quinta-feira, 13 de outubro de 2016

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

CRONOGRAMA DE PSICANÁLISE DO 1º SEMESTRE DE 2016


CRONOGRAMA PSICANÁLISE FREUD I
Professoras Chu Cavalcanti, Adriana Barbosa, Clarissa Metzger e Paula Peron


CRONOGRAMA PSICANÁLISE FREUD III
Professoras Adriana Barbosa Pereira, Clarissa Metzger, Paula Peron e Chu Cavalcanti

domingo, 2 de agosto de 2015

PRIMEIRA E SEGUNDA TEORIA TÓPICA, PULSIONAL E DA ANGÚSTIA: RAZÕES PARA AS MUDANÇAS.

Na primeira teoria tópica freudiana (A interpretação dos Sonhos - 1900) os lugares psíquicos são constituídos pelo Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente, cada qual com seu tipo de processo e sua energia de investimento, sendo que cada sistema tem uma diferenciação também no seu significado funcional, sendo por isso que a mesma parte do aparelho não pode exercer funções contraditórias.
A psicanálise encontra desde o seu início o conflito psíquico no ser humano, o qual Freud descreve em sua metapsicologia como: exigências internas opostas.
Ao nível tópico, esse conflito se dá entre sistemas ou instâncias. 
No desenho de sua primeira teoria tópica, ele se encontra entre os Sistemas: Inconsciente, por um lado, e Pré-consciente/Consciente, por outro; esta oposição corresponde igualmente à dualidade do princípio de prazer e princípio de realidade, onde o que está em jogo é o conflito entre a satisfação da sexualidade e uma instância recalcadora que possui aspirações éticas e morais.
Nesta concepção tópica do aparelho psíquico, o ego é considerado como sendo totalmente consciente, porém, Freud, a partir da escuta das histéricas, percebe que a resistência destas, que surge quando as associações deixam de fluir livremente, é inconsciente. As pacientes não se apercebem desta resistência, para elas as associações apenas tornaram-se mais difíceis.
Freud ao se questionar de que parte do ego surge essa resistência, conclui que só pode ser uma manifestação do ego, portanto o ego possui além da sua parte consciente, também uma parte inconsciente, responsável pelos seus mecanismos de defesa, entre eles o recalque e resistência.
Freud descobre, além do recalque e da resistência, outros mecanismo inconsciente do ego: o narcisismo e a identificação.
No narcisismo (secundário) há retirada da libido investida em objetos externos para o próprio ego; Freud observa esses fenômenos no homossexualismo e na psicose. O ego toma a si mesmo como objeto de amor e cuidado, essa descoberta também irá operar grandes mudanças na teoria das pulsões.
Na identificação, o ego assimila aspectos, propriedades ou características de outros sujeitos. Inicialmente Freud observa esse fenômeno na histeria, onde a assimilação é passageira, depois na melancolia onde há uma regressão a uma identificação mais arcaica, preliminar da escolha do objeto.
A idéia de uma identificação arcaica abre caminho para uma concepção do ego como constituído, desde sua origem, por identificações, e de uma diferenciação (clivagem) no seu seio, de determinados componentes, resultando no ideal do ego que na segunda teoria tópica é veiculado pelo Superego.
Com essas descobertas, a primeira teoria tópica não se sustenta mais, pois o Inconsciente – tópico e dinâmico, que era tomado até então em duplo sentido: como substantivo, designando o lugar psíquico; e como adjetivo, designando uma qualidade-- não pode pertencer a uma região, já que o ego, que até então era considerado como sendo totalmente consciente, e, portanto seu oposto, possui partes inconscientes.
Assim, Freud a partir da década de 20 (“virada” de 20) elabora uma segunda teoria tópica designando os lugares psíquicos em três instâncias: ID (ISSO) – pólo pulsional da personalidade; EGO (EU) – se situa como representante dos interesses da totalidade da pessoa e é investido de libido narcísica; e o SUPEREGO (SUPEREU)– julga e critica, é constituído por interiorização das exigências e das interdições parentais. 
Na segunda teoria tópica, o inconsciente passa a ser uma qualidade atribuída às instâncias psíquicas, de modo que o Id é totalmente inconsciente e o Ego e Superego possuem partes conscientes e inconscientes.
Ao nível econômico-dinâmico ocorre outro conflito psíquico que se dá entre dois grandes campos de pressões interna (pulsões). 
Freud nomeia esse dois campos de força, em sua primeira teoria das pulsões, como pulsões do ego ou de autoconservação e pulsões sexuais (1910).
Ele observa o dualismo das pulsões no estudo da histeria, vê ali, a partir do recalque, uma tendência que procura sua autopreservação -- que possui aspirações morais da personalidade e procura manter-se aceita socialmente -- contrapondo-se a realizações sexuais, a movimentos em direção ao objeto desejante.
Esta contraposição acontece devido às características específicas das representações das pulsões sexuais que são inconciliáveis com o ego e geram desprazer para este.
As pulsões do ego opostas às pulsões sexuais têm suas bases fundadas na teoria da libido, porém, quando Freud começa a aprofundar seus estudos no ego propriamente dito, depara com o fenômeno do narcisismo, que o obriga a rever a teoria das pulsões.
No narcisismo, segundo Freud, “o ego toma a si mesmo como objeto e se comporta como se estivesse apaixonado por si próprio”.
Freud observa, na psicose, esse retraimento da libido que confere ao psicótico o estado de desligamento do mundo externo, mas também em situações não patológicas, como no adoecimento orgânico (a libido fica indisponível para o mundo externo), no sono e no homossexualismo. 
Até então, Freud postulava que o ego era autônomo em relação à sexualidade, mas com a pesquisa sobre o narcisismo, percebe que o Ego é cortado por esta, o próprio EU pode ser alvo do investimento sexual, com isso, não pode ser isento de sexualidade, ou seja, não pode ser pólo oposto à pulsão sexual.
No entanto o conflito psíquico que Freud postulou desde o início da teoria psicanalítica, logo encontra outra expressão: pulsões de vida x pulsões de morte.
Foi em “Além do princípio de prazer” (1920) que Freud introduziu essa grande oposição.
As pulsões sexuais+ pulsões do ego ou de autopreservação são, nesta segunda teoria das pulsões, unidas pelo conceito de pulsões de vida e designadas pelo termo Eros.
A meta de Eros é instituir unidades, conservar. As pulsões que nos levam a investir no objeto são, portanto, pulsões de vida e nos levam a ligação.
Em contrapartida a meta da pulsão de morte é desligamento dos objetos, dissolução de agregados, agressividade ao objeto, agressão a si mesmo. 
Para Freud toda a pulsão possui caráter conservador, ou melhor, regressivo.
Na pulsão de morte esse caráter emerge como tendência a redução completa das tensões, isto é, tende a reconduzir o ser vivo ao estado anorgânico (repouso absoluto). Quando voltada ao interior tende a autodestruição; voltada ao exterior, manifesta-se sob a forma de pulsão de agressão ou de destruição.
Na pulsão de vida, Freud recorre ao mito de Aristófanes em “O Banquete,” de Platão -- para justificar o caráter conservador/regressivo desta pulsão -- segundo o qual o acasalamento sexual procuraria restabelecer a unidade perdida de um ser originalmente andrógino, anterior à separação dos sexos.
Freud se aproxima da ideia de pulsão de morte após a primeira guerra mundial, está faz com que ele se questione sobre a natureza da agressividade humana e a finalidade da repetição do desprazer que encontra nos seus pacientes combatentes de guerra. 
No exame dos sonhos desses pacientes há uma repetição, onde eles revivem o trauma sofrido na guerra, isso faz com que a característica de realização de desejo atribuída ao sonho seja revista e nela se acrescente que o sonho também pode ser a repetição de uma situação traumática a procura de elaboração psíquica.
A repetição do sofrimento também pode ser notada fora da análise, segundo Freud, “Há pessoas em cujas vidas se repetem indefinidamente as mesmas reações não corrigidas, em prejuízo delas próprias, assim como há outras pessoas que parecem perseguidas por um destino implacável, embora uma investigação mais atenta nos mostre que tais pessoas, sem se aperceberem, causam a si mesmas esse destino. Em tais casos, atribuímos um caráter ‘demoníaco’ à compulsão à repetição”.
Ainda fora da clínica, Freud observa, nas brincadeiras infantis, repetições de situações desprazerosas. Faz essa descoberta ao notar que seu neto repete uma brincadeira (jogo do fort/da – foi/voltou) com um carretel de linha. Na brincadeira a criança joga o carretel para frente e diz “foi”, reencenando a saída da mãe e repetindo o desprazer; depois puxa o carretel ao seu encontra e diz “voltou”, reencenando um controle da situação e fazendo uma elaboração psíquica. 
Na primeira teoria pulsional, o aparelho psíquico é regido pelo prazer, com a elaboração da segunda teoria pulsional passa a ser regido pelo prazer/desprazer. Isso significa que uma tendência pulsional nunca se manifesta em estado puro, mas sempre em misturas (pulsões de vida + pulsões de morte) com proporções variadas.
Deste modo, as pulsões de morte podem ser posta a serviço de uma função sexual, é como Freud passa, então, a examinar o masoquismo de ordem repetitiva e o sadismo, antes explicados por um jogo complexo de pulsões de objetivo absolutamente positivo.
No masoquismo, o sujeito obtém satisfação sexual em ser mau tratado, em seu próprio sofrimento, a destruição está voltada para si; enquanto no sadismo, essa satisfação se dá a partir do sofrimento e dor do seu objeto, a destruição está voltada para fora.
Freud também observa, na resistência que surge no seu trabalho analítico e na investigação dos motivos desta, um fenômeno que nomeia como reação terapêutica negativa, caracterizado por um desejo masoquista de punição, resistência a cura e apego ao sofrimento. 
O narcisismo, a repetição (observada no masoquismo), o sadismo e a reação terapêutica negativa, são fenômenos que sustentam a elaboração da pulsão de morte e sua oposição à pulsão de vida, na segunda teoria das pulsões.
Na primeira tópica, Freud postula dois princípios que regem o funcionamento psíquico:
O princípio de prazer, segundo o qual a atividade psíquica tem por objetivo a evitação da tensão desprazerosa, buscando incessantemente o prazer, através de descargas das tensões pelos caminhos mais curtos e; 
O princípio da realidade, que surge a partir de uma modificação do princípio do prazer, impondo-se como princípio regulador do funcionamento psíquico, na medida em que estando a serviço do Ego, a busca pela satisfação reconhece o adiamento devido das exigências exteriores.
Com a introdução do novo conflito psíquico, Freud elabora um princípio do funcionamento mental responsável pela pulsão de morte:
O Princípio de Nirvana, o qual designa a tendência do aparelho psíquico para levar a zero ou reduzir o máximo possível qualquer excitação de origem interna ou externa. Esse princípio é claramente definido; mas o princípio de prazer - e sua modificação em princípio de realidade – que passa a representar as pulsões de vida, dificilmente pode ser apreendido em sua acepção econômica.
A formulação dos conflitos psíquicos da 2° teoria tópica e da 2° teoria das pulsões trouxe modificações na articulação nos dois níveis - tópico e econômico/dinâmico. Essa articulação é difícil de estabelecer, pois uma determinada instância, parte envolvida no conflito, não corresponde necessariamente a um tipo específico de pulsão ou de princípio de funcionamento psíquico. 
As mudanças teóricas apresentadas acima repercutiram na teoria da angústia, a qual também passou por reformulações.
Assim, na 1° teoria da angústia, Freud a descreve como “um estado afetivo, isto é, uma combinação de determinados sentimentos da série prazer-desprazer, com as correspondentes inervações de descarga, e uma percepção dos mesmos, mas, provavelmente, também como um precipitado de um determinado evento importante, incorporado por herança”.
Esse evento importante é o processo do nascimento, o qual desencadeia, através de algo externo ao sujeito, reações fisiológico-orgânicas (aumento da freqüência cardíaca e respiratória) comuns à angústia, por isso essa 1° angústia é chamada por Freud de angústia tóxica.
A angústia, como estado afetivo, é a reprodução de um antigo evento que trouxe perigo (desamparo do nascimento), serviu como proteção e sinal.
A partir disso, Freud, contrapõe a angústia realística à angústia neurótica.
Assim, a angústia realística é um derivado da angústia tóxica - atenção sensorial e tensão motora aumentadas – é um sinal que prepara o sujeito para se defender frente a um perigo externo que constitui uma ameaça real, portanto, o perigo é consciente. 
A angústia neurótica surge sob 3 condições:
• Como nas neuroses de angústia típica, onde um estado de apreensão difusa e livremente flutuante está pronto a vincular-se a qualquer possibilidade que de imediato possa surgir.
• Como nas fobias, onde está vinculada á determinada ideia, aqui há uma relação com o perigo externo, porém de modo exagerado. Nota-se que esse perigo externo é apenas um deslocamento de um perigo interno.
Em ambas as condições citadas acima, a angustia surge como uma transformação direta da libido.
• Como na histeria e em neuroses graves, onde surge acompanhada de sintomas ou independentemente como ataque e sem qualquer base visível de perigo externo. Nestas condições, a angústia surge como conseqüência do recalque; a ideia é recalcada, mas a cota de afeto ligada a ela é transformada em angústia.
Freud, em suas investigações, encontra uma relação entre a geração de angústia e a formação dos sintomas. Para ele, a formação de sintoma substitui e é proteção contra a angústia, portanto a angústia surge primeiro e a geração de sintoma depois.

Para Freud, a grande diferença entre a neurose realística e a neurose de angústia é que na primeira o perigo é externo e consciente, enquanto na segunda ele é interno (a própria libido), e inconsciente.
Contudo, Freud não está satisfeito com a teoria da angústia. Tem a impressão que falta algo que una todas as descobertas.
Mas, é somente a partir da reformulação da teoria das pulsões, realizada no texto Além do princípio do prazer; da introdução da pulsão de morte e da divisão estrutural do aparelho psíquico, no artigo O Ego e o Id, que Freud refaz a sua trajetória no que diz respeito à teoria da angústia.
Neste contexto teórico da segunda tópica, ele repensa a natureza da angústia, reformula a sua função, tendo como pano de fundo o novo conceito de Ego e suas instâncias ideais.
É neste sentido que Freud afirma que o Ego é a sede da angústia, ele sente e produz angústia.
“(...) é difícil verificar que sentido haveria em falar em ‘ansiedade de id’ ou em atribuir ao superego capacidade para sentir um estado de apreensão.”
Freud, ao perceber que, o bebê não possui um ego desenvolvido capaz de recalcar e ainda assim sente angústia e que a origem da angústia está nos conflitos psíquicos, reformula sua teoria.
Nesta 2° teoria da angústia, a partir do exame dos recalques de impulsos plenos de desejos oriundos do complexo de Édipo, Freud conclui que, o recalque é conseqüência da angústia como sinal que anuncia uma situação de perigo, ao contrário da primeira teoria, na qual a angústia era conseqüência do recalque.
Assim, no complexo de Édipo, o menino sente-se angustiado em face de uma exigência feita por sua libido, mas se o desejo inconsciente é realizado, o sujeito corre o risco de ser castrado, portanto, a angústia é o medo inconsciente da libido frente à ameaça de castração, desse modo a angústia é neurótica, mas o perigo é externo e real. O recalque é uma alternativa para lidar com a angústia porque é uma forma do Ego satisfazer parcialmente as exigências do mundo-externo/realidade, do Superego do Id (formando o sintoma), escapando à castração, mas renunciando inconsciente a realização do desejo.
Nas meninas, não há o temor à castração, o que acontece com elas é o temor a perda do amor. Essa situação de perigo indicada por uma angústia remete a sensação de desamparo que acompanha o nascimento do bebê (angústia original).
Nesta segunda teoria, os perigos internos e externos geram a angústia, que é inerente ao aparelho psíquico.
Os perigos internos são as excitações do ID.
Os perigos externos para cada estádio do desenvolvimento são: o desamparo psíquico no ego inativo; a perda de um objeto no ego imaturo; a castração na fase fálica e o superego no período de latência.
A angústia neurótica surge sob diversas situações, mantendo um paralelo com as relações que o ego estabelece:
• Angústia Original: produzida na experiência do nascimento enquanto separação da mãe/ bebê, é vivida como um trauma, pois o bebê não tem mais a certeza de que suas necessidades serão satisfeitas e de que ele estará protegido, então fica desamparado psiquicamente para lidar com as tensões pulsionais que se apresentam. Serve de modelo para as demais situações de angústia.
• Angústia Realística: produzida no conflito entre o Mundo Externo e o Ego, uma vez que representa um perigo real e externo ao sujeito.
• Angústia Neurótica: Produzida no conflito entre o Ego e o Id.
• Angústia Moral (culpa): produzida no conflito entre o Ego e o Superego, relaciona-se à resolução da castração e do Complexo de Édipo. É característico das relações sociais.
Com a formulação da 2° teoria da angústia, Freud acrescenta novas características ao Ego: com sua face voltada à realidade, passa a ser parte mais organizada do Id, apesar de ser um servo leal deste, mas também exerce influência sobre ele (Id), quando coloca em ação o princípio prazer-desprazer por meio do sinal de angústia; fica fraco na medida em que, pelo ato do recalque, tem que renunciar parte de sua organização e convir que o impulso pulsional recalcado se mantenha afastado de sua influência. 

Setembro/2010 – Elaborado por Anna Miha da Equipe de Monitores de Psicanálise – PUC/SP – Campus Barueri.

sábado, 1 de agosto de 2015

Resenha sobre o filme "Um Método Perigoso'

http://pipocaenanquim.com.br/cinema/um-metodo-perigoso-2011-critica/

FUNÇÃO MATERNA E AUTISMO: UMA ANÁLISE DO CASO JOEY

Resumo TCC – “FUNÇÃO MATERNA E AUTISMO: UMA ANÁLISE DO CASO JOEY”
Bárbara Nascimento Ayrosa
Orientação: Profa. Dra. Paula Regina Peron
Parecerista: Profa. Silvana Rabello
Nota do parecerista: 8,5
Nota final: 9,0
FCHS – PUC - SP – 2010

Resumo- 
O trabalho analisou a história de vida do garoto Joey, relatada em A Fortaleza Vazia pelo autor Bruno Bettelheim, com o objetivo de analisar a falha na função materna nos primeiros meses de vida do garoto, bem como quais foram suas conseqüências para que ele se constituísse de maneira autista. Nele constam fotos do quartinho de Joey, mostrando toda a maquinaria montada pelo garoto. 


Introdução
Autismo
• psicopatologia infantil bastante grave
• estudada pela Medicina e Psicologia
• etiologia não esclarecida

- Leo Kanner, em 1943, foi o primeiro a expor estudos sobre autismo, nomeando de “autismo infantil precoce”. Ele acompanhou crianças com comportamentos semelhantes: 
• respostas incomuns ao ambiente
• maneirismos motores estereotipados
• inabilidade de desenvolver relacionamentos
• atraso na aquisição da fala (tendência à ecolalia)
• manutenção obsessiva da rotina
• falta de imaginação
• boa memória
• fisionomia normal

- Kanner observou frieza e distancia das mães perante as crianças que ele acompanhou. 
→ utilizou a relação mãe-bebê para explicar a etiologia do autismo. 
- Há controvérsias quanto à etiologia do autismo. Segundo Tamanaha (2008), há duas abordagens teóricas distintas quanto às hipóteses para etiologia: 
• teoria afetiva (relacional) → psicanálise
• teoria orgânica que prioriza falhas cognitivas e sociais → biologismo
- Tentando padronizar as diferentes formas de entender o autismo, desde 1994, a Associação Americana de Psiquiatria, no DSM-IV, passou a classificar crianças autistas e psicóticas como uma categoria denominada “portadores de distúrbios globais do desenvolvimento”
- Outra forma de tentar um diagnóstico do autismo, o CID-10 caracteriza como um desenvolvimento anormal ou alterado, apresentando falhas de funcionamento nas áreas de comunicação e interação social, com manifestações de comportamento repetitivo. 
- Para a psicanálise, o autista não se constituiu como sujeito, mas sim autisticamente. 
- Jerusalinsky, apud Kupfer (2000), compreende que o autismo é uma falha na função materna, enquanto que a psicose é uma falha na função paterna. 
- Calligaris (1989) remete o autismo a uma precoce problemática de defesa, uma tentativa de apagar a demanda do outro, se anulando.
- Na visão da Psicanálise Lacaniana, o comportamento isolacionista deve-se à ocorrência de falha em algum momento da relação mãe-bebê durante os primeiros meses de vida deste. 
- Para Lacan, a constituição subjetiva depende da relação com o Outro. 
→ dependência de outro ser humano para sobreviver e se constituir. 
→ mãe/cuidador (função materna) tem grandes responsabilidades. 
- Se houver falhas, ou seja, se a mãe ou o cuidador não conseguir supor um sujeito no bebê e não o investir libidinalmente, poderá ocorrer sérias conseqüências na constituição psíquica dessa criança. 
- Kupfer (2000) afirma que as falhas por parte das mães de autistas não se trata de atitudes conscientes, mas sim inconscientes, não intencionais.

Método
- O trabalho refere-se a uma pesquisa em Psicanálise.
→ teoria sobre o psiquismo (Violante, 2000). 
→ objeto de estudo: o inconsciente.
- Laplanche entende que a sexualidade também é um objeto da psicanálise, já que está implicada na constituição do psiquismo. 
- Para psicanálise, a constituição psíquica do sujeito não é algo natural. 
- Na psicose e no autismo o sujeito não se reconhece como um sujeito e nem seu Eu é reconhecido pelos outros.
- Trata-se de uma pesquisa teórica, em que há a análise de um caso da literatura psicanalítica (Caso Joey) para examinar as noções de autismo infantil e a interferência da função materna (ou falha desta) para a constituição psíquica autística. 

Capítulo 1 – Descrição do caso 
- O Caso Joey foi um caso de Bruno Bettelheim (1903-1990) e relatado em seu livro A Fortaleza Vazia. 
- Bettelheim 
→ nasceu em Viena
→ família da alta burguesia judia
→ estudou literatura, história da arte e estética
→ interessou-se por psicanálise e a partir de 1932 pelo tratamento psicanalítico infantil
→ foi deportado para um campo de concentração, em 1938, ficando lá por um ano. 
→ após sua liberação, dirigiu de 1943 a 1973, a Escola Ortogênica de Chicago (EUA) - instituição para o acolhimento de crianças que sofriam de distúrbios afetivos graves, especialmente autistas. 
→ Joey foi atendido nessa escola e alcançou um sucesso relativo

Joey
- Segundo Bettelheim, Joey não se sentia uma pessoa, mas sim um dispositivo mecânico. 
- Criou seu próprio mundo onde não havia sentimentos, só máquinas. 
- O casamento dos pais de Joey foi uma tentativa de solucionar traumas de casos amorosos anteriores. 
→ a mãe amou um homem que morreu na Segunda Guerra Mundial
→ o pai também teve um amor infeliz
- Os pais não estavam preparados psicologicamente para ter um filho. 
- A mãe e a maternidade 
→ não deixou que a maternidade provocasse qualquer emoção 
→ “Nunca me dei conta que estava grávida” (p. 259). 
→ o nascimento do bebê não fez nenhuma diferença. 
→ em partes gostou de ter um filho, pois diminuiria sua solidão
→sentiu-se apavorada com a responsabilidade da maternidade e com medo de não ser uma boa mãe - se desprendeu do bebê
→ considerava Joey uma coisa. 
→ não quis vê-lo nem amamentá-lo. 
- Segundo Bettelheim, Joey não foi acolhido e nem rejeitado, ele foi simplesmente ignorado, tudo isso devido a uma ansiedade absoluta e reprimida como um ato de defesa. 
- Ao ir para casa, Joey “chorava quase o tempo todo” (p.260), sofria de cólicas, alimentava-se a cada quatro horas rigorosamente, era trocado quando necessário. Ninguém brincava com ele e nem o embalava para dormir. 
- Com o passar do tempo, passou a bater violentamente a cabeça, balançando-a ritmicamente para frente, para trás e para os lados. 
- O pai 
→ era militar 
→ transferido para outra unidade de trabalho 
→ descarregava freqüentemente sua irritabilidade no bebê. 
- Com um ano e meio, Joey e sua mãe se mudaram para casa dos avós maternos, que observaram uma mudança estranha e evidente em seu comportamento. Notaram um envolvimento com máquinas, e principalmente, com um ventilador que ganhou de seus pais em seu aniversário de um ano. Joey desmontava e remontava o presente repetida e incansavelmente.
- Bettelheim entende que o interesse pelo ventilador é justificado pelo fato de Joey ser levado desde muito cedo para o aeroporto quando seu pai embarcava e desembarcava de suas viagens a trabalho. Tais viagens tiveram grande significado para o garoto. 
- Joey 
→ era uma criança autista que falava, embora não se comunicasse 
→ por viver em um vazio, sua linguagem foi se tornando abstrata e despersonalizada
→ não utiliza os pronomes
→ classificava os alimentos em novas categorias, passou a substituir a qualidade nutritiva dos alimentos por qualidades físicas 
→ aos quatro anos de idade foi encaminhado para uma escola maternal para crianças perturbadas. 
- A orientadora infantil reconheceu a necessidade de um tratamento psiquiátrico para o menino, já que vivia isolado e só se interessava por movimentos giratórios. 
- Na clínica, Joey foi diagnosticado autista e proposto um tratamento psicoterápico individual tanto para a criança como para os pais. 
- Os anos de terapia para os pais proporcionaram um progresso e melhora na relação do casal até um nível satisfatório. Eles tiveram mais dois filhos não autistas, uma menina seis anos mais nova que Joey e um menino treze anos mais novo.
- Durante a terapia e a escola maternal
→ apresentou alguns progressos embora tenha mantido os comportamentos autísticos – nunca brincou com as outras crianças
→ passou a reconhecer a existência de sua terapeuta e até a interagir um pouco com ela
→ passou a utilizar pronomes pessoais ao contrário 
→ após um ano passou a chamar a terapeuta pelo nome 
→ pouco depois de seu tratamento com essa terapeuta acabar, passou a utilizar o pronome “eu” na forma correta e identificar além da terapeuta, algumas crianças pelo nome. 
- Mas seis anos era a idade limite permitida para a escola maternal, então passou dois anos seguintes em um internato, perdendo muito do seu progresso conquistado. Voltou a um mundo despersonalizado, dirigia só a mãe, manifestava-se por murmúrios. Não era mais capaz de utilizar pronomes pessoais e nem chamar as pessoas pelo nome. 
- Joey voltou para casa enquanto aguardava ser admitido na Escola Ortogênica. O menino não falava mais nem “mamãe” e sua relação com ela só piorou, pois toda a atenção era direcionada a filha mais nova. 
- O garoto foi mergulhado em uma raiva, tornando sua própria vida insuportável, levando-o a cometer uma tentativa de suicídio. 
- Joey na escola de Bettelheim 
→ aos nove anos e meio foi admitido pela Escola Ortogênica
→ apresentava estatura menor que o esperado, estava magro, parecia frágil, “um homem mecânico” (p. 254). 
→ encontrou um mundo em que sentimento era sinônimo de sofrimento, então criou um mundo próprio, sem lugar para sentimentos. Interessava-se pelas máquinas, por serem mecânicas e isentas de emoções
→ era uma criança carente
→ sua realidade era a das máquinas
→ observaram atentamente sua entrada na sala de jantar, por exemplo. O menino ligava a si mesmo com um fio imaginário a uma tomada imaginária antes de comer, porque só a corrente fazia funcionar seu aparelho digestivo. 
→ aproximação de Joey com Fae, Bárbara e Lou, suas orientadoras e seu professor, por volta dos doze anos, deixou de agir como um aparelho mecânico, para ser uma criança humana, tornando-se um recém-nascido 
→ após nove anos na escola, já era capaz de sentir emoções e desejava ser amado, demonstrava vontade de dirigir sua própria vida e comunicou que queria voltar a morar com seus pais para recomeçar sua vida em família. 
- Joey completou sua educação em uma escola técnica e após o término de seus estudos, pediu aos pais para visitar a escola de Bettelheim indo sozinho até Chicago. Nessa visita, Bettelheim pediu a Joey o consentimento de publicar sua história. 

Capítulo 2 – Autismo Infantil 
- Autismo abrange diversas maneiras de ser compreendido. “O autista do neurologista não é o autista do psicanalista” (Kupfer, 2000). Mesmo entre os psicanalistas há divergências sobre o assunto. 
- Há uma parte dos psicanalistas os quais acreditam que as falhas de estrutura do autismo não são, necessariamente, as da psicose. (Penot, 1997).
- Jerusalinsky propõe uma quarta estrutura clínica, a autista, além da psicose, neurose e perversão proposta por Lacan. (Kupfer, 2000).
- A função materna tem como principal objetivo dar possibilidade de surgir um sujeito no bebê, enquanto que a função paterna tem a principal missão de barrar, mediar à relação desejante estabelecida entre uma mãe e seu bebê, carregando a lei, inclusive a castração. (Jardim, 2000). 
- Autismo X Psicose
→ Jerusalinsky: Autismo = falha da função materna e um caso de exclusão. 
Psicose = falha na função paterna e um caso de foraclusão. 
→ Lacan: Foraclusão = se produz uma inscrição do sujeito. 
Exclusão = não há inscrição. 
- Para Lacan, o que caracteriza a estrutura psicótica é a não ocorrência e, portanto, a não inscrição da castração no Inconsciente. A psicose é uma estrutura em que o Nome-do-Pai é foracluído do Simbólico. (Lima, 2001)
→ Calligaris (1989): Autismo = aquém da psicose; tentativa de apagar a Demanda do Outro, se anulando.
- Conclui-se então que, apesar de quadros diferentes, autismo e psicose se tratam de efeitos de uma falha na educação primordial e esta inscreve marcas simbólicas no psiquismo, impossibilitando uma fundação de um sujeito. (Lima, 2001).

Histórico do autismo 
- Surgiu na psiquiatria, em 1906, como adjetivo para pacientes com demência precoce. 
- Kanner (primeiro a publicar estudos profundos sobre autismo) oscilou no transcurso de seus textos, entre considerar uma síndrome genética e enfatizar as relações mãe-bebê para explicá-lo. (Kupfer, 2000). 
- A partir dessa visão de Kanner, duas correntes de tratamento foram tornando-se claras: 
→medicalização (visão biológica e genética) 
→ psicoterapia (visão psicanalítica)
- A relação mãe-bebê não é totalmente consciente, então as mães não precisam se sentir culpadas pelo autismo de seus filhos. Mas, elas são responsáveis pelo futuro subjetivo de seus filhos. (Kupfer, 2000). 
- Segundo Montgomery (1997), a gravidez é um período de grandes transformações físicas e psicossociais e então, é necessário que a gestante se adapte a essas mudanças. 
- O nascimento de uma criança nem sempre é sinônimo de alegria para a mãe, como o esperado. O ideal de mãe perfeita foi construído ao longo da história da humanidade (Azevedo e Arrais, 2006) e a imagem idealizada da maternidade não é algo tradicional e natural da mulher, mas construída culturalmente. (Frona, 1999). 
- Se uma criança se desenvolve autisticamente é porque algo impossibilitou a mãe de realizar sua função como necessário para a constituição psíquica de seu bebê, como um sujeito autônomo, falante e desejante. Pode também, o bebê não representar e suportar a posição desejante, não possibilitando uma relação saudável com a mãe. 

Capítulo 3 – Constituição do Sujeito 
- Bebê humano é extremamente dependente do outro para garantir sua sobrevivência física e psíquica, possibilitando a constituição de um sujeito.
- Para Psicanálise, a constituição do sujeito está intimamente ligada a linguagem, por isso, é necessário a existência de um Outro que sustente a temporalidade do desejo em relação ao bebê. (Jerusalinsky, apud Rabello, 2005). 
- A construção de um eu deve acontecer durante a primeira infância, primeiro tempo de uma construção de uma imagem unificada do corpo. (Rabello, 2005). 
- A função materna é o primeiro objeto a ser simbolizado e que inscreve o bebê no campo da linguagem. 
- A mãe desejando o desejo do bebê, passa a oferecer ao bebê a possibilidade de intermediar-se ativa e significantemente com o mundo. (Kupfer, 2000). 

Olhar materno 
- Não se trata de um simples olhar, mas um olhar desejante para auxiliar na constituição do sujeito. 
- O bebê tem que tomar um lugar ideal aos olhos da mãe. E esta desejá-lo e investi-lo libidinalmente. (Penot, 1997). 
- Um exemplo do desejo ou do olhar materno se dá na metáfora do espelho, em que para Lacan, é o primeiro momento da constituição do sujeito. Se inicia com a construção da imagem corporal, através de um outro que lhe oferece um nome, uma história, uma imagem, um lugar social, o qual possibilitará em uma totalidade e maturação. (Kupfer, 2000). 
- Para que o bebê ocupe o lugar de objeto de desejo é preciso que antes ele esteja constituído em seu genitor. É apenas no olhar de amor do Outro primordial que o bebê se tornará objeto de desejo. (Penot, 1997). 

Mapeamento corporal
- É pela estimulação sensorial que o bebê apreende o mundo e toma consciência da dimensão de si próprio. 
- No início, a representação psíquica é constituída de partes soltas, não interligadas. Através do investimento libidinal dos cuidados maternos com seu bebê, essa representação vai começando a formar uma dimensão de sujeito unificado. A mãe, então, auxilia na construção de um contorno corporal e posteriormente um ego. (Silva, 1997).
- Portanto, o corpo que será a expressão da subjetividade do sujeito é dependente de um Outro primordial: a mãe. 

Manhês
- Além do olhar desejante, o investimento libidinal e a forma como a mãe toca o bebê, é importante o modo como ela se dirige verbalmente a ele, nomeada de manhês pelos psicanalistas. (Penot, 1997). 
- Momentos de manhês são momentos especiais de conexão entre a mãe e o bebê. Vêm carregados de palavras com formas longas, melódicas, doces, além de expressões faciais exageradas, movimentos rítmicos do corpo que focalizam a atenção do bebê, são mais facilmente compreendidos e favorecem a comunicação. (Kupfer, 2004). 
- Portanto, a mãe tem grande responsabilidade perante o processo de constituição de seu filho como um sujeito. 

Capítulo 4 - A constituição autísitca
- Kupfer (2000) afirma que a razão para o autismo é a falha na função materna.
- Os primeiros traços, não olhar para o rosto de ninguém e não fixar a cabeça (hipotonia), já podem ser vistos por volta dos seis meses de idade. 
- Uma simples deficiência orgânica pode não ser a única responsável para impedir o processo de subjetivação. (Lima, 2001).
- O autista não constituiu uma imagem narcísica de si, ele está anterior ao Estádio do Espelho lacaniano. Para ele não existe o Outro. 
- Como não há uma estruturação narcísica primária, há uma debilidade no estabelecimento de relações com o mundo. (M. Silva, 1997).
- Calligaris (1989) propõe a existência de quatro tempos para a constituição de uma estrutura neurótica ou psicótica. 
1) Disposição já inscrita no Outro
2) Relação com o Outro dito “materno”
3) Édipo
4) Latência e a saída na puberdade
Assim, há uma necessidade de cautela para o diagnóstico precoce de qualquer psicopatologia. 

Ausência do olhar materno
- Falta do olhar materno é o primeiro indicativo para um risco de autismo ou uma dificuldade para “relação especular com o Outro”. (Penot, 1991). 
- Segundo Freud (1914), o filho é um prolongamento do narcisismo parental, ou seja, eles transmitem uma série de desejos e demandas de suas vivências edípicas à criança. O filho precisa ocupar o lugar de objeto das demandas do Outro para entrar no campo da linguagem e se constituir como um sujeito.
- A criança autista não entra no campo de alienação ao desejo do Outro, pois o Outro não está lá, não investe a criança libidinalmente. Como não é vista pelo desejo do Outro materno, há uma impossibilidade da criança ver traçada sua imagem no olhar do Outro, e então, a passagem pelo Estádio do Espelho é inviável. (Lima, 2001). 

Ausência da imagem corporal 
- Na constituição corporal do bebê, a demonstração do investimento libidinal da mãe em seu filho é muito importante.
- A imagem corporal só permitirá a estruturação do corpo imaginário quando for procedida pelo olhar dos pais, constituindo-o imaginariamente para si. Se isso não ocorrer, como no autismo, o corpo sempre será uma “massa muscular”. (Silva, 1997). 
- Pela falta de libidinização dos pais o corpo do autista não tem significado e não se unifica. Não há representação psíquica de suas funções. 
- A criança autista se mantém presa a uma forma de identificação sensorial (identificação adesiva). Faz uso do corpo do outro como se fosse um prolongamento do próprio corpo. (Silva, 1997).

Ausência do manhês
- A falta desse estilo de fala materna com seu bebê deixa-o fora de qualquer discurso. (Penot, 1997).
- O manhês possibilita o surgimento da significação através dos cortes que a mãe faz e as interpretações. 

A questão da linguagem
- O uso da linguagem do autista não é para se comunicar, é uma retomada idêntica do discurso de um outro (linguagem ecolálica). (Penot, 1997). 
- É um discurso que não cruza uma cadeia de significantes, não há uma significação, pois não é dirigido a um Outro, não há um sujeito constituído para se diferenciar e se dirigir a um Outro. (Penot, 1997).
- É necessário que um ser humano tome a posição de destinatário das falas de uma criança autista. Segundo Lacan, “uma fala é apenas uma fala porque alguém acredita nela.” (Penot, 1997). 
- Quando a mãe se coloca como destinatária da fala de seu filho, ela passa a fazer cortes nos enunciados do bebê e a dar significados para eles. É o que seria a “loucura necessária das mães” que Winnicott designou. (Penot, 1997). 
- Falta a capacidade de representação nas crianças autistas. Há um espaço imaginário que é expressado por desenhos, por exemplo. 
- Falta também o processo primário e o inconsciente como lugar das representações articuladas por deslocamento e condensação nas crianças autistas. Nos autistas bem pequenos o aparelho psíquico está aquém do recalque originário. (Penot, 1997). 
- Pode haver o primeiro registro de inscrição dos traços mnésicos (memória). Mas, só é possível acessar esses traços se houver suas reinscrições no inconsciente. Assim, se o aparelho psíquico funcionar apenas no primeiro nível de registro, não haverá acesso aos traços de memória. 
- No autismo há significantes que não são representados, há um bloqueio da representação. 

Estereotipias
- Condutas estereotipadas são “meios de descarga, manobras de evitamento defensivo (elisão) contra a lembrança de traços mnésicos ou percepções dolorosas provenientes do mundo exterior.” (Penot, 1997). 
- São como resquícios de gestos de comunicação, resquícios de um ato. Falta uma representação a essas condutas estereotipadas. 

Capítulo 5 – Análise do caso 
- Análise do caso a partir da teoria estudada e apresentada. 
- Mãe de Joey não sentiu prazer em estar grávida, nunca se deu conta da gravidez. 
→ não houve um investimento libidinal da mãe para o bebê desde a gestação 
- O pai também se manteve ausente em relação ao Joey
→ não houve um prolongamento do narcisismo parental referente à história dos desejos edípicos dos pais. 
- Após o nascimento, a mãe viu seu filho mais como coisa do que pessoa. 
→ a mãe não o viu como objeto de desejo. Joey não teve um olhar de modo a desejá-lo libidinalmente. 
- A mãe estava apavorada com a maternidade e sua responsabilidade. 
→ seu modo de defesa foi o afastamento de Joey. A partir daí houve uma ruptura da função materna. 
- Ninguém o embalava nem brincava com ele. 
→ embalar o bebê é importante para que ele se veja como objeto de desejo de sua mãe; sua pele e seu corpo como alvo do amor e libido da mãe. Há também uma definição dos contornos do corpo do bebê; além do olhar materno, do manhês presentes no embalo. 
→ não houve isso no caso Joey, favorecendo o fechamento autístico do menino. 
- Bater a cabeça ritmicamente, para frente, trás e lados. 
→ início das estereotipias
→ descargas motoras 
→ defesa contra lembrança de traços mnésicos ou percepções dolorosas do mundo exterior 
- Distanciamento da mãe 
→ sem olhar materno, Joey nunca tomou a posição ideal aos olhos dela. Não foi visto pelo desejo do Outro. 
→ portanto, não passou pelo Estádio do Espelho, indispensável para o advento da subjetivação. 
→ um dos motivos para Joey se fechar autisticamente. 
- Distância de seus pais
→ isolamento como uma defesa. 
→ aconteceu uma exclusão com Joey, pois não havia inscrição do sujeito.
- Pai militar e sua volta para casa. Tensões entre o casal e medo da guerra. 
→ sempre há um acontecimento marcante para a família durante os primeiros meses de vida do bebê. (Rocha, 1997). 
→ esses acontecimentos podem ter afastado ainda mais os pais de Joey, não o vendo como objeto de desejo. 
- Ventilador como presente de um ano de idade. 
→ importância que Joey deu ao objeto, como se o presente representasse a libido de seus pais por ele. 
→ querer montar e desmontar o ventilador como se quisesse reparar seu relacionamento com seus pais. 
- Viagens do pai a trabalho. 
→ grande significado para Joey, pois a mãe ficava ainda mais ausente na partida do marido e, provavelmente, alegre quando ele estava chegando. 
→ Joey ficava no aeroporto com a mãe, procurando um sinal de afetividade. 
- Joey falava, mesmo não utilizando a fala para se comunicar. 
→ ele vivia num vazio emocional, sua linguagem era gradativamente abstrata e despersonalizada. 
→ “porque ele se alimentava apenas de substâncias físicas e não de emoções” (p. 261). 
→ A criança autista cria uma linguagem de acordo com a experiência emocional que tem do mundo. (Bettelheim, 1987, p. 262). 
→ o discurso era uma descarga motora e não uma comunicação – falha na função materna e ausência de suas interpretações e significados. 
- Evolução durante o tratamento psicoterápico na escola primária. 
→ a terapeuta se colocou na posição de destinatária das falas de Joey e assumiu o lugar de Outro primordial, tentando uma existência de sujeito. 
→ evolução na fala: uso de pronomes, mesmo que trocados, e chamar a terapeuta pelo nome. 
- Não brincava com outras crianças 
→ se defendia devido sua relação com outras pessoas serem dolorosas e sofridas. 
→ isolar-se é a maneira de relacionamento que aprendeu e vivenciou. Isso devido à falha na função materna e paterna. 
- Menino-máquina 
→ no autismo não há um sujeito constituído, não há registro do inconsciente e nem fantasias. 
→ há atitudes que para ele eram reais, que integravam e faziam parte de sua realidade, de suas vivências. 
→ cria uma linguagem de acordo com a experiência que tem do mundo. 
→ assim como o ventilador precisa ser ligado na tomada para funcionar, Joey precisava se ligar na energia para viver.
- Pais no processo de atendimento psicoterápico.
→ importante para que Joey pudesse evoluir, ser acolhido. 
- Aos 6 anos, voltou a morar com os pais. Nascimento da irmã. 
→ ela vista como objeto de desejo dos pais e Joey não. 
→ afastamento maior ainda; tentativa de suicídio.
→ sentir é ser destruído, somente insensível poderia sobreviver. (Bettelheim, 1967). 
- Aos 9 anos, Escola Ortogênica 
→ suas duas orientadoras e seu professor investiram em Joey como objeto de desejo, ocuparam o lugar do Outro primordial. 
→ fez com que surgisse um sujeito, mesmo com 12 anos, mas psiquicamente como um recém-nascido. 
- Psicoterapia de crianças autistas: aposta de que um sujeito pode emergir. 

Conclusão
- Função materna tem essencial importância para a constituição do sujeito. 
- A falha dessa função é inconsciente por parte das mães. 
- A falha na função materna pode resultar na constituição autista, como Joey. 
- Durante os primeiros meses de vida, Joey foi ignorado pelos pais, não sendo objeto de desejo deles e nem estimulado para se constituir como sujeito. 
- Com o tratamento terapêutico, os analistas acreditavam que um sujeito poderia existir, se colocaram na posição do Outro primordial proporcionando evoluções no quadro de Joey. 

Referências Bibliográficas
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KUPFER, M. Cristina M.. Notas sobre o diagnóstico diferencial da psicose e do autismo na infância. Psicol. USP [online]. 2000, vol. 11, n. 1, p. 85-105. ISSN 0103-6564. doi: 10.1590/S0103-65642000000100006.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPLEXO DE ÉDIPO, NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E A FUNÇÃO PATERNA. (artigo de Paula Peron)

CONSIDERAÇÕES SOBRE O COMPLEXO DE ÉDIPO, NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E A FUNÇÃO PATERNA. (artigo de Paula Peron)



A partir da minha experiência cotidiana como psicanalista na clínica e na universidade, gostaria de abordar, sem grande originalidade, algumas questões relativas à atualidade das noções freudianas a respeito do famoso mito. 
Freud desenvolveu ao longo de vários anos as tramas envolvidas nesta passagem fundamental dos sujeitos humanos (tramas que não retomarei em detalhes aqui), e a partir delas definiu as linhas mestras de nossa compreensão do funcionamento psíquico. Obviamente estas descrições freudianas desenham um cenário social parcialmente superado: a modernidade. Não há consenso se estamos na modernidade tardia, hipermodernidade, alta modernidade ou pós-modernidade , mas ninguém discorda de que as configurações familiares envolvidas na teoria freudiana sofreram modificações significativas nos últimos anos. Seriam essas modificações suficientes para concordarmos que o complexo de Édipo como pressuposto organizador das nossas leituras teórico-clínicas acerca do funcionamento psíquico estaria obsoleto? O que se escuta, de maneira geral, é que a função paterna, um dos operadores centrais do Édipo, está em declínio ou mesmo já falido na família pós-moderna. O que isto quer dizer? A família e seu acompanhante – o complexo de Édipo – teriam perdido a eficácia na construção da subjetividade desejante das crianças? Estaríamos em uma sociedade tomada pela perversão e pela psicose, onde supomos falha na transmissão da função fundamental instituída na travessia edípica – a função paterna? Se sim, como poderíamos pensar as atuais travessias infantis dos sujeitos? Precisaremos sempre supor psicopatologia ou resolução edípica mal engendrada? São estas as questões que gostaria de explorar, sabendo que são suficientes para vários anos de estudo e debate... Mesmo assim, dedico-me nas próximas páginas a iniciar esta exploração, no intuito de desenhar um mapa de reconhecimento das complexidades envolvidas nestes questionamentos, disseminados pela comunidade psicanalítica. 

A FAMÍLIA PÓS-MODERNA

Começarei com alguns poucos dados brasileiros, tirados do censo do IBGE de 1990 (relativo à década anterior), apenas para embasar constatações que fazemos em nosso cotidiano, acerca das modificações sofridas pelo grupo familiar: houve redução da chamada família tradicional (casal com filhos) em aproximadamente 7%, houve crescimento das unidades domésticas unipessoais em aproximadamente 22%, cresceram também as separações, os casamentos tardios, as famílias formadas por mulheres sem cônjuges e com filhos, os casais sem filhos, os pais (homens) com filhos. O tamanho das famílias foi reduzido em todas as classes de renda. 
Os dados mostram que o antes raro agora se tornou geral. Conhecemos também novos desenhos familiares que colocam desafios para as representações éticas e jurídicas. Há famílias monoparentais, multiparentais e homoparentais, acompanhadas de novas práticas médicas no campo da reprodução: inseminação artificial homóloga (com sêmen do próprio cônjuge ou companheiro) e heteróloga (com doação de sêmen), FIV (podendo esta ser com doação de sêmen, óvulo ou embrião), prática de útero de substituição e clonagem humana (Perelson, 2006). Estas novas práticas, que a partir dos anos 60 vêm com os progressos das tecnologias de concepção e com os direitos das mulheres, desvinculam a maternidade e a paternidade dos limites da biologia e da tradição. Este complexo cenário leva a repensar a ordem simbólica de nossas genealogias, como aponta o psicanalista Michel Tort. 
Isto quer dizer que a família tradicional desapareceu? Ou que estamos caminhando para uma extinção geral da família? Ou que as relações familiares não estão mais no horizonte de desejos dos indivíduos?
Penso que aqui cabem algumas ressalvas iniciais, através dos dados trazidos pelo sociólogo sueco Goran Therborn. Ele destaca que as mudanças dos lugares sociais atribuídos aos homens e as mulheres não são globais e apontam para algumas regiões do mundo, ressaltando dois fatores: a influência da uma determinada cultura no padrão sexual, marital e familiar e as importantes diferenças nestes padrões entre uma cultura e outra. Mesmo dentro da Europa (segundo menor continente), há muita variação de comportamento relacional e sexual, e “portanto, é uma tarefa atemorizante tentar juntar tudo isto para transmitir um padrão de mudança secular global.” (P. 430). As mudanças na família e no comportamento sexual foram temporalmente desiguais – com períodos de mudança discernível, períodos de nenhuma ou pouca mudança, sendo que os sistemas familiares, em suas mudanças, tenderam a preservar suas características específicas. Assim, falar em uniformidade e homogeneidade dos movimentos sociais é fundamentalmente um recorte simplificador. 
Mas vamos segui-lo para pensar as mudanças. Therborn ressalta alguns marcos principais do início das grandes mudanças familiares (maiores especialmente na Europa e América do Norte):
• Erosão parcial do patriarcado, iniciado em 1910, mediante ampla reforma consensual na Escandinávia e violenta revolução na Rússia (1917). Alguns eventos sinalizam esta onda mundial contra os poderes e privilégios dos pais e maridos: em 40 e 50, o Japão ocupado pelos EUA, a China e a Revolução Comunista, e as Revoluções comunistas na Europa Oriental, a Declaração dos Direitos Humanos da ONU e 1975 – Ano Internacional da mulher,
• Instalação mundial do controle da natalidade/fecundidade,
• Declínio do casamento e aumento da idade da mulher solteira.
Sobre o patriarcado, o autor afirma que este ainda governa a maior parte da Ásia, África e Leste Asiático. Onde pais e maridos não dominam, a ordem psicossexual é geralmente controlada pela falocracia ou pelo poder sexual masculino assimétrico. Assim, patriarcado e a falocracia (domínio dos homens) ainda representam importantes fenômenos do século XXI e há pouca razão para crer que eles estarão em breve eliminados. Os pilares remanescentes do patriarcado, entretanto, estão sendo corroídos por redes internationais, cultura de massa, forças da educação feminina, abertura de mercado de trabalho e políticas públicas a favor da igualdade de gêneros. O patriarcado está agora entrincheirado nas regiões pobres do mundo, e o ritmo de seu desaparecimento dependerá muito do vigor futuro do desenvolvimento econômico dessas regiões. 
Estas informações implicam em pelo menos relativizar nossas afirmações sobre as mudanças na família contemporânea. Mas o autor fornece ainda outras reflexões, antecipando cenários do século XXI. Para Therborn, os dados mostram que não estamos caminhando para um século de solidão. O fenômeno de ‘morar sozinho’ está aumentando, mas é circunscrito aos países ricos e envelhecidos (no Brasil, havia 8% de pessoas morando sozinhas em 1990). Apenas na Escandinávia há mais pessoas sozinhas do que pessoas em famílias (a prosperidade geral torna isso mais amplamente possível). Viver sozinho não é uma invenção do século XX, deve aumentar, mas segundo o autor, não conduzirá a nenhuma mudança muito fundamental, já que geralmente é uma passagem da vida do sujeito.
Em resumo, a revolução sexual não foi necessariamente um assalto ao casamento e à formação de casais duradouros e sim uma afirmativa do direito ao prazer sexual, antes do casamento, nele e fora dele. O fundamental é perceber que hoje temos um cenário de muita complexidade histórica, incluindo o não casamento, idades variáveis ao casar, coabitação informal e nascimentos extramaritais, também casal de dupla renda, casal sem filhos, filho único, casal de meia idade de ninho vazio, domicílio da pessoa sozinha idosa. Temos um painel completamente híbrido do que é a família. É bastante improvável que esta complexidade vá exclusivamente para o pólo conservador ou para o pólo das relações puras (como coloca Anthony Giddens). A queda do patriarcado não parece ter destruído o anseio por laços emocionais profundos, duradouros e exclusivos, mesmo que junto a uma demanda para maior autonomia individual (o que nós psicanalistas vemos frequentemente nos consultórios). Ainda assim é preciso apontar que as relações pessoais e sexuais estão sujeitas ao processo de mercantilização na pós-modernidade que colide tanto com a equidade erótica quanto com o comprometimento romântico. Aqui temos um outro grupo de importantes questões que não serão abordadas aqui. 

A FUNÇÃO DA FAMÍLIA SEGUNDO A PSICANÁLISE

Considerando o cenário complexo relativo aos formatos familiares, cabe questionar a essência funcional da família, segundo a Psicanálise. Ceccarelli traz a idéia de que a família deve amparar duas passagens: a passagem da violência primária (Aulagnier, 1981) e da violência simbólica (Bourdieu, 2002). A criança é acolhida no mundo por alguém que faz uma função frente à prematuração psíquica patente do bebê. Esta função de prótese (Aulagnier, 1981) engendra uma violência primária, que têm relações com a ordem simbólica na qual a criança será inserida, ou seja, com a violência simbólica. Responder à função de prótese da psique do Outro, dar representações às pulsões, é uma expressão da violência primária, que convencionamos chamar de função materna. Renunciar ao gozo narcísico em favor dos valores culturalizados é uma expressão da violência simbólica, que chamamos função paterna. A família teria a capacidade de suportar o sofrimento que essas duas violências impõem e, ao mesmo tempo, engendrá-las. Assim, a família é uma produção humana que transmite a lei simbólica, que caracteriza a ordem da cultura. Temos a partir disto a noção psicanalítica de que a proibição da endogamia, do incesto, permite o acontecimento de outros laços. Na exogamia, circulam pessoas, significados e palavras. 
Ao mesmo tempo, temos que levar em conta que a família é também um celeiro de arbitrariedades, abusos e chantagens, enfim: “concentra o que de melhor e pior a humanidade já inventou” (Kehl, 2008, p. 56). Qualquer apelo saudosista à família tradicional não leva isto em conta e esquece convenientemente que a própria teoria freudiana poderia ser considerada como uma resposta de reconhecimento das mazelas familiares, das quais o pai nunca deu conta (comentarei este ponto na parte final do texto). 
Por outro lado, por mais que a família tenha mudado em seus componentes, ainda continua verdadeira a dependência, mesmo jurídica, da criança em relação aos pais, o que desenha um cenário de hierarquia e poder inevitáveis para a criança. A tarefa de humanização, socialização, educação, transmissão de linguagem, ainda pertence à família ou aos adultos que recebem uma criança após seu nascimento. Estes adultos, mesmo que não sejam os pais, têm a função de exigir a renúncia incestuosa e arrebanhar os infantes para os objetivos sociais, mesmo através de dispositivos não patriarcais (Miguelez, 2007, p. 112). Ainda não foi criada outra melhor alternativa para dar conta das necessidades infantis. 
Geralmente pensamos a família como aquela que limita a expressão livre da agressão e da sexualidade. A família é lugar privilegiado dessas vivências e do estabelecimento das diferenças – entre pais e filhos, entre funções, entre os sexos e gêneros, entre o público e o privado. Para Freud, entretanto, o pai é o representante da lei no sentido de que impede a relação fusionada com a mãe e a satisfação ilimitada dos impulsos – nossa parte mais pulsional. Aquele que frustra é, assim, o alvo da agressividade do infante. Tomemos como base o texto Totem e tabu, em cuja essência temos o seguinte mito: num tempo primitivo, os homens viviam no seio de pequenas hordas, cada qual submetida ao poder despótico de um macho que se apropriava das fêmeas. Um dia, os filhos da tribo, rebelando-se contra o pai, puseram fim ao reino da horda selvagem. Num ato de violência coletiva, mataram o pai e comeram seu cadáver. Depois do assassinato sentiram remorso, renegaram sua má ação e em seguida inventaram uma nova ordem social, instaurando a exogamia (renúncia à posse das mulheres do clã do totem) e o totemismo, baseado na proibição do assassinato do substituto do pai – o totem. O complexo de Édipo é então a expressão de dois desejos recalcados – matar o pai e o incesto, contidos nos dois tabus do totemismo. Neste aspecto, ele é ainda universal uma vez que traduz as duas grandes proibições fundadoras de todas as sociedades humanas. As duas proibições do totemismo (matar o totem e servir-se sexualmente de uma mulher pertencente ao clã do totem) coincidiam com os dois crimes do Édipo (que matou o pai e se casou com a mãe). 
O mito exposto por Freud em Totem e Tabu retrata que recalcar o desejo de incesto (de possuir a mãe) e do assassinato (do pai, do obstáculo ao incesto) é a base do direito do indivíduo à filiação simbólica, que o inscreve na rede das genealogias por meio do nome e o insere no sistema de trocas com os semelhantes. O cenário do mito freudiano mapeia com nitidez os pressupostos psicanalíticos sobre as bases e condições da cultura e civilização do passado, do presente e do futuro. Deve haver a supressão de uma figura de poder onipotente, detentora do gozo absoluto do incesto e da morte para existir obediência às leis que asseguram a linguagem – causa e efeito da cultura. Em Totem e Tabu fica estabelecida a noção psicanalítica do pai como vetor de passagem do homem da natureza à cultura. O pai freudiano assegura as condições de produção da subjetividade.
A partir disto, temos que a função paterna é a organizadora das relações, o que não pode e o que pode, e de que modo. Certamente este papel foi durante muito tempo prerrogativa masculina. Na atualidade, vimos que isto se modificou: a mulher não é mais prisioneira da condição exclusiva de filha, mãe e esposa, e o homem também não é mais prisioneiro da condição assimétrica em relação à mulher, e ambos não são mais prisioneiros da divisão entre maternidade e erotismo. Para que esta passagem da natureza para a cultura se dê, a família faz-se necessária como uma estrutura de relações assimétricas que levem em conta as diferenças. No entanto, resta a questão: a assimetria é dada somente através da figura do pai? De qualquer forma, para seguirmos adiante, é preciso reconhecer que há uma distinção entre processos inconscientes gerais – identificação, por exemplo, e processos referentes a formas históricas particulares de dispositivos sociais. 
Pensemos, a seguir, nas funções paterna e fraterna. 

DECLÍNIO DA FUNÇÃO PATERNA E ASCENSÃO DA FUNÇÃO FRATERNA

A partir de agora, assumo a premissa de que as mudanças dos lugares sociais atribuídos aos homens e as mulheres não significam necessariamente declínio da função paterna. Lugar do pai e função paterna não são a mesma coisa. É inequívoca a importância do diferente exercício das funções materna e paterna, geralmente ligado, mas não necessariamente exclusivos, ao sexo biológico. Então, seria mais pertinente falar, ao invés de função materna e paterna (que ainda remetem às figuras mãe e pai), em campo desejante e campo normativo, como sugere Franklin Goldgrub. Ele também afirma que a criança irá perceber, independentemente das peculiaridades de sua vida familiar, a existência de diversos tipos de relacionamento – signos e discursos da existência dos gêneros – e para isto não fará qualquer diferença que a vivência infantil tenha por palco uma família heterossexual, homossexual, ou que aconteça em uma instituição. É através da linguagem que a função paterna é instalada, a linguagem dá vigência à interdição e à castração. 
Se for verdade que temos um declínio da função da interdição e uma crise de referenciais simbólicos (e não a primeira!), a partir de certas condições sociais, isto não pode ser atribuído necessariamente a ausência ou presença de um pai-homem na família que gera uma criança. Um homem ausente na função de pai também não significa que as mulheres não sejam alvo de forças sociais restritivas e regulatórias de suas relações com os filhos (por exemplo, a obrigatoriedade da instrução pública). Por outro lado, é viável pensar que em uma sociedade onde há a obrigação de gozar, nossa sociedade de consumo, a interdição é menos operante? Sobre o que não há dúvida é que a idéia de falta está muito presente em tal sociedade, mesmo que junto a ela sejamos levados a aderir a um imaginário de que consumindo chegaremos finalmente ao Éden. Gozar segundo as leis do mercado não parece um chamado verdadeiro à liberdade – trata-se de um imperativo, uma obrigação. 
Alguns autores equivalem o declínio do lugar do pai ao declínio da função paterna, como Jurandir Freire Costa. Este autor, no entanto, chega ao mesmo raciocínio que estou retomando aqui: que não podemos derivar deste suposto declínio “o caos, o gozo tranquilo das montagens perversas ou, o que é mais trágico, as psicoses” (p. 11). Para ele, a noção de função paterna foi superestimada pela posteridade freudiana. 
Vejamos outro exemplo do discurso psicanalítico sobre a função do pai. Tomarei como base, por indicação do texto de Simone Perelson, o livro de Joel Dor - O pai e sua função em psicanálise. Para Dor: "nenhuma outra saída é proposta ao ser falante a não ser curvar-se ao que lhe é imposto por essa função simbólica paterna que o assujeita numa sexuação" (p.14). Este pai simbólico transmite a lei da proibição do incesto, ocupando o lugar de um terceiro na lógica da estrutura, a quem é atribuído imaginariamente pela criança o objeto fálico, suposto objeto do desejo da mãe. 
Basta que um terceiro, mediador do desejo da mãe e do filho, sustente esse lugar ou seja colocado nele pelo discurso da mãe, indicando que o desejo da mãe se encontra ou se encontrou a ele referido. Em outras palavras, o estatuto do pai é de referente, podendo ser da ordem de um significante – o Nome-do-Pai – cuja função simbólica é sustentada pela atribuição do objeto imaginário fálico. Entretanto, o autor ressalta que uma diferença sexual real precisa estar presente com relação ao sexo da mãe: “Certamente, basta que o significante Nome-do-Pai seja convocado pelo discurso materno para que a função mediadora do Pai simbólico seja estruturante. Mas é necessário ainda que este significante Nome-do-Pai seja explicitamente, e sem ambigüidades, referido à existência de um terceiro, marcado em sua diferença sexual relativamente ao protagonista que se apresenta como mãe. É só nessas condições que, na ausência do pai real, o significante Nome-do-Pai pode ter todo o seu alcance simbólico” (p. 58), ou seja, o sexo da mãe precisaria ser confrontado a um sexo diferente. Mas isto significa então o real da diferença anatômica entre os sexos, ou presença ou ausência do pênis, e não a confrontação com diferenças. Resta verificar na clínica se é possível que uma criança não veja nunca a diferença anatômica somente pela ausência do pai, ou se, inequivocamente, duas mulheres ou dois homens terão filhos psicóticos. Acho pouco provável que a definição se dê por este caminho. Este pensamento catastrófico que se esquece da ausência de naturalidade da função paterna é duramente criticado por Michel Tort, que aponta o alinhamento da psicanálise com a seguinte suposta verdade: "fora do Pai, é a loucura!" (p. 53) e assim somente o pai poderia transmitir a ordem simbólica. Tort afirma que “a tentação principal é considerar a afirmação da natureza simbólica do parentesco, da interdição do incesto, das diferenças de sexo e geração, que são com efeito dados universais, como solidárias da prevalência do pai e da dominação masculina, que são formas de relações históricas destinadas a desaparecer e que já entraram em declínio”. 
A outra possibilidade que se apresenta aqui a nós é pensarmos a instituição da função paterna pela fragmentação e multiplicação de seus agentes. A figura do terceiro termo perde a sua unidade; ela se fragmenta e se multiplica. Não há mais o Nome-do-Pai, e sim os nomes-do-pai: “No lugar de um pai principal e centralizador (encarnação do mito, a crença, o senso comum, os costumes), poderíamos ter uma multiplicidade deles. Talvez seja abusivo falar de “Nomes do Pai” para esses modos de sujeição e seria útil inventar-lhes nova denominação” (Nora Miguelez, 2007, p. 116). 
Felizmente, temos ainda outra saída teórica para pensar o que se dá para além da função paterna. Jurandir Freire Costa, citado acima, aponta outra importante função participativa na construção dos sujeitos atuais: a função fraterna, que seria um princípio, entre outros, orientador de formas de vida particulares. A proposta de reintroduzir a discussão sobre a fratria no campo brasileiro da psicanálise foi feita por Maria Rita Kehl. Ela afirma a necessidade de “examinar os outros modos de operação da relação do sujeito com os semelhantes, presentes no nosso cotidiano mas cujo entendimento fica obscurecido pela nossa adesão à palavra forte, patriarcal, do fundador da psicanálise” (p. 32). Para ela, o pacto instituído entre os irmãos da antiga horda, que gerou o tabu do incesto, é a função paterna, mas fazer operar a função paterna é tarefa da fratria, ou seja, o pai simbólico está encarnado em renúncias voluntariamente aceitas pelos irmãos. A lei estabelecida pelo acordo entre os irmãos, diz a autora, exige a renúncia de algumas satisfações pulsionais, como condição para se pertencer à coletividade e se beneficiar das vantagens asseguradas pelo pacto civilizatório. A transmissão da lei é feita através do pai real, mas também através das diversas autoridades que podem substituí-lo (p.35). Assim, podemos pensar as diversas regulações sociais como veículos de transmissão da função paterna. 
A função do irmão na constituição do sujeito, para além da rivalidade edípica, pode ser pensada, seguindo Lacan e a idéia de complexo fraterno, como um duplo que vem ameaçar e desestabilizar a identidade imaginária da criança em relação à sua imagem no espelho: “o irmão força o rompimento da prisão especular daquele que até então se via como idêntico a si mesmo – como objeto do desejo materno ou como sujeito identificado ao traço instituído pelo nome do pai” (p. 36), ou seja, a função fraterna permite a quebra da ilusão identitária, produzindo um campo horizontal de identificações para o sujeito, secundárias em relação à identificação como o ideal representado pelo pai, mas ainda assim essenciais pela diversificação que possibilita aos destinos pulsionais. Kehl considera que a função fraterna não substitui a função paterna, que opera para fundar o sujeito desejante, e pode não operar quando esta última falha. Ainda assim, a fratria participa da constituição da função paterna, faz suplência a ela e possibilita separar a lei da autoridade do pai real. Permite assim o início de uma nova série de campos de circulação libidinal que projeta os sujeitos para fora do triângulo edípico. 
Para Joel Birman, que também teoriza sobre a função fraterna e nos convoca a repensar suas representações no campo psicanalítico, diante do desamparo frente ao declínio do pai, há basicamente dois destinos possíveis – o da servidão voluntária, ou seja, colocar-se para o gozo alheio de maneira masoquista, renunciando ao desejo e à liberdade, ou a feminilidade – assunção da castração, da incompletude e da precariedade, e fazer uso dos recursos da sublimação e do erotismo nos pactos fraternos. 
O autor considera que Freud tentou salvar a figura do pai ao afirmar que este não poderia ser o sedutor perverso do infante, no abandono da teoria traumática das neuroses. Desta maneira, Freud teria forjado um adulto protetor, mas foi obrigado a abandonar esta visão na virada teórico-clínica dos anos 20, ao reconhecer a dimensão traumática da existência humana e das experiências do sujeito, cercado portanto de um pai faltante, que falha em proteger a criança, em seu papel de articulador da fissura entre a força da pulsão e o circuito pulsional constituído. Para Birman, a morte do pai teve entrada na psicanálise a partir dos textos sobre a cultura. Num discurso primeiramente dominado pela pregnância da sexualidade, Freud nos lançou na morte e apontou a derrocada moderna definitiva do poder absoluto e monárquico, que teve na decapitação do rei no contexto da Revolução Francesa, o seu símbolo maior. Uma modalidade de sociedade fundada nos laços fraternos substitui outra centrada na figura do soberano como um e há em Freud uma transformação do discurso, a figura do pai se desloca de uma posição de proteção da subjetividade (pré-moderno) para outra de falta e falha (moderno crítico) – desamparo e masoquismo. 
A fraternidade rivalitária fundada na figura do pai ideal e do supereu seria uma defesa crucial do sujeito contra o desamparo, uma apenas das modalidades da fraternidade – busca do amor exclusivo, competição mortal. Outra modalidade seria aquela engendrada a partir de figuras marcadas pela precariedade e pelo parco poder – velhos, mulheres, loucos. Para Birman, o afluxo de filmes novos, de diferentes origens, que destacam a fraternidade como imperativo, compõe uma modalidade de oposição e de resistência que se impõe no campo do imaginário estético. Cito, como exemplo, os filmes Cidade Baixa, A partida, Tudo sobre minha mãe, entre muitos. O autor destaca a feminilidade, presente em ambos os sexos, e sua implicação com o cuidado com o outro, como um dos pólos atuais de força fraterna, a partir do reconhecimento da falta em si e no outro. A feminilidade é vista como a forma de ordenação erótica onde ao desamparo é conferida alguma positividade – valorização da não falicidade como base de constituição do sujeito. 
A fraternidade não se restringe ao campo da família ou aos laços de sangue, e indica uma espécie de antídoto em face dos imperativos da cultura do narcisismo e da sociedade do espetáculo, na medida em que a categoria ética de fraternidade enuncia uma outra concepção possível de subjetividade, onde o outro importa muito para o sujeito. Esta ética supõe a existência de um sujeito incompleto e precário, que reconhece que não é auto-suficiente (geralmente o sujeito contemporâneo se caracteriza pela auto-suficiencia, promovida pela cultura do narcisismo e sociedade do espetáculo e por uma posição de superioridade ilusória). A fraternidade implica a igualdade, fundada na precariedade. Assim, a solidariedade é a consequência imediata da ética do laço fraterno. 
Aqui há um campo amplo e pouco simples de reflexão, para a qual não podemos estar munidos de um espírito catastrófico, posto que a maioria de nós, ainda que reconheça falências de autoridade, também reconhece a multiplicidade delas regulando o campo social. Ainda somos um universo falante e, acredito, o fato é que os sistemas normativos estão ainda espalhados pelo âmbito cultural, mesmo que não funcionem sempre como nossos ideais, o que não invalida as considerações sobre o complexo de Édipo ou sobre a função paterna... Não estamos totalmente imersos em uma terra da cegueira, à moda de Saramago, ainda que focos de cegueira não sejam nenhuma novidade. E não cabe à psicanálise apoiar um único modo de subjetivação saudável.

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Filmes de Terror e Psicanálise: Um esboço sobre os mecanismos psíquicos subjacentes a espectadores.

Filmes de Terror e Psicanálise: 
Um esboço sobre os mecanismos psíquicos subjacentes a espectadores. 

Diego Amaral Penha 
Prof.ª Drª Ana Cristina Marzolla 


RESUMO
O presente trabalho elabora um esboço na tentativa de explicar a fascinação que algumas pessoas têm por filmes de terror. Este tipo de filme tem como premissa incomodar, assustar e repugnar quem os assiste, assim a existência de pessoas que gostam deles é contraditória. A pesquisa busca construir uma hipótese para satisfatoriamente responder quais são mecanismos psíquicos responsáveis pelo ‘gostar’ de filmes de terror. Para tanto, foram utilizados trabalhos de Sigmund Freud. O esboço constitui-se por um percurso reflexivo que se inicia na compreensão de que imagens assustadoras estão relacionadas a conteúdos recalcados. Em seguida, verifica que estes conteúdos recalcados em algum momento produziram sentimentos desprazeros e foram reprimidos. Por último, trata de explicar como imagens eliciadoras de desprazer podem atuar a favor do princípio de prazer. 

Palavras-Chave: Filme, Terror, Psicanálise.

Abstract
This paper elaborates a draft in an attempt to explain the fascination that some people have for horror movies. This type of film is premised harass, frighten and repel those who watch them, so the existence of people who like them are contradictory. The research seeks to build a hypothesis to satisfactorily answer psychic mechanisms which are responsible for someone to 'like' horror film. For this, we used the work of Sigmund Freud. The outline is constituted by a reflective journey that begins on the understanding that scary images are related to repressed contents. Then checks that these repressed contents, at some point, were produced by unpleasant feelings that were suppressed. Finally, explain how this iseliciting images of displeasure can act in favor of the pleasure principle.

Keywords: Film, Horror, Psychoanalysis.

INTRODUÇÃO
Ao sentarmos em uma poltrona confortável para assistir um filme, olhamos fixamente para a tela em branco que logo estará nos transportando para um mundo fantástico. Queremos viver o ator, queremos nos aventurar por lugares desconhecidos. Buscamos o prazer.
O meio cinematográfico é uma das maiores fontes de entretenimento do século XXI. Tratando-se de falar sobre filmes demanda-se diferenciá-lo de cinema. É preciso compreendê-los como fenômenos distintos, mas interligados. Existem múltiplas maneiras de defini-los, porém uma delas produz uma reflexão interessante que explora a função e o objetivo de ambos. 
Partindo deste meu ponto de vista, o cinema desde sua mais precoce aparição tem como objetivo atingir o imaginário humano, confundindo ficção com realidade. A função da sétima arte está extremamente ligada com a reação dos espectadores. Assim como a literatura, o cinema pode ser compreendido como arte. Nele está contida a técnica para confecção de seus produtos.
Por outro lado, o filme é veículo da fantasia. Para ele não existe realidade, mas há a ambição de se contar uma história. Mesmo em documentários e em filmes históricos, o filme tem como função contar a sua versão. Não se compromete com a realidade, e sim com a sedução. Tal como livros, atua como obra e é o rio condutor dos sentimentos dos espectadores rumo ao oceano de deleite.
Os filmes de terror permeiam a história do cinema, com clássicos que marcam gerações. São os responsáveis por incontáveis noites de pesadelo. Quem nunca teve uma imagem aterrorizante gravada na memória? Mesmo que nunca assista filmes deste tipo, só de saber que eles existem já faz com que a imaginação produza nossos próprios thrillers.
Assim como em livros e contos de terror, tais filmes estão marcadamente presentes na cultura, pois cativam o imaginário da população. Fazem com que as características mais hediondas da realidade e ficção transformem-se em uma forma de entretenimento. E talvez nenhum outro gênero possa gabar-se como pode o terror em relação a seus assíduos fãs. Apreciadores do cine-terror movimentam as salas de cinema, basta conferir, sempre há filmes para aterrorizar a platéia. 
Há uma tendência no homem, que vive no século XXI, de valorizar elementos como beleza, harmonia, alegria, saúde, sanidade, felicidade e benevolência. Não necessariamente trata-se de uma tendência particularmente nova, mas em certos aspectos o homem moderno tornou-se obcecado por estes elementos.
Porém, existem os elementos opostos a estes, que em conjunto aos primeiros produzem um retrato síntese de nossas sociedades. Valorizamos sim todas as qualidades e belezas humanas, mas caímos em tentação e somos corrompidos. Há espaço para o horrível, o caos, a morbidez, a pestilência, a insanidade, a tristeza e a vilania.
Como então pessoas conseguem gostar de filmes medonhos e cruéis? Que mecanismos estão por trás de um espectador apreciador de filmes de terror? De onde vem este terror?

METODOLOGIA
A Psicanálise sendo um método de investigação tem como objeto de estudo o inconsciente e os seus mecanismos. Essa instância abrange conteúdos não-conscientes, ou seja, conteúdos que dizem respeito à vida psíquica de um indivíduo que podem ser acessados e compreendidos com o auxílio do método psicanalítico. Portanto, quando assumimos não conhecer o porquê alguém poderia gostar de filmes de terror, podemos inferir que talvez o motivo seja um tramite que envolveria mecanismos inconscientes e conscientes da psique. 
Sigmund Freud (1856-1939) foi o criador da psicanálise e ainda hoje é o grande referencial teórico para qualquer uso da teoria. Disponho para esta pesquisa de trabalhos do autor, que abarcarão os conceitos necessários para satisfatoriamente poder constituir uma idéia que possibilite responder a questão elaborada para esta pesquisa. 

O ASSUSTADOR
Quando assistimos a um filme deste gênero nos deparamos com o sentimento de estranheza que este nos causa, seja em detrimento de algo horrível e repugnante esteticamente, seja pela ansiedade causada pela aflição do personagem. Recorri ao texto de Freud (1919) O Estranho. 
Neste texto, Freud primeiramente busca na palavra ‘estranho’ (unheimlich, no alemão) o significado que a ela se liga historicamente. O autor, após um grande estudo linguístico chega à conclusão de que o significado de tal palavra evolui de uma maneira em que aproxima ‘unheimlich’ de seu oposto ‘heimlich’. O estranho, então, tem um significado duplo: refere-se tanto ao que é assustador como se aproxima do seu antônimo, isto é, tem um sentido que se refere ao que é familiar.
Secundariamente o autor reúne coisas, impressões sensoriais, experiências e situações de estranheza, tentando achar seus pontos em comum. Freud afirma então que [...] o estranho é aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito familiar. (FREUD, 1919, p.238)
Freud deixa claro que quando destrinchamos algo que nos é assustador chegaremos a alguma estranheza relacionada com uma fantasia infantil. De fato, não é possível determinamos quais cenas ou personagens de um filme produzirão medo em alguém, mas podemos afirmar, que o motivo pelo qual tal imagem é estranha decorre de a mesma lhe ser familiar, mas pela consciência rejeitada pelo processo de recalque. Rejeitada no sentido de que não fora esquecida, nem negada, mas apresenta-se como algo externo, algo que “não faz parte de mim”.
No texto A Cabeça de Medusa (1940 [1922]), Freud debruçou-se sobre o tema mitológico da cabeça decapitada da Medusa de maneira análoga a como propomos investigar o “estranho” em um filme. 
O “decapitar” possui a mesma significação psíquica de “castrar”, da mesma maneira como teria o “cortar”, “esfaquear”, “estripar” e “amputar” presentes em filme de terror. Por isso, não de maneira acidental, temos inúmeros exemplos de figuras castradoras neste gênero de filme: Jason e seu facão ; Freddy Krueger e suas garras afiadas ; Leatherface e a moto-serra ; Normam Bates e faca de cozinha , que acabam por potencializar a angústia de castração do espectador, que assim poderá vivenciar a famosa cena do assassinato de Marion Crane no banheiro do Motel Bates, por exemplo, como uma cena estranha e motivadora de terror. 

O GOSTAR
Na tentativa de utilizar apenas termos científicos perdemos a oportunidade de abordar temas e termos cotidianos que expressam ricas informações sobre como se relacionam os humanos. Freud não abordou o termo ‘gostar’ diretamente em suas obras, mas ao falar de desejo e prazer circulou pelo seu significado. O ‘gostar’ pode ser substituído por curiosidade, desejo, prazer, interesse ou atração, porém acredito que se assim for feito, se perde a complexidade do termo. Para tanto, opto por mantê-lo.
O ‘gostar’ provavelmente está relacionado com o prazer e com o alívio de tensão libidinal. Trata-se de um dado momento gravado como prazeroso. Mantém-se na memória como algo a ser revivido, pois é ‘gostoso’. Para Freud, [...] um sentimento de tensão tem de trazer em si o caráter de desprazer, (FREUS, 1905, p.198), ou seja, o acúmulo de tensão nos passa a impressão de ser desprazeroso, caso a tensão não seja eliminada. Esta idéia parte do pressuposto de que se a busca para realização do desejo tem como gatilho a tensão sexual, esta estará relacionada e emparelhada à satisfação, que é tomada como prazer. Desta maneira a satisfação agiria como eliminação do desprazer de tensão acumulada. Estas afirmações vão em direção a constatação de que prazer e desprazer, pelo menos no que concerne a tensão sexual, estão complexamente relacionados. Mas o que tem Freud a nos dizer sobre o desprazer?

GOSTAR DO ASSUSTADOR
Ao tratar do desprazer, Freud (1920) inicialmente o associa ao ponto de visita econômico da psique. Para o autor, em sua metapsicologia, o desprazer é produzido pelo acúmulo de tensão devido ao aumento de excitação, presente na mente e corpo. Caso aconteça desta excitação diminuir, o individuo sentirá prazer devido à eliminação da tensão desprazerosa. (FREUD, 1920, p.17-18)
Para o autor, o desprazer perceptivo corresponde à maior parte dos desprazeres que experimentamos, e acredito ser este o desprazer sentido por um espectador que assiste ao filme de terror. Ele explica que:
Este desprazer pode ser a percepção de uma pressão por parte de instintos insatisfeitos, ou a percepção externa do que é aflitivo em si mesmo ou que excita expectativas desprazerosas no aparelho mental, isto é, que é por ele reconhecido como ‘perigo’. (FREUD, 1920, p.21)
Aqui definimos que o sentimento de estranheza compõe a maior parte dos desprazeres experimentados pelas pessoas. O que nos falta agora é responder quais mecanismos estão por trás da possibilidade de obtenção de prazer através destes meios.
Há mais para se falar sobre os sentimentos de prazer e desprazer na dinâmica psíquica. Freud faz duas ressalvas importantes na compreensão desta questão:
Primeiramente, os sentimentos de prazer e desprazer (que constituem um índice do que está acontecendo no interior do aparelho) predominam sobre todos os estímulos externos. Em segundo lugar, é adotada uma maneira especifica de lidar com quaisquer excitações internas que produzam um aumento demasiado grande de desprazer; há uma tendência a tratá-las como se atuassem, não de dentro, mas de fora, de maneira que seja possível colocar o escudo contra estímulos em operação, como meio de defesa contra elas. (FREUD, 1920, p.40)
Refere-se aqui ao mecanismo de projeção em sua natureza de defesa psíquica. Devo induzir o raciocínio do leitor para uma reflexão chave desta pesquisa. Se os sentimentos de prazer e desprazer que são internos predominam sobre os estímulos externos, devemos duvidar da seguinte afirmação: “os espectadores gostam de filmes de terror, pois sentem prazer advindo dos estímulos presentes nestes, tais como som, imagem e susto.”. Freud foi preciso ao afirmar que o que é assustador está relacionado com o recalque, já que o medo e o possível prazer proporcionado por ele dependem de como este indivíduo externalizará o que lhe aflige. Os filmes de terror constroem situações e personagens que provavelmente assustam a maioria de seus espectadores. Isto está relacionado com a cultura, já que para participar de bom grado da sociedade todos os indivíduos abdicam de seus desejos infantis, desta maneira o que a maioria das pessoas recalca, em geral, são conteúdos relacionados aos mesmos temas, por exemplo, a vivência infantil edípica. Desta maneira, a premissa de Freud é plausível de ser aplicada no contexto deste trabalho, ou seja, o estímulo aterrorizante está presente, mas ele só será vivido como prazer ou desprazer internamente. Exteriormente o estímulo será alienado da consciência pela projeção dos conteúdos recalcados.

CONCLUSÃO
Não posso ignorar que ao falar de prazer e desprazer, pareço estar trilhando um caminho de raciocínio redundante. Na tentativa de explicar esta questão optei por esboçar os mecanismos psíquicos presentes em espectadores de filmes de terror. Assistir a um filme e voltar a assisti-lo, ou mesmo assistir outros filmes do mesmo gênero, precisa estar relacionado à promoção de prazer. 
Procurei explicar como as imagens incomodativas de terror são recebidas por espectadores, porque são percebidas como tais e como pode alguém satisfazer-se nelas. Devo admitir que talvez esta linha de raciocínio seguida por mim não é a única maneira de se tentar responder esta pergunta, muito menos a mais simples. Portanto, acredito que sintetizar os principais argumentos se faz necessário neste momento. Precisamos, por agora, nos apropriar de qualquer filme de terror. Esta escolha é sobre alguma imagem que por um determinado período nos produziu medo. Guardemos a imagem aflitiva e tentemos compreendê-la a partir de meu esboço.
Esta imagem não necessariamente é uma imagem de terror para outrem. Assim, não me complico quando afirmo que, de fato quem está projetando o terror nesta imagem é o próprio espectador. Não negarei que esta imagem provavelmente fora construída para assustar, mas ninguém pode garantir qual efeito ela terá em um potencial espectador. Interessante relacionar a projeção realizada pelo espectador, com o que é mostrado num filme. Em última análise o filme não passa de uma projeção na tela.
Ao assumir que o grande caráter assustador desta imagem é projetado por nós mesmo, podemos facilmente aceitar a noção de Estranho, proposta por Freud. Algo que é projetado, ou seja, imposto pelo espectador na imagem do filme, só pode estar localizado no inconsciente do mesmo. De fato o que está lhe proporcionando o terror é algo familiar, em algum momento recalcado.
O fato de este conteúdo estar no inconsciente enuncia que fora recalcado em algum momento anterior. O recalque atua a favor do ego e de sua proteção. Desta maneira, confirma-se que no momento em que se viu necessário o recalque de tal conteúdo, ele ameaçava a integridade do ego do espectador. Provavelmente por ser repudiado no meio social. Somente poderemos descobrir qual é o conteúdo que está sendo projetado após uma profunda análise de tal imagem, assim como fez Freud em A Cabeça de Medusa. A associação livre é um instrumento que revelaria o que há por de trás desta imagem.
Para ser recalcada está imagem teve de produzir tensão libidinal, provocando desprazer em algum momento. Provavelmente atrelada à pulsão sexual, ela buscou através do organismo sua realização. Mas apesar de sua realização aliviar a tensão, esta imagem, por alguma razão, ameaçava a integridade do ego. Se a aparência e as ambições desta imagem fossem manifestadas, o resultado seria desprazeroso para a psique. A essência do terror é exatamente esta: provocar medo no momento. Cabeças giratórias e sopa de ervilha não seriam tão eficazes nos cinemas hoje em dia. Os filmes de terror mais comentados e mais assustadores de cada época são os melhores representantes de conteúdos infantis recalcados e extremamente angustiantes para a maioria dos espectadores. Quando se delimita a maioria do público espectador como neuróticos – só assim garantiremos o recalque – também se precisa definir o momento histórico em que eles vivem. O tipo de sociedade em que vivem os espectadores atua de maneira relevante para quais imagens e conteúdos serão considerados execráveis.
Dado interessante este, já que o seu reverso também é válido. Ao dissecarmos os filmes de terror mais representativos de um momento histórico, encontraremos lá uma pista de quais são os conteúdos, imagens ou conflitos que precisaram ser recalcados pelos espectadores.
Por exemplo, na população americana que havia a pouco assistido duas bombas atômicas explodirem, tinha como um de seus maiores temores a dizimação instantânea pelas mãos da tecnologia avançada. Na década de 50 os filmes de terror mais representativos nos EUA eram: O Cadáver Atômico (1955), Plano 9 do Espaço Sideral (1958) e Invasores Invisíveis (1959). Estes remontam o temor em relação ao Holocausto, à radioatividade, à guerra e a impotência humana em relação à tecnologia. 
Já nos anos 60, Martin Luther King e John F. Kennedy são assassinados em 1968 e 1963, respectivamente. A ‘Família Mason’, liderada por Charles Mille Mason, massacrou duas famílias de Bel Air – Los Angeles em 1969. Foi uma década que os jovens reivindicavam a paz, ao mesmo tempo em que a violência amedrontava a população em cada esquina. Psicose (1960), O Bebê de Rosemary (1968) e A Noite dos Mortos Vivos (1968), são exemplos do medo correspondente desta época. Medo da vizinhança, do dia-a-dia, do que vem de dentro e do fracassado ideal de família americana.
Assim quando optamos por assistir aquele filme que nos incomoda tanto, provocamos voluntariamente o aumento de tensão libidinal. A pulsão de morte proporciona para a psique incentivo suficiente para que o ego disponha-se ao desprazer do aumento de tensão. Como no masoquismo, o espectador se expõe à tortura psíquica de postar-se diante do que lhe aflige. Desta maneira, a quantidade de tensão no aparelho se eleva. Quando o momento de pavor ameniza-se, a tensão por consequência se esvai proporcionando para o organismo uma sensação prazerosa.
Porém, afirmar que o prazer nestes filmes é obtido pela brusca diminuição da tensão, não explica por quais motivos o aparelho psíquico escolheria um desprazer inicial para satisfazer-se posteriormente. Mas é de fácil reconhecimento que a postergação do prazer em conjunto com a tolerância ao desprazer temporário não é assunto obscuro para Psicanálise. É da natureza do aparelho psíquico portar-se desta maneira. O que posso neste momento afirmar é: se em um dado momento uma pessoa optou, pela primeira vez, sujeitar-se ao terror em um filme, e de alguma maneira isto proporcionou prazer, existem altas probabilidades de que essa pessoa volte a assistir a um filme de terror.
A grande pergunta que se forma aqui é: qual a diferença entre um aparelho psíquico que se submete a este processo e um que o rejeita? Não tenho ambição de responder a esta pergunta. Trabalhos posteriores poderão aprofundar-se neste tema, mas posso fazer alguns apontamentos no sentido de tentar sustentar meu esboço. Apesar de ser obviamente prazerosa a diminuição de tensão após o sentimento de medo, continua sendo um desafio ao ego enfrentar seus medos e conflitos. Duas reflexões se fazem aqui possíveis. Pessoas que experimentam as sensações advindas de um filme de terror precocemente podem conseguir, com algum tempo, apenas repetir o processo, sem que este cause muitos danos à integridade do ego. A outra reflexão relaciona à tolerância de certas pessoas a estes filmes. Com a elaboração de suas questões mais profundas a intensidade da experiência diminui, ou seja, o medo do estranho só é extremamente angustiante enquanto ele se mantiver como estranho, bem longe de sua faceta familiar.
O esboço por mim apresentado abre diversas linhas de raciocínios que não cabem aqui explicitar. Acredito que os mais relevantes foram apresentados nos parágrafos anteriores. As conclusões a que cheguei nesta pesquisa podem parecer ser redundantes e obvias, mas é no percurso teórico pelo qual percorri que este esboço tem o seu mais alto valor. A meu ver, o grande trunfo de qualquer pesquisa não é responder com objetividade suas questões, mas abrir caminho para que mais e mais pesquisas possam ser feitas. A psique precisa ser uma fonte inesgotável de incertezas para que valha a pena estudá-la. 

REFERÊNCIAS
A HORA DO PESADELO. Escrito e dirigido por Wes Craven. EUA: New Line Cinema, 1984. (91 min.): DVD, NTSC, Legendado. Port.
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FREUD, Sigmund (1905). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
FREUD, Sigmund (1919). O Estranho. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
FREUD, Sigmund (1920). Além do Princípio do Prazer. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
FREUD, Sigmund (1921). Psicologia de Grupo e A Análise do Ego. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
FREUD, Sigmund (1940 [1922]). A Cabeça de Medusa. In: Edição Standart Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 2006.
INVASORES INVISÍVEIS. Escrito por Samuel Newman. Dirigido por Edward L. Cahn. EUA: Robert E. Kant Productions, 1959. (67 min.): DVD, NTSC, Legendado. Port.
O BEBÊ DE ROSEMARY. Escrito por Ira Levin e Roman Polanski. Dirigido por Roman Polanski. EUA: Willian Castle Productions, 1968. (136 min.): DVD, NTSC, Legendado. Port.
O CADAVER ATÔMICO. Escrito por Curt Siodmak. Dirigido por Edward L. Cahn. EUA: Clover Productions, 1955. (69 min.): DVD, NTSC, Legendado. Port.
O EXORCISTA. Escrito por Willian Peter Blatty. Dirigido por Willian Friedkin. EUA: Warner Bros, 1973. (122 min): DVD, NTSC, Legendado. Port.
O MASSACRE DA SERRA ELÉTRICA. Escrito por Kim Henkel, Tobe Hooper e Scott Kosar. Dirigido por Marcus Nispel. EUA: New line Cinema, 2003. (98 min.): DVD, NTSC, Legendado. Port.
MEZAN, Renato. Pesquisa em Psicanálise Algumas Reflexões. Jornal de Psicanálise, São Paulo, 39(70): 227-241, jun. 2006.
PLANO 9 DO ESPAÇO SIDERAL. Escrito e dirigido por Edward D. Wood Jr. EUA: Reynolds Pictures, 1959. (79 min.): DVD, NTSC, Legendado. Port.
PSICOSE. Escrito por Joseph Stefano. Dirigido por Alfred Hitchcock. EUA: Universal Home Video, 1960. (109 min.): DVD, NTSC, Legendado. Port.
SEXTA-FEIRA 13. Escrito por Victor Miller e Ron Kurz. Dirigido por Sean S. Cunningham. EUA: Paramount Pictures, 1980. (95 min.): DVD, NTSC. Legendado. Port.