Neste texto Freud retoma a
discussão da conferência XX (“A Vida Sexual dos Seres Humanos”) acerca de
possíveis definições do que seria a sexualidade humana. Logo de início ele
reitera que definir sexualidade unicamente como função reprodutiva é
insuficiente, uma vez que existe uma sexualidade infantil e que as perversões
também são manifestamente sexuais, apesar destas não terem a união dos genitais
como finalidade última.
Quanto às perversões, Freud afirma que a repulsa que
em geral elas provocam nas pessoas esconde, na verdade, um perigo de sedução,
uma forte atração que precisa permanecer latente; como se aqueles que julgam
moralmente os perversos, no fundo, inconscientemente, sentissem inveja da
maneira como eles vivem sua sexualidade. Freud afirma ainda que dificilmente
não há traços de perversão na vida sexual das pessoas que ele chama de normais.
O beijo, o prazer em olhar e tocar outras regiões do
corpo (que não os genitais), o sexo oral, a masturbação, todos esses contatos
sexuais que não envolvem penetração podem facilmente culminar com o gozo e a
emissão de produtos genitais, inclusive na sexualidade normal. A partir dessa
afirmação Freud alega não haver um abismo entre a sexualidade normal e a
perversa. A diferença entre as duas estaria no fato desta abandonar completamente
o ato sexual, substituindo-o por outros contatos sexuais. Já a sexualidade
normal, apesar de se utilizar de ações pervertidas de maneira preparatória,
como forma de intensificação do prazer sexual, sempre terá como finalidade a
união dos genitais.
Em seguida Freud aproxima ainda mais a sexualidade
normal da perversa, concluindo que ambas são oriundas de uma sexualidade
infantil polimorfa que posteriormente passou por um processo de centralização
onde se delimitou quais seriam os fins sexuais de cada uma. Deste modo, segundo
Freud tanto a perversão como a sexualidade normal passaram a estar sujeitas a
uma “bem organizada tirania”.
Ao analisar sintomas de pacientes histéricas (neurose
de conversão) e se aproximar de conflitos de ordem sexual advindos da infância,
Freud pôde perceber com mais clareza a existência de uma sexualidade infantil,
onde já estaria presente a busca pelo prazer do órgão. Para ele nós só não nos lembramos das
manifestações sexuais da primeira infância porque no período de latência (sexto
ao oitavo ano de vida) tais memórias são recalcadas. Segundo Freud boa parte do
trabalho da análise consiste em trazer à consciência essa memória.
A vida
sexual dos seres humanos começaria logo após o nascimento do bebê, na
amamentação. Isso porque a ação de mamar não consiste apenas em satisfazer uma
necessidade biológica de se alimentar, uma vez que já apresenta um componente
erótico (o bebê tem prazer ao sugar o seio materno). Aqui, assim como ocorre na
fase anal, o bebê também já consegue ter prazer com seu próprio corpo
(autoerotismo), independentemente de um objeto externo. Mesmo quando já
alimentado, o bebê continua estimulando sua boca com seu próprio corpo
(chupando o dedo).
A fase
posterior à fase oral é a fase sádico-anal, pré-genital. Nessa fase a criança
ainda não entrou em contato com a diferença entre masculino e feminino, mas sim
entre passivo e ativo. O que está em jogo aqui em um instinto de domínio ligado
aos genitais, e um fim passivo ligado ao anus. Apesar de anteceder a fase de
primazia genital, onde já há um objeto externo bem definido, na fase sádico-anal
o desejo da criança ainda é polimorfo, ainda não tem definido um objeto
específico onde investir a libido.
A passagem
por estas duas fases e a entrada na fase fálica precisa cumprir dois objetivos.
O primeiro consiste em abandonar o autoerotismo, de modo a substituir o próprio
corpo por um objeto de desejo externo. O segundo consiste em substituir
diversos objetos por um único objeto de desejo, um corpo total separado e
semelhante ao próprio sujeito. Freud afirma que esse segundo objetivo se dá
logo antes da puberdade, e que o novo objeto unificado é a mãe. Assim, a mãe se
constitui como o primeiro objeto de amor, o que tem importantes implicações para
o desenvolvimento da criança (entrada no complexo de Édipo). É também nesse
momento que se inicia o período de latência (amnésia infantil), pois o menino
recalca os impulsos incestuosos dirigidos à mãe e os impulsos hostis dirigidos
ao pai. Na menina ocorre a mesma coisa, só que de maneira inversa. A rivalidade/hostilidade
se dá em relação à mãe e a ligação amorosa em relação ao pai, sempre mais
amoroso com a menina do que com o menino.
Passado o
período de latência, na adolescência os impulsos sexuais passam a se expressar
intensamente, de modo que as catexias incestuosas são restabelecidas. Isso dá
origem a fortes conflitos que, em grande medida, são recalcados e continuam
existindo apenas no inconsciente (aqui, em 1916, ainda não se fala em id e nem em segunda tópica), onde os
afetos ambivalentes podem conviver. Inicia-se, assim, com a proximidade da vida
adulta, o árduo desafio de desinvestir libidinalmente as relações edipianas e
conseguir investir em outras relações fora da família. Com o sucesso dessa
separação dos pais (resolução do complexo de Édipo) o sujeito deixaria de
ocupar o lugar de criança e passaria a ocupar o lugar de adulto na comunidade
social.
Realizado pelos monitores Andrei
Cattaruzzi Gerasimczuk e Ivens Queiroz Cavalcante, da Equipe de Monitores de
Psicanálise do Curso de Psicologia da PUC/SP.
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