domingo, 2 de agosto de 2015

PRIMEIRA E SEGUNDA TEORIA TÓPICA, PULSIONAL E DA ANGÚSTIA: RAZÕES PARA AS MUDANÇAS.

Na primeira teoria tópica freudiana (A interpretação dos Sonhos - 1900) os lugares psíquicos são constituídos pelo Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente, cada qual com seu tipo de processo e sua energia de investimento, sendo que cada sistema tem uma diferenciação também no seu significado funcional, sendo por isso que a mesma parte do aparelho não pode exercer funções contraditórias.
A psicanálise encontra desde o seu início o conflito psíquico no ser humano, o qual Freud descreve em sua metapsicologia como: exigências internas opostas.
Ao nível tópico, esse conflito se dá entre sistemas ou instâncias. 
No desenho de sua primeira teoria tópica, ele se encontra entre os Sistemas: Inconsciente, por um lado, e Pré-consciente/Consciente, por outro; esta oposição corresponde igualmente à dualidade do princípio de prazer e princípio de realidade, onde o que está em jogo é o conflito entre a satisfação da sexualidade e uma instância recalcadora que possui aspirações éticas e morais.
Nesta concepção tópica do aparelho psíquico, o ego é considerado como sendo totalmente consciente, porém, Freud, a partir da escuta das histéricas, percebe que a resistência destas, que surge quando as associações deixam de fluir livremente, é inconsciente. As pacientes não se apercebem desta resistência, para elas as associações apenas tornaram-se mais difíceis.
Freud ao se questionar de que parte do ego surge essa resistência, conclui que só pode ser uma manifestação do ego, portanto o ego possui além da sua parte consciente, também uma parte inconsciente, responsável pelos seus mecanismos de defesa, entre eles o recalque e resistência.
Freud descobre, além do recalque e da resistência, outros mecanismo inconsciente do ego: o narcisismo e a identificação.
No narcisismo (secundário) há retirada da libido investida em objetos externos para o próprio ego; Freud observa esses fenômenos no homossexualismo e na psicose. O ego toma a si mesmo como objeto de amor e cuidado, essa descoberta também irá operar grandes mudanças na teoria das pulsões.
Na identificação, o ego assimila aspectos, propriedades ou características de outros sujeitos. Inicialmente Freud observa esse fenômeno na histeria, onde a assimilação é passageira, depois na melancolia onde há uma regressão a uma identificação mais arcaica, preliminar da escolha do objeto.
A idéia de uma identificação arcaica abre caminho para uma concepção do ego como constituído, desde sua origem, por identificações, e de uma diferenciação (clivagem) no seu seio, de determinados componentes, resultando no ideal do ego que na segunda teoria tópica é veiculado pelo Superego.
Com essas descobertas, a primeira teoria tópica não se sustenta mais, pois o Inconsciente – tópico e dinâmico, que era tomado até então em duplo sentido: como substantivo, designando o lugar psíquico; e como adjetivo, designando uma qualidade-- não pode pertencer a uma região, já que o ego, que até então era considerado como sendo totalmente consciente, e, portanto seu oposto, possui partes inconscientes.
Assim, Freud a partir da década de 20 (“virada” de 20) elabora uma segunda teoria tópica designando os lugares psíquicos em três instâncias: ID (ISSO) – pólo pulsional da personalidade; EGO (EU) – se situa como representante dos interesses da totalidade da pessoa e é investido de libido narcísica; e o SUPEREGO (SUPEREU)– julga e critica, é constituído por interiorização das exigências e das interdições parentais. 
Na segunda teoria tópica, o inconsciente passa a ser uma qualidade atribuída às instâncias psíquicas, de modo que o Id é totalmente inconsciente e o Ego e Superego possuem partes conscientes e inconscientes.
Ao nível econômico-dinâmico ocorre outro conflito psíquico que se dá entre dois grandes campos de pressões interna (pulsões). 
Freud nomeia esse dois campos de força, em sua primeira teoria das pulsões, como pulsões do ego ou de autoconservação e pulsões sexuais (1910).
Ele observa o dualismo das pulsões no estudo da histeria, vê ali, a partir do recalque, uma tendência que procura sua autopreservação -- que possui aspirações morais da personalidade e procura manter-se aceita socialmente -- contrapondo-se a realizações sexuais, a movimentos em direção ao objeto desejante.
Esta contraposição acontece devido às características específicas das representações das pulsões sexuais que são inconciliáveis com o ego e geram desprazer para este.
As pulsões do ego opostas às pulsões sexuais têm suas bases fundadas na teoria da libido, porém, quando Freud começa a aprofundar seus estudos no ego propriamente dito, depara com o fenômeno do narcisismo, que o obriga a rever a teoria das pulsões.
No narcisismo, segundo Freud, “o ego toma a si mesmo como objeto e se comporta como se estivesse apaixonado por si próprio”.
Freud observa, na psicose, esse retraimento da libido que confere ao psicótico o estado de desligamento do mundo externo, mas também em situações não patológicas, como no adoecimento orgânico (a libido fica indisponível para o mundo externo), no sono e no homossexualismo. 
Até então, Freud postulava que o ego era autônomo em relação à sexualidade, mas com a pesquisa sobre o narcisismo, percebe que o Ego é cortado por esta, o próprio EU pode ser alvo do investimento sexual, com isso, não pode ser isento de sexualidade, ou seja, não pode ser pólo oposto à pulsão sexual.
No entanto o conflito psíquico que Freud postulou desde o início da teoria psicanalítica, logo encontra outra expressão: pulsões de vida x pulsões de morte.
Foi em “Além do princípio de prazer” (1920) que Freud introduziu essa grande oposição.
As pulsões sexuais+ pulsões do ego ou de autopreservação são, nesta segunda teoria das pulsões, unidas pelo conceito de pulsões de vida e designadas pelo termo Eros.
A meta de Eros é instituir unidades, conservar. As pulsões que nos levam a investir no objeto são, portanto, pulsões de vida e nos levam a ligação.
Em contrapartida a meta da pulsão de morte é desligamento dos objetos, dissolução de agregados, agressividade ao objeto, agressão a si mesmo. 
Para Freud toda a pulsão possui caráter conservador, ou melhor, regressivo.
Na pulsão de morte esse caráter emerge como tendência a redução completa das tensões, isto é, tende a reconduzir o ser vivo ao estado anorgânico (repouso absoluto). Quando voltada ao interior tende a autodestruição; voltada ao exterior, manifesta-se sob a forma de pulsão de agressão ou de destruição.
Na pulsão de vida, Freud recorre ao mito de Aristófanes em “O Banquete,” de Platão -- para justificar o caráter conservador/regressivo desta pulsão -- segundo o qual o acasalamento sexual procuraria restabelecer a unidade perdida de um ser originalmente andrógino, anterior à separação dos sexos.
Freud se aproxima da ideia de pulsão de morte após a primeira guerra mundial, está faz com que ele se questione sobre a natureza da agressividade humana e a finalidade da repetição do desprazer que encontra nos seus pacientes combatentes de guerra. 
No exame dos sonhos desses pacientes há uma repetição, onde eles revivem o trauma sofrido na guerra, isso faz com que a característica de realização de desejo atribuída ao sonho seja revista e nela se acrescente que o sonho também pode ser a repetição de uma situação traumática a procura de elaboração psíquica.
A repetição do sofrimento também pode ser notada fora da análise, segundo Freud, “Há pessoas em cujas vidas se repetem indefinidamente as mesmas reações não corrigidas, em prejuízo delas próprias, assim como há outras pessoas que parecem perseguidas por um destino implacável, embora uma investigação mais atenta nos mostre que tais pessoas, sem se aperceberem, causam a si mesmas esse destino. Em tais casos, atribuímos um caráter ‘demoníaco’ à compulsão à repetição”.
Ainda fora da clínica, Freud observa, nas brincadeiras infantis, repetições de situações desprazerosas. Faz essa descoberta ao notar que seu neto repete uma brincadeira (jogo do fort/da – foi/voltou) com um carretel de linha. Na brincadeira a criança joga o carretel para frente e diz “foi”, reencenando a saída da mãe e repetindo o desprazer; depois puxa o carretel ao seu encontra e diz “voltou”, reencenando um controle da situação e fazendo uma elaboração psíquica. 
Na primeira teoria pulsional, o aparelho psíquico é regido pelo prazer, com a elaboração da segunda teoria pulsional passa a ser regido pelo prazer/desprazer. Isso significa que uma tendência pulsional nunca se manifesta em estado puro, mas sempre em misturas (pulsões de vida + pulsões de morte) com proporções variadas.
Deste modo, as pulsões de morte podem ser posta a serviço de uma função sexual, é como Freud passa, então, a examinar o masoquismo de ordem repetitiva e o sadismo, antes explicados por um jogo complexo de pulsões de objetivo absolutamente positivo.
No masoquismo, o sujeito obtém satisfação sexual em ser mau tratado, em seu próprio sofrimento, a destruição está voltada para si; enquanto no sadismo, essa satisfação se dá a partir do sofrimento e dor do seu objeto, a destruição está voltada para fora.
Freud também observa, na resistência que surge no seu trabalho analítico e na investigação dos motivos desta, um fenômeno que nomeia como reação terapêutica negativa, caracterizado por um desejo masoquista de punição, resistência a cura e apego ao sofrimento. 
O narcisismo, a repetição (observada no masoquismo), o sadismo e a reação terapêutica negativa, são fenômenos que sustentam a elaboração da pulsão de morte e sua oposição à pulsão de vida, na segunda teoria das pulsões.
Na primeira tópica, Freud postula dois princípios que regem o funcionamento psíquico:
O princípio de prazer, segundo o qual a atividade psíquica tem por objetivo a evitação da tensão desprazerosa, buscando incessantemente o prazer, através de descargas das tensões pelos caminhos mais curtos e; 
O princípio da realidade, que surge a partir de uma modificação do princípio do prazer, impondo-se como princípio regulador do funcionamento psíquico, na medida em que estando a serviço do Ego, a busca pela satisfação reconhece o adiamento devido das exigências exteriores.
Com a introdução do novo conflito psíquico, Freud elabora um princípio do funcionamento mental responsável pela pulsão de morte:
O Princípio de Nirvana, o qual designa a tendência do aparelho psíquico para levar a zero ou reduzir o máximo possível qualquer excitação de origem interna ou externa. Esse princípio é claramente definido; mas o princípio de prazer - e sua modificação em princípio de realidade – que passa a representar as pulsões de vida, dificilmente pode ser apreendido em sua acepção econômica.
A formulação dos conflitos psíquicos da 2° teoria tópica e da 2° teoria das pulsões trouxe modificações na articulação nos dois níveis - tópico e econômico/dinâmico. Essa articulação é difícil de estabelecer, pois uma determinada instância, parte envolvida no conflito, não corresponde necessariamente a um tipo específico de pulsão ou de princípio de funcionamento psíquico. 
As mudanças teóricas apresentadas acima repercutiram na teoria da angústia, a qual também passou por reformulações.
Assim, na 1° teoria da angústia, Freud a descreve como “um estado afetivo, isto é, uma combinação de determinados sentimentos da série prazer-desprazer, com as correspondentes inervações de descarga, e uma percepção dos mesmos, mas, provavelmente, também como um precipitado de um determinado evento importante, incorporado por herança”.
Esse evento importante é o processo do nascimento, o qual desencadeia, através de algo externo ao sujeito, reações fisiológico-orgânicas (aumento da freqüência cardíaca e respiratória) comuns à angústia, por isso essa 1° angústia é chamada por Freud de angústia tóxica.
A angústia, como estado afetivo, é a reprodução de um antigo evento que trouxe perigo (desamparo do nascimento), serviu como proteção e sinal.
A partir disso, Freud, contrapõe a angústia realística à angústia neurótica.
Assim, a angústia realística é um derivado da angústia tóxica - atenção sensorial e tensão motora aumentadas – é um sinal que prepara o sujeito para se defender frente a um perigo externo que constitui uma ameaça real, portanto, o perigo é consciente. 
A angústia neurótica surge sob 3 condições:
• Como nas neuroses de angústia típica, onde um estado de apreensão difusa e livremente flutuante está pronto a vincular-se a qualquer possibilidade que de imediato possa surgir.
• Como nas fobias, onde está vinculada á determinada ideia, aqui há uma relação com o perigo externo, porém de modo exagerado. Nota-se que esse perigo externo é apenas um deslocamento de um perigo interno.
Em ambas as condições citadas acima, a angustia surge como uma transformação direta da libido.
• Como na histeria e em neuroses graves, onde surge acompanhada de sintomas ou independentemente como ataque e sem qualquer base visível de perigo externo. Nestas condições, a angústia surge como conseqüência do recalque; a ideia é recalcada, mas a cota de afeto ligada a ela é transformada em angústia.
Freud, em suas investigações, encontra uma relação entre a geração de angústia e a formação dos sintomas. Para ele, a formação de sintoma substitui e é proteção contra a angústia, portanto a angústia surge primeiro e a geração de sintoma depois.

Para Freud, a grande diferença entre a neurose realística e a neurose de angústia é que na primeira o perigo é externo e consciente, enquanto na segunda ele é interno (a própria libido), e inconsciente.
Contudo, Freud não está satisfeito com a teoria da angústia. Tem a impressão que falta algo que una todas as descobertas.
Mas, é somente a partir da reformulação da teoria das pulsões, realizada no texto Além do princípio do prazer; da introdução da pulsão de morte e da divisão estrutural do aparelho psíquico, no artigo O Ego e o Id, que Freud refaz a sua trajetória no que diz respeito à teoria da angústia.
Neste contexto teórico da segunda tópica, ele repensa a natureza da angústia, reformula a sua função, tendo como pano de fundo o novo conceito de Ego e suas instâncias ideais.
É neste sentido que Freud afirma que o Ego é a sede da angústia, ele sente e produz angústia.
“(...) é difícil verificar que sentido haveria em falar em ‘ansiedade de id’ ou em atribuir ao superego capacidade para sentir um estado de apreensão.”
Freud, ao perceber que, o bebê não possui um ego desenvolvido capaz de recalcar e ainda assim sente angústia e que a origem da angústia está nos conflitos psíquicos, reformula sua teoria.
Nesta 2° teoria da angústia, a partir do exame dos recalques de impulsos plenos de desejos oriundos do complexo de Édipo, Freud conclui que, o recalque é conseqüência da angústia como sinal que anuncia uma situação de perigo, ao contrário da primeira teoria, na qual a angústia era conseqüência do recalque.
Assim, no complexo de Édipo, o menino sente-se angustiado em face de uma exigência feita por sua libido, mas se o desejo inconsciente é realizado, o sujeito corre o risco de ser castrado, portanto, a angústia é o medo inconsciente da libido frente à ameaça de castração, desse modo a angústia é neurótica, mas o perigo é externo e real. O recalque é uma alternativa para lidar com a angústia porque é uma forma do Ego satisfazer parcialmente as exigências do mundo-externo/realidade, do Superego do Id (formando o sintoma), escapando à castração, mas renunciando inconsciente a realização do desejo.
Nas meninas, não há o temor à castração, o que acontece com elas é o temor a perda do amor. Essa situação de perigo indicada por uma angústia remete a sensação de desamparo que acompanha o nascimento do bebê (angústia original).
Nesta segunda teoria, os perigos internos e externos geram a angústia, que é inerente ao aparelho psíquico.
Os perigos internos são as excitações do ID.
Os perigos externos para cada estádio do desenvolvimento são: o desamparo psíquico no ego inativo; a perda de um objeto no ego imaturo; a castração na fase fálica e o superego no período de latência.
A angústia neurótica surge sob diversas situações, mantendo um paralelo com as relações que o ego estabelece:
• Angústia Original: produzida na experiência do nascimento enquanto separação da mãe/ bebê, é vivida como um trauma, pois o bebê não tem mais a certeza de que suas necessidades serão satisfeitas e de que ele estará protegido, então fica desamparado psiquicamente para lidar com as tensões pulsionais que se apresentam. Serve de modelo para as demais situações de angústia.
• Angústia Realística: produzida no conflito entre o Mundo Externo e o Ego, uma vez que representa um perigo real e externo ao sujeito.
• Angústia Neurótica: Produzida no conflito entre o Ego e o Id.
• Angústia Moral (culpa): produzida no conflito entre o Ego e o Superego, relaciona-se à resolução da castração e do Complexo de Édipo. É característico das relações sociais.
Com a formulação da 2° teoria da angústia, Freud acrescenta novas características ao Ego: com sua face voltada à realidade, passa a ser parte mais organizada do Id, apesar de ser um servo leal deste, mas também exerce influência sobre ele (Id), quando coloca em ação o princípio prazer-desprazer por meio do sinal de angústia; fica fraco na medida em que, pelo ato do recalque, tem que renunciar parte de sua organização e convir que o impulso pulsional recalcado se mantenha afastado de sua influência. 

Setembro/2010 – Elaborado por Anna Miha da Equipe de Monitores de Psicanálise – PUC/SP – Campus Barueri.

Nenhum comentário:

Postar um comentário