No início do texto Freud discorre sobre os
fatores determinantes do adoecer e os fatores que entram em jogo após o
paciente ter adoecido e propõe a seguinte pergunta: “Dados esses fatores, onde
residiria o papel transformador da análise?” Freud pontua, em primeiro lugar, a
disposição hereditária, a qual já é estabelecida e por isso não pode ser modificado,
impondo limites ao terapeuta. Em segundo as experiências da primeira infância
do paciente que são de extrema importância à análise, mas por pertencerem ao
passado, também não podem ser modificadas ou anuladas. E por ultimo a
“frustração real” que diz respeito ao momento presente do paciente, todos as
“infelicidades” decorrentes da vida, onde as experiências fogem a expectativa
do sujeito.
Freud menciona que há uma ideia errônea sobre a
terapia psicanalítica, que a toma por um tratamento que procura deixar o
paciente sadio e vivendo uma vida sexual completa a partir do desprezo das
barreiras éticas impostas pela sociedade. Algo que na verdade não é papel do
tratamento, pois no conflito entre a libido e a repressão sexual nenhum dos
dois deve prevalecer sobre o outro. Uma exceção é o caso do neurótico, “onde a
tendência sexual suprimida acaba por encontrar uma vida através dos sintomas
apresentados”. Por outro lado, se houver uma ascensão da sexualidade não haverá
repressão sexual ou sintoma e assim pode-se observar que nenhuma das
alternativas elimina o conflito interno. O analista não deve se tornar
conselheiro ou orientador da vida de seu paciente e sim ajuda-lo a desvendar
suas determinações inconscientes e leva-lo a tomar suas próprias decisões. O
terapeuta não é reformador, mas um observador crítico e cabe ao paciente optar
entre uma vida livre e uma vida de absoluto ascetismo. Assim, o que a terapia
visa é a substituição do que está inconsciente pelo que é consciente; “suspendemos
as repressões, removemos as precondições para a formação de conflito,
transformamos o conflito patogênico em conflito normal”, a fim de encontrar uma
solução. Freud introduz o conceito da terapia causal, que consiste em remover
as causas dos sintomas e não o sintoma propriamente dito. A terapia
psicanalítica propõe que a tarefa principal não é remover os sintomas e por
isso não pode ser considerada uma terapia causal. “O que, pois, devemos fazer a
fim de substituir o que é inconsciente, em nossos pacientes, por aquilo que é
consciente?”. Primeiro acreditou-se que o analista deveria descobrir o material
inconsciente e comunica-lo ao paciente, o que mostrou-se ineficaz, já que o
paciente não compreende o conteúdo da mesma forma que o analista.
Posteriormente, observou-se que se deve encontrar na memória do paciente o
lugar onde o material se tornou inconsciente, através da remoção da repressão.
Isto é feito a partir da busca da repressão, removendo a resistência que a
mantém. Esta é provocada por uma anticatexia e é um mecanismo de defesa do ego.
A partir desse processo consegue-se reviver o conflito antigo e assim revisar o
processo de repressão, conduzindo-o a um melhor resultado, por conta de uma
fortificação do ego.
Durante esse
tratamento, surge no paciente um interesse especial pela pessoa do médico,
tornando-o mais importante do que seus próprios assuntos. Nesse momento, a
análise faz progressos, já que o paciente se deixa absorver pelas tarefas que o
tratamento lhe propõe. Porém, as dificuldades também podem aparecer (as
resistências) e o paciente se mostra desinteressado no tratamento, fator que
deve ser reconhecido como um fenômeno ligado a natureza da doença, e não apenas
uma perturbação. Isso ocorre, pois o paciente transfere para o médico intensos
sentimentos de afeição, incluindo uma supervalorização da pessoa-médico, uma
absorção de seus interesses, ciúmes, etc. Esse fenômeno é nomeado como
transferência, o paciente transfere sentimentos ao analista, que não podem ser
justificados pelo tratamento, já que estes sentimentos já estavam preparados no
paciente que se tornam evidentes na analise.
A transferência é o
principal motor da análise, ela é o terreno em que se dá o tratamento
psicanalítico, é no campo da transferência, na sua instalação, nas suas
diferentes formas, na sua interpretação e na sua resolução que ocorre o
tratamento feito pela psicanálise¹. A transferência pode ser tanto positiva
(sentimentos afetuosos, de admiração, etc.) quanto negativa (sentimentos
hostis, de raiva). Entretanto quando se transforma em resistência, necessita de
especial atenção, pois modifica a relação do paciente com o tratamento e
assinala a proximidade do conflito inconsciente. Isto ocorre quando se expressa
na forma de inclinação amorosa, pois a necessidade sexual provoca uma oposição
interna, ou se consiste em impulsos não afetuosos (o que é mais comum no caso
de pacientes homens).
Frente a isso, o
terapeuta deve mostrar ao paciente que esses sentimentos não são originados no
tratamento, e não se aplicam ao médico, mas que são uma repetição de algo que
lhe aconteceu anteriormente. Desse modo, a transferência que parecia constituir
uma ameaça ao tratamento, torna-se seu principal aliado.
O mecanismo da
transferência só se manifesta na histeria, histeria de angustia, e neurose
obsessiva, denominadas como neuroses de transferência. A tendência de
transferência dos neuróticos é um aumento da capacidade de dirigir catexias
libidinais das pessoas normais. Aqueles que possuem neuroses narcísicas não tem
capacidade para a transferência, ou apenas possuem traços insuficientes da
mesma. Suas catexias objetais devem ter sido abandonadas, e sua libido objetal,
deve ter se transformado em libido do ego, e são inacessíveis aos esforços do
analista.
¹ "Vocabulário
da Psicanálise. Laplanche e Pontalis", 1982, editora Martins Fontes
Elaborado pela equipe de
monitores de psicanálise da PUC-SP