesar destas não terem a união dos genitais como finalidade última.
                Quanto às perversões, Freud afirma que a repulsa que em geral elas provocam nas pessoas esconde, na verdade, um perigo de sedução, uma forte atração que precisa permanecer latente; como se aqueles que julgam moralmente os perversos, no fundo, inconscientemente, sentissem inveja da maneira como eles vivem sua sexualidade. Freud afirma ainda que dificilmente não há traços de perversão na vida sexual das pessoas que ele chama de normais.
                O beijo, o prazer em olhar e tocar outras regiões do corpo (que não os genitais), o sexo oral, a masturbação, todos esses contatos sexuais que não envolvem penetração podem facilmente culminar com o gozo e a emissão de produtos genitais, inclusive na sexualidade normal. A partir dessa afirmação Freud alega não haver um abismo entre a sexualidade normal e a perversa. A diferença entre as duas estaria no fato desta abandonar completamente o ato sexual, substituindo-o por outros contatos sexuais. Já a sexualidade normal, apesar de se utilizar de ações pervertidas de maneira preparatória, como forma de intensificação do prazer sexual, sempre terá como finalidade a união dos genitais.
                Em seguida Freud aproxima ainda mais a sexualidade normal da perversa, concluindo que ambas são oriundas de uma sexualidade infantil polimorfa que posteriormente passou por um processo de centralização onde se delimitou quais seriam os fins sexuais de cada uma. Deste modo, segundo Freud tanto a perversão como a sexualidade normal passaram a estar sujeitas a uma “bem organizada tirania”.
                Ao analisar sintomas de pacientes histéricas (neurose de conversão) e se aproximar de conflitos de ordem sexual advindos da infância, Freud pôde perceber com mais clareza a existência de uma sexualidade infantil, onde já estaria presente a busca pelo prazer do órgão.  Para ele nós só não nos lembramos das manifestações sexuais da primeira infância porque no período de latência (sexto ao oitavo ano de vida) tais memórias são recalcadas. Segundo Freud boa parte do trabalho da análise consiste em trazer à consciência essa memória.    
A vida sexual dos seres humanos começaria logo após o nascimento do bebê, na amamentação. Isso porque a ação de mamar não consiste apenas em satisfazer uma necessidade biológica de se alimentar, uma vez que já apresenta um componente erótico (o bebê tem prazer ao sugar o seio materno). Aqui, assim como ocorre na fase anal, o bebê também já consegue ter prazer com seu próprio corpo (autoerotismo), independentemente de um objeto externo. Mesmo quando já alimentado, o bebê continua estimulando sua boca com seu próprio corpo (chupando o dedo).
A fase posterior à fase oral é a fase sádico-anal, pré-genital. Nessa fase a criança ainda não entrou em contato com a diferença entre masculino e feminino, mas sim entre passivo e ativo. O que está em jogo aqui em um instinto de domínio ligado aos genitais, e um fim passivo ligado ao anus. Apesar de anteceder a fase de primazia genital, onde já há um objeto externo bem definido, na fase sádico-anal o desejo da criança ainda é polimorfo, ainda não tem definido um objeto específico onde investir a libido.
A passagem por estas duas fases e a entrada na fase fálica precisa cumprir dois objetivos. O primeiro consiste em abandonar o autoerotismo, de modo a substituir o próprio corpo por um objeto de desejo externo. O segundo consiste em substituir diversos objetos por um único objeto de desejo, um corpo total separado e semelhante ao próprio sujeito. Freud afirma que esse segundo objetivo se dá logo antes da puberdade, e que o novo objeto unificado é a mãe. Assim, a mãe se constitui como o primeiro objeto de amor, o que tem importantes implicações para o desenvolvimento da criança (entrada no complexo de Édipo). É também nesse momento que se inicia o período de latência (amnésia infantil), pois o menino recalca os impulsos incestuosos dirigidos à mãe e os impulsos hostis dirigidos ao pai. Na menina ocorre a mesma coisa, só que de maneira inversa. A rivalidade/hostilidade se dá em relação à mãe e a ligação amorosa em relação ao pai, sempre mais amoroso com a menina do que com o menino.
Passado o período de latência, na adolescência os impulsos sexuais passam a se expressar intensamente, de modo que as catexias incestuosas são restabelecidas. Isso dá origem a fortes conflitos que, em grande medida, são recalcados e continuam existindo apenas no inconsciente (aqui, em 1916, ainda não se fala em id e nem em segunda tópica), onde os afetos ambivalentes podem conviver. Inicia-se, assim, com a proximidade da vida adulta, o árduo desafio de desinvestir libidinalmente as relações edipianas e conseguir investir em outras relações fora da família. Com o sucesso dessa separação dos pais (resolução do complexo de Édipo) o sujeito deixaria de ocupar o lugar de criança e passaria a ocupar o lugar de adulto na comunidade social.

Realizado pelos monitores Andrei Cattaruzzi Gerasimczuk e Ivens Queiroz Cavalcante, da Equipe de Monitores de Psicanálise do Curso de Psicologia da PUC/SP.