domingo, 8 de março de 2015

[Pesquisa] Religiões e Práticas Obsessivas - Uma Leitura Freudiana.


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP 

FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE – FACHS 

CURSO DE PSICOLOGIA 

RELIGIÃO E PRÁTICAS OBSESSIVAS – UMA LEITURA FREUDIANA 

ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA PAULA REGINA PERON 

ALUNO: EDUARDO ZAIDAN 

RELATÓRIO FINAL 

ALUNO: EDUARDO ZAIDAN 

SÃO PAULO 2014

NOTA PRÉVIA Relatório científico de Pesquisa de Iniciação Científica aprovada pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da PUC-SP, subsidiado pelo PIBIC-CEPE e desenvolvido no período de agosto de 2013 a julho de 2014.RESUMO Nesta pesquisa categorizei a obra freudiana no que se refere ao correlato entre os atos obsessivos e os cerimoniais religiosos em textos que se referem ao indivíduo e em textos que se referem ao coletivo. Enquanto os textos da primeira parte da pesquisa enfatizam o indivíduo, e se encontram no começo da obra freudiana (1907-1918), os textos da segunda parte enfatizam o coletivo, e se encontram no final da obra de Freud (1913-1939). Estudei o percurso de Freud na análise dos fenômenos religiosos para poder determinar: a origem da religião; como a religião consegue sua adesão; qual é a origem da Lei; qual é a relação entre Deus e o pai; qual é a relação entre a neurose e a religião, sinalizando suas semelhanças e suas diferenças. Esta pesquisa se deu a partir da leitura da bibliografia deste assunto, ou seja, por meio da leitura dos textos de Freud que se referem à religião e neurose, assim como por meio da leitura de comentadores da obra de Freud, de mestrados e de verbetes de dicionários. É possível constatar que existem semelhanças entre os atos obsessivos e as práticas religiosas, e elas são explicitadas em diversas passagens da obra de Freud. Podemos dizer que a relação que Freud estabelece entre a neurose e a religião é que ele vê esta como uma neurose coletiva, uma vez que apresenta os fenômenos psicopatológicos da neurose individual, sendo que perpetua na comunidade humana pelo valor que lhe é atribuído por satisfazer poderosos desejos humanos. O desenvolvimento de uma religião é semelhante ao de uma neurose, uma vez que se apresenta a partir do retorno do recalcado. As religiões analisadas por Freud teriam um mesmo objetivo, solucionar o problema da culpa resultante do assassinato do pai da horda primeva. É por satisfazer os desejos humanos que Freud caracteriza a religião como uma ilusão, assim como a convicção em seus dogmas seriam produto do retorno do recalcado. Palavras Chave: Freud, psicanálise, neurose obsessiva, religião

SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO...........5
2 RELATÓRIO DE ATIVIDADES.........7
3 MÉTODO..........................9
4 A RELIGIÃO DO NEURÓTICO E A OBSESSÃO DO RELIGIOSO .................13
5 O ÉDIPO HISTÓRICO E AS VICISSITUDES DA RELIGIÃO...........................18
6 CONCLUSÃO ..............26
7 BIBLIOGRAFIA..............28

1 INTRODUÇÃO 

O primeiro texto que li de Freud a respeito da religião, antes dessa pesquisa, foi Atos obsessivos e práticas religiosas (1907). Nele entrei em contato pela primeira vez com a correlação que Freud estabelece entre a religião e sintomas neuróticos. Minha primeira reação foi entender a religião como uma manifestação psicopatológica, assim como, por seus rituais estarem associados a um sentimento inconsciente de culpa, acusa-la de frear excessivamente as pulsões, agindo assim a serviço da moral da civilização, participando ativamente do mecanismo da neurose – o recalque. O estudo da psicanálise, entretanto, me fez rever algumas de minhas preconcepções. Descobri que Freud questiona a divisão normal e patológico, mostrando semelhanças entre a vida mental dos neuróticos e das pessoas supostamente normais a partir da análise dos sonhos e dos atos falhos, demonstrando assim que é impossível pensar qualquer cenário psíquico sem traços psicopatológicos. Já mais para o final de sua obra, Freud introduz o conceito de pulsão de morte e procura explicar o sentimento inconsciente de culpa também por meio deste. No Mal-estar na civilização (1930) Freud argumenta que a rigidez do supereu não está diretamente relacionada à severidade da educação com a qual a criança se defrontou. Isso me fez duvidar que a religião seria simplesmente uma aliada da civilização, até porque eu não pensava mais numa censura consciente, mas no recalque. Assim como não pensava mais numa imposição social à penitência, mas como sendo também uma consequência do masoquismo. Desta forma, é realmente possível supor a existência de uma vida mental sem as manifestações psicopatológicas que são observadas na religião e atribuídas à neurose? Na obra de Freud é possível perceber que em alguns textos, particularmente nos primeiros, a neurose obsessiva é abordada a partir do fenômeno tal como ele se apresenta no indivíduo, e a correlação com a religião se daria por meio das semelhanças entre as manifestações individuais dessa neurose com os rituais religiosos. Também é possível perceber que em outros textos, particularmente os últimos, a relação entre religião e neurose obsessiva é investigada a partir da manifestação sociocultural desta, questionando como a religião se assemelharia a ela num âmbito mais genético (gênese). Portanto, nesta parte da obra, Freud não estaria mais interessado em descrever o correlato entre o sintoma obsessivo 6 e os rituais religiosos, mas hipotetizar a origem da religião (Totem e tabu), assim como o que proporciona sua esmagadora adesão (O futuro de uma ilusão). Ele também procurará chegar às origens da formação da Lei, e introduz um ‘mito científico’ (o assassinato do pai da horda) para compreender a relação do homem com o pai, com a Lei, e consequentemente com Deus (Totem e tabu). Também irá pensar como o desenvolvimento da religião é semelhante ao de uma neurose (Moisés e o monoteísmo). Percebe-se assim a possibilidade de categorização da obra de Freud no que se refere à relação entre neurose obsessiva e religião. Num primeiro momento haveria os textos que enfatizam o indivíduo, e que se encontram nos anos de 1907 até 1918. E, num segundo momento, textos que enfatizam o coletivo, e que se encontram nos anos de 1913 até 1939. Os textos do primeiro momento seriam Atos obsessivos e práticas religiosas (1907) e Moral sexual civilizada e doença ‘nervosa’ moderna (1908). História de uma neurose infantil (1918) pode ser caracterizado como um texto de transição do primeiro para o segundo momento. Os textos deste seriam Totem e tabu (1913), O futuro de uma ilusão (1927), O mal-estar na civilização (1930), A questão de uma Weltanschauung (1933) e Moisés e o monoteísmo (1939).7 


2 RELATÓRIO DE ATIVIDADES 

Com o objetivo de executar uma pesquisa científica, desenhei um cronograma de leitura que indicava a bibliografia que deveria ser lida para cada mês, como também, ao final de todo mês, a proposta de redigir um resumo dos textos lidos e discuti-lo com minha orientadora. Durante a pesquisa fiz algumas alterações no cronograma. Logo no começo da pesquisa foi recomendado por minha orientadora que a obra de Freud fosse lida respeitando sua cronologia. Acatei a recomendação, já que assim eu poderia acompanhar as mudanças na obra de Freud, o que inclusive resultou na possibilidade de categoriza-la em duas partes no que se refere à correlação entre neurose obsessiva e religião. Também alterei o cronograma de mensal para bimestral. Essa mudança foi necessária, já que era ideal que fosse distribuído a quantidade de páginas de cada mês de forma igualitária, o que não foi possível numa distribuição mensal da leitura dos textos. Também inclui na bibliografia o livro As palavras de Freud e o Dicionário comentado do alemão de Freud. Estes foram fundamentais para revisar a tradução da Imago. Optei por uma diferente tradução por conta do que aprendi nesses livros, assim como também tive a oportunidade de discutir este assunto com minha orientadora. Também inclui outros textos de Freud na bibliografia, uma vez que eles foram necessários para que eu pudesse explorar mais profundamente os conceitos com os quais me deparei nos textos. Essa pesquisa foi extremamente gratificante. Primeiro porque tive oportunidade de entrar em contato com a psicanálise num assunto específico que me interessa. Ao mesmo tempo, fui auxiliado por minha orientadora para a execução da minha pesquisa, o que permitiu que aquilo que estava sendo estudado fosse discutido e revisado. Me encontrei com dificuldades principalmente para fazer a segunda parte do texto. A bibliografia desta era composta por textos do final da obra de Freud. Estes textos são maiores e mais difíceis. Eles, por se encontrarem mais para o final da obra, exigem do leitor um conhecimento prévio da teoria, o que exige estudo por parte do leitor. Apesar disso, com tempo e trabalho fui capaz de resolver essa dificuldade.8 Foi difícil encontrar atividades que se referissem ao tema que eu estudava. Houve, porém, a feliz coincidência de um texto fundamental de Freud – Totem e Tabu – completar 100 anos em 2013. Houve então um evento sobre o centenário desta obra que ocorreu na USP, o qual pude participar e que foi muito interessante para meu estudo. Este evento não me ajudou na produção dos resumos, mas pude conhecer um pouco mais sobre a vida de Freud quando Totem e Tabu foi escrita, uma vez que foi compartilhado durante o evento algumas seleções importantes da correspondência de Freud na época. Também foi enfatizado que era um consenso entre aqueles ali presentes que Totem e Tabu é um texto metapsicológico, o que correspondia e ainda corresponde com a minha opinião, e por isso foi muito gratificante como a minha interpretação foi, em algum sentido, validada naquele momento. Em junho também estive presente numa defesa de tese sobre a neurose obsessiva. Apesar desta não enfatizar a correlação entre neurose obsessiva e religião, foi extremamente instrutivo entrar em contato com um doutorado a respeito da neurose obsessiva. A minha pesquisa, assim como o que pude encontrar neste doutorado, me estimulam a prosseguir neste caminho da produção de pesquisas.9 

3 MÉTODO 

Essa pesquisa seguiu uma metodologia exegética (Violante, 2000), ou seja, sua produção se deu a partir da leitura da bibliografia psicanalítica no assunto o qual eu pretendia estudar. É uma pesquisa sobre a psicanálise, já que pretende conhecer o que foi escrito por psicanalistas, neste caso meu enfoque foi em Freud, sobre a correlação entre os atos obsessivos e os cerimoniais religiosos. Podemos também dizer que talvez não devamos considerar esta pesquisa como uma pesquisa psicanalítica (Mezan, 2006). O motivo disto provém do objetivo deste estudo, que não é introduzir um novo conceito à psicanálise, mas propor um estudo bibliográfico da obra de Freud, com respeito a um tema específico: religião e práticas obsessivas. Ou seja, para Renato Mezan, para que uma pesquisa seja considerada psicanalítica é necessário que ela seja uma pesquisa em psicanálise, de forma que atenda à exigência de introduzir um novo conceito à psicanálise. Por outro lado, o que faz uma pesquisa em psicanálise necessária é a forma como o seu objeto de estudo é problematizado, de forma que apenas a psicanálise possa dar respostas ao mesmo e que ela seja imprescindível para uma efetivação do estudo (Violante, 2000). A psicanálise, também, não é uma ciência de laboratório e sua proposta é exatamente explorar aquele fenômeno que, num primeiro momento, resiste para evidenciar seu significado (Sampaio, 2006). Só assim se pode entender no que concerne a essência do campo da pesquisa em psicanálise, que resulta da tríade inconsciente/resistência/transferência (Sampaio, 2006). O que então faz dessa pesquisa necessária é a forma como só a psicanálise pode responder à questão a qual essa pesquisa procura responder, uma vez que não é possível pensar na relação entre a neurose obsessiva e a religião, sem antes considerar que se discorre aqui do funcionamento inconsciente e daquilo que aparece no discurso latente dos pacientes que foram analisados por Freud. Nesta pesquisa, como os textos de Freud foram lidos cronologicamente, comecei por Atos Obsessivos e Práticas Religiosas (1907) e li, respectivamente, os textos: Moral Sexual ‘Civilizada’ e Doença Nervosa Moderna (1908); Totem e Tabu (1913); História de uma Neurose Infantil (1918); O Futuro de uma Ilusão (1927), O Mal-Estar na Civilização (1930), A questão de uma Weltanschauung (1933); e Moisés e o Monoteísmo (1939). 10 Juntamente com a obra freudiana, também foram lidos verbetes dos dicionários: Vocabulário da Psicanálise, de Laplanche e Pontalis; Dicionário de Psicanálise, Roudinesco e Plon; e Dicionário Internacional da Psicanálise, Mijolla. Também foram utilizados o Dicionário comentado do alemão de Freud, de Luiz Hanns; como também o livro As palavras de Freud, de Paulo Cézar de Souza. Dois mestrados foram lidos, um de Patricia Argelazi sobre religião e neurose obsessiva, e outro de Fernanda Goldenberg sobre a necessidade do sentimento de culpa. Um livro foi lido de Gustavo Adolfo Ramos sobre angústia na obra de Freud, e outro de Carlos Morano sobre o diálogo entre a religião e a psicanálise. E uma palestra que foi publicada na revista Hypnos sobre religião e psicanálise de Roberto Azevedo também foi lida. Alguns artigos foram lidos a respeito do método psicanalítico de pesquisa, como: Pesquisa em Psicanálise de Maria Lucia Violante; Pesquisa em Psicanálise: algumas reflexões de Renato Mezan; Algumas ideias sobre pesquisa em psicanálise de Camila Pedral Sampaio. Outros textos de Freud e outros livros também foram usados. Para um estudo da neurose obsessiva, parti da premissa que não existe vida psíquica sem manifestações psicopatológicas. Por conta disso, defendo que a ideia de patologia deva ser relativizada, já que o conflito inconsciente é uma condição universal. Uma vez ocorrendo o recalque – o mecanismo da neurose – surge a civilização como a conhecemos. A pulsão, entretanto, exige retornar para a vida mental do sujeito, conseguindo satisfação por meio de uma formação de compromisso, o sintoma. É fundamental levar isso em consideração durante o estudo da obra freudiana, já que permite o entendimento de que a proposta da psicanálise não é eliminar o sintoma da civilização, mas antes permitir ao sujeito que entre em contato com o seu próprio desejo. A proposta deste trabalho foi estudar a correlação entre a neurose obsessiva e a religião, entretanto, apesar da admissão da existência de fenômenos psicopatológicos em ambos, este trabalho não pretende fazer um juízo moral sobre a neurose, ou sobre a religião, mas entrar em contato com o discurso latente, seja do neurótico, seja do crente, utilizando a obra freudiana como instrumento para tal acesso. Nesta pesquisa utilizei a Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, da Imago. Entretanto, optei por diferentes traduções para os termos: ‘Trieb’; ‘Verdrängung’; ‘Ich’, ‘Über-Ich’ e ‘Es’. Na edição da Imago estes termos 11 foram traduzidos, respectivamente, como: ‘instinto’ 1 ; ‘repressão’ 2 ou ‘supressão’; ‘ego’, ‘superego’ e ‘id’. Apesar de ter optado por uma tradução diferente, me manterei fiel às citações, deixando-as da forma que aparecem no texto. Essa escolha por uma diferente tradução é baseada no Dicionário comentado do alemão de Freud, de Luiz Hanns; como também no livro As palavras de Freud, de Paulo César de Souza. Portanto, adotarei nesta pesquisa o termo ‘pulsão’ 3 , em vez de ‘instinto’, já que acredito que seja uma melhor tradução para o termo ‘trieb’. Segundo Luiz Hanns (1996 p. 338), a tradução de ‘trieb’ por ‘instinto’ recobre apenas parte de seu sentido, uma vez que, trieb: Abarca um princípio maior que rege os seres viventes e que se manifesta como força que coloca em ação os seres de cada espécie; que aparece fisiologicamente ‘no’ corpo somático do sujeito como se brotasse dele e o aguilhoasse; e, por fim, que se manifesta ‘para’ o sujeito, fazendo-se representar ao nível interno e íntimo, como se fosse sua vontade ou um imperativo pessoal. De acordo com Paulo Cézar de Souza (2010, p. 253): “passou-se a ver na ‘pulsão’ o conceito freudiano por excelência, aquele que define o humano-simbólico, objeto da psicanálise, por oposição ao instintivo-animal, objeto da biologia”. Desta forma, apesar de ‘instinto’ ser de uso coloquial em português, enquanto que ‘pulsão’ não é de uso corrente em português mas praticamente um neologismo do jargão psicanalítico (Hanns, p. 344), optei por este como uma tradução alternativa para ‘trieb’. Também adotarei nesta pesquisa o termo ‘recalque’ 4 , já que acredito que seja uma melhor tradução para o termo ‘verdrängung’. De acordo com Hanns (1996, p. 359), a 

1 Instinto: “Classicamente, esquema de comportamento herdado, próprio de uma espécie animal, que pouco varia de um indivíduo para outro, que se desenrola segundo uma sequência temporal pouco suscetível de alterações e que parece corresponder a uma finalidade” (Vocabulário da Psicanálise, 2001). 
2 Repressão, em sentido mais restrito e designado a operações de sentido diferentes do recalque: “a) Ou pelo caráter consciente da operação e pelo fato de o conteúdo reprimido se tornar simplesmente pré- consciente e não inconsciente; b) Ou, no caso da repressão de um afeto, porque este não é transposto para o inconsciente mas inibido, ou mesmo suprimido. C) Em certos textos franceses [e brasileiros] traduzidos do inglês, equivalente errado de Verdrängung (recalque)” (Vocabulário da Psicanálise, 2001). 
3 Pulsão: “Processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fato de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); o seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta” (Vocabulário da Psicanálise, 2001). 
4 Recalque ou recalcamento, no sentido próprio: “Operação pela qual o sujeito procura repelir ou manter no inconsciente representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão. O recalque produz-se nos casos em que a satisfação de uma pulsão – suscetível de proporcionar prazer por si mesma – ameaçaria provocar desprazer relativamente a outras exigências” (Vocabulário da Psicanálise, 2001).

12 tradução de ‘verdrängen’ (verdrängen é o verbo, enquanto verdrängung é o substantivo) por ‘reprimir’ leva a perda de conotações. O termo germânico enfatiza o afastamento de um incômodo, enquanto que o foco de ‘reprimir’ em português é sobre o esmagamento ou supressão de uma manifestação ameaçadora (Hanns, p. 359). Segundo Souza (2010, p. 114): Em português, no Brasil, há psicanalistas e estudiosos que utilizam ‘repressão’ e há os que preferem ‘recalque’, reservando a primeira, como os franceses, para Unterdrückung – e assim adotando a conceituação desta como se dando no nível consciente, enquanto o ‘recalque’ ou ‘recalcamento’ (Verdrängung) seria um processo inconsciente. Também adotarei os termos ‘Eu’, ‘Supereu’ e ‘Isso’ como traduções alternativas àquelas propostas pela Imago. Segundo Souza (2010, p. 98): “Se em português a tradução de Ich, Es e Überich veio a se constituir um problema, isto se deveu em parte à ascendência da Standard brasileira, que adotou acriticamente as escolhas inglesas”. A respeito da tradução de ‘Es’ para ‘isso’ ou ‘id’, Hanns (1996, p. 265) afirma: “A tradução por ‘o isso’, embora pouco usual em português, talvez permita aproximar-se de alguns sentidos e conotações do alemão […] A tradução por id procura reativar a proximidade etiológica entre o id latino e o es germânico”.13 

4 A RELIGIÃO DO NEURÓTICO E A OBSESSÃO DO RELIGIOSO

Existe algo em comum nesses primeiros textos de Freud, que é a relação entre a renúncia da satisfação pulsional e o sintoma. Em Atos obsessivos e práticas religiosas é possível perceber que a origem da neurose obsessiva seria a renúncia de pulsões constitucionais (sexuais e agressivas), que apesar de causarem um prazer primário ao eu, estariam proibidas de se manifestar, e esta parece ser uma das bases da civilização. Ora, o que caracterizaria a neurose seria a inabilidade de recalcar com eficácia as pulsões. É exatamente isso que aparece em O futuro de uma ilusão, quando Freud fala que a criança humana não pode completar seu desenvolvimento sem passar por uma fase de neurose, devido às próprias exigências de renúncias pulsionais. 
O recalque das pulsões se torna falho no neurótico, tal como Freud expressa em Moral sexual civilizada e doença ‘nervosa’ moderna: “Os neuróticos são uma classe de indivíduos que, por possuírem uma organização recalcitrante, apenas conseguem sob o influxo de exigências culturais efetuar uma supressão aparente de seus instintos, supressão essa que se torna cada vez mais falha” (Freud, 1908, p. 176 e 177). Ao mesmo tempo, surgiriam fenômenos substitutivos como consequência do recalque, que caracterizam a psiconeurose: “Os fenômenos substitutivos surgidos em consequência da supressão do instinto constituem o que chamamos de doenças nervosas ou, mais precisamente, de psiconeuroses” (Freud, 1908, p. 176). Em outra passagem, Freud afirma: “A libido represada torna-se capaz de perceber os pontos fracos raramente ausentes da estrutura da vida sexual, e por ali abre caminho obtendo uma satisfação substitutiva neurótica na forma de sintomas patológicos” (Freud, 1908, p. 179). É possível perceber o elemento da culpa tanto em Atos obsessivos e práticas religiosas, como em História de uma neurose infantil. No primeiro texto, Freud argumenta que a semelhança entre a neurose e a religião seria que ambas se constituem a partir da renúncia pulsional. O que diferiria nelas seria a natureza dessas pulsões, sendo que a primeira seria de natureza exclusivamente sexual, e a segunda de natureza egoísta: A formação de uma religião parece basear-se igualmente na supressão, na renúncia, de certos impulsos instintuais. Entretanto, esses impulsos não são componentes exclusivamente do instinto 14 sexual, como no caso das neuroses; são instintos egoístas, socialmente perigosos, embora abriguem um componente sexual (Freud, 1907, p. 115). Ainda em Atos obsessivos e práticas religiosas, Freud afirma que o ato obsessivo serve para expressar motivos e ideias inconscientes (Freud, 1907, p. 113), assim como o cerimonial5 surge como um ato de defesa ou de segurança, como uma medida protetora (Freud, 1907, p. 114). Segundo Freud: “Assim, os atos cerimoniais e obsessivos surgem, em parte, como uma proteção contra a tentação e, em parte, como proteção contra o mal esperado” (Freud, 1907, p. 114 e 115). Há sempre o recalque das pulsões na constituição do sujeito, e a influência da pulsão é sentida como uma tentação. As medidas de proteção, entretanto, logo se tornam insuficientes contra a tentação, surgindo então as proibições, que têm como propósito manter o sujeito afastado das situações que podem originar tentações (Freud, 1907, p. 115). A consequência do recalque é uma ansiedade que adquire controle sobre o futuro, que Freud chama de ‘ansiedade expectante’ (Freud, 1907, p. 114). Sobre o sentimento de culpa e a ansiedade expectante, Freud afirma que estamos mais familiarizados com elas na religião do que nas neuroses: “Afinal, o sentimento de culpa resultante de uma tentação contínua e a ansiedade expectante sob a forma de temor da punição divina nos são familiares há mais tempo no campo da religião do que no da neurose” (Freud, 1907, p. 115). O sentimento inconsciente de culpa está presente tanto em Atos obsessivos e práticas religiosas como em História de uma neurose infantil, de forma que ambos os rituais, o obsessivo e o religioso, teriam como propósito a expiação da culpa. No caso do Homem dos Lobos a tentativa de expiação fica expressa na necessidade de punição. Para Freud, a supressão da masturbação no Homem dos Lobos teria lançado-o de volta a uma organização pré-genital, de forma que a vida sexual do menino assumiu um caráter anal-sádico. O sadismo, que se encontrava presente na forma de erotismo anal, foi transformado, por meio de um sentimento de culpa, em masoquismo: “seu sadismo havia-se convertido, portanto, em fantasia contra si mesmo e transformara-se em masoquismo […] um sentimento de culpa, que se relacionava com a sua masturbação, estava já envolvido nessa transformação” (Freud, 

 5 “Os cerimoniais neuróticos consistem em pequenas alterações em certos atos cotidianos, em pequenos acréscimos, restrições ou arranjos que devem ser sempre realizados numa mesma ordem, ou com variações regulares. Essas atividades, meras formalidades na aparência, afiguram-se destituídas de qualquer sentido. O próprio paciente não as julga diversamente, mas é incapaz de renunciar a elas, pois a qualquer afastamento do cerimonial manifesta-se uma intolerável ansiedade, que o obriga a retificar sua omissão” (Freud, 1907, p. 109).

15 1918, p. 37). A particularidade deste texto em relação a Atos obsessivos e práticas religiosas e Moral sexual civilizada e doença ‘nervosa’ moderna me parece ser, principalmente, a entrada do complexo de castração de forma mais explícita na teoria freudiana, como também Freud pensa as fixações6 libidinais acentuadas como determinantes na neurose. No caso da neurose obsessiva haveria uma fixação marcante na fase anal e uma consequente constituição anal-sádica. Sobre a neurose do Homem dos Lobos, Freud afirma: “A neurose obsessiva que foi descrita desenvolve-se, como se enfatizou repetidas vezes, com base numa constituição anal-sádica” (Freud, 1918, p. 81). Como também diz sobre sua vida sexual: “Aprofundavase numa fase da organização pré-genital que considero predisposição à neurose obsessiva” (Fred, 1918, p. 73). A sublimação é o ponto central de Moral sexual civilizada e doença ‘nervosa’ moderna. Freud define sublimação neste texto como: “A essa capacidade de trocar seu objetivo sexual original por outro, não mais sexual, mas psiquicamente relacionado com o primeiro” (Freud, 1918). A ideia de Freud é que o recalque das pulsões pode ser sustentado proporcionalmente à capacidade de sublimação do sujeito: “Quanto maior a disposição de um indivíduo para a neurose, menos ele tolerará a abstinência” (Freud, 1908, p. 179). O que caracterizaria a neurose, nesse sentido, seria a inaptidão desses sujeitos de sublimarem suas pulsões de forma a conseguir meios substitutivos de satisfação, mas antes exigem do sujeito um grande dispêndio de energia, que se relaciona ao seu padecimento: “pois para reprimir seu instinto sexual, esgotam as forças que poderiam ser utilizadas em atividades culturais. É como se esses indivíduos estivessem interiormente inibidos e exteriormente paralisados” (Freud, 1908, p. 176). Uma diferença fundamental que se estabelece na relação entre os textos de Freud é que, enquanto em História de uma neurose infantil Freud vê a religião como uma possibilidade sublimatória, uma vez que, segundo ele, restringiu as pulsões sexuais do menino, assim como teve outros efeitos benéficos no sentido de educa-lo para o acesso à comunidade humana, em Atos obsessivos e práticas religiosas a religião é colocada ao lado da neurose: “Diante desses paralelos e analogias podemos atrever-nos a considerar a neurose 

 6 No ‘Caso Schreber’ Freud afirma que a fixação é precursora e condição necessária para todo recalque. Segundo ele, a fixação pode ser descrita como: “determinado instinto ou componente instintual deixa de acompanhar os demais ao longo do caminho normal previsto de desenvolvimento, e, em consequência desta inibição em seu desenvolvimento, é deixado num estádio mais infantil. A corrente libidinal em apreço comporta-se então, em relação a estruturas psicológicas posteriores, como se pertencesse ao sistema do inconsciente, como reprimida” (Freud, 1911, p. 74 e 75). 

16 obsessiva como correlato patológico da formação de uma religião, descrevendo a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal.” (Freud, 1907, p. 116). Isto equivaleria a dizer que não há civilização sem neurose. O que parece ser fundamental em História de uma neurose infantil é a elaboração da ideia do masoquismo, de forma que a necessidade de punição das religiões e da neurose obsessiva, que pode ser explicada pelo sentimento inconsciente de culpa, é esclarecida, uma vez que proporciona ao sujeito uma forma de satisfação pulsional. Assim, Freud entende que quando a criança fica indócil, isso seria como uma confissão e que ela estaria buscando um castigo: “Espera por uma surra como meio de simultaneamente pacificar seu sentimento de culpa e de satisfazer sua tendência sexual masoquista” (Freud, 1918, p. 39). A origem do sentimento de culpa é melhor investigada em O mal-estar na civilização, onde há a introdução do conceito de pulsão de morte. Entretanto, por enquanto é possível pensar no começo da estruturação de uma organização característica da neurose obsessiva, uma vez que Freud assinalou os elementos essenciais dela, que são: o sentimento inconsciente de culpa e o consequente masoquismo, ambos associados ao erotismo anal. Ambos, de alguma forma, conectados pelo fracasso do sujeito de sublimar suas pulsões sexuais recalcadas, que encontram uma satisfação substitutiva no sintoma. A semelhança entre a neurose obsessiva e a religião também é de alguma forma elaborada, uma vez que Freud percebe como os rituais religiosos não são desprovidos de sentido, e que também expressam um sentimento inconsciente de culpa. A divergência que surge entre os seus textos é o quanto a religião poderia ser caracterizada como um processo patológico. Em Atos obsessivos e práticas religiosas Freud é mais intransigente ao afirmar que a correlação entre neurose obsessiva e a religião é clara. Entretanto, em História de uma neurose infantil, Freud fala que, à parte dos fenômenos patológicos por ele descritos, a partir da religião: “A criança indomada e cheia de medos tornou-se sociável, bem comportada e sensível à educação” (Freud, 1918, p. 120). O que podemos tirar disso é que, talvez, a classificação da religião enquanto um processo patológico deva ser avaliado individualmente, por enquanto, a partir da forma como ela se apresenta em cada caso. Outra conclusão possível é que, apesar de aproximarmos a religião da esfera de funcionamentos patológicos, ao mesmo tempo sabemos que Freud questiona a divisão normal e patológico. De acordo com Freud, apenas uma minoria é capaz 17 de sublimar suas pulsões recalcadas para ‘fins culturais elevados’, os demais tornam-se, em grande maioria, neuróticos, ou sofrem alguma espécie de prejuízo (Freud, 1908, p. 178).18 


5 O ÉDIPO HISTÓRICO E AS VICISSITUDES DA RELIGIÃO 

Em Totem e tabu Freud caracteriza a religião como um produto do sentimento de culpa filial7 . Este sentimento de culpa é consequência do assassinato do pai que, apesar de ser odiado, também era amado e admirado pelos filhos. Por conta dessa ambivalência emocional, produto do conflito entre ódio e identificação, anularam o próprio ato proibindo a morte de um substituto do pai – o totem8 . Também renunciaram às mulheres: “Criaram assim, do sentimento de culpa filial, os dois tabus9 fundamentais do totemismo, que, por essa própria razão, correspondem inevitavelmente aos dois desejos reprimidos do complexo de Édipo” (Freud, 1913, p. 147). A religião totêmica10 surge então com o propósito de mitigar o sentimento de culpa e apaziguar o pai, manifestando-se por meio de uma ‘obediência adiada’, o que, para Freud, é elemento comum em todas as religiões: “Todas as religiões posteriores são vistas como tentativas de solucionar o mesmo problema” (Freud, 1913, p. 148). Consequentemente, Deus assumiria a forma do pai: “no fundo, Deus nada mais é que um pai glorificado” (Freud, 1913, p. 150). Ainda de acordo com Freud: “A sociedade estava agora baseada na cumplicidade do crime comum; a religião baseava-se no sentimento de culpa e no remorso a ele ligado; enquanto que a moralidade fundamentava-se parte nas exigências dessa sociedade e parte na penitência exigida pelo sentimento de culpa” (Freud, 1913, p. 149). O sentimento de culpa é abordado de maneira semelhante em História de uma neurose infantil, quando Freud discorre sobre os sentimentos do Homem dos Lobos para com 

 7 Em Totem e tabu Freud cria sua ‘hipótese histórica’, o seu ‘mito científico’. Segundo Freud, na horda primitiva havia um pai tirânico que era detentor de todas as mulheres. Certo dia, os irmãos que haviam sido expulsos da horda retornaram juntos, mataram e devoraram o pai, colocando assim um fim à horda patriarcal (Freud, 1913, p. 145). Por conta da ambivalência que os filhos tinham em relação ao pai, sentiram-se culpados por terem o assassinado. Fundaram então os dois tabus do totemismo: a proibição da morte do totem, como também o tabu do incesto. 
8 “Via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã” (Freud, 1913, p. 22). 
9 A explicação do termo ‘tabu’ é complicada, até porque envolve sentidos contrários: “Para nós significa, por um lado, ‘sagrado’, ‘consagrado’, e, por outro, ‘misterioso’, ‘perigoso’, ‘proibido’, impuro’” (Freud, 1913, p. 37). O tabu é expresso em proibições e restrições, as quais não têm fundamento nem origem conhecida, apesar disso: “Embora sejam ininteligíveis para nós, para aqueles que por elas são dominados são aceitas como coisa natural” (Freud, 1913, p. 37). 
10 “O totemismo, assim, constitui tanto uma religião como um sistema social. Em seu aspecto religioso, consiste nas relações de respeito e proteção mútua entre um homem e o seu totem. No seu aspecto social, consiste nas relações dos integrantes do clã uns com os outros e com os homens de outros clãs” (Freud, 1913, p. 112).

19 seu pai: “A identificação que fez, de seu pai com o castrador, tornou-se importante como sendo a fonte de uma intensa hostilidade inconsciente contra ele (atingindo o nível de um desejo de morte) e de um sentimento de culpa que reagia contra essa hostilidade” (Freud, 1918, p. 95). Em História de uma neurose infantil Freud volta às suas conclusões de Totem e tabu de que tanto o totem, assim como Deus, seriam o pai deslocado: “O totem, conforme afirmei, era o primeiro substituto do pai e o deus era um substituto posterior, no qual o pai recuperara a sua forma humana” (Freud, 1918, p. 120). O mesmo se passa na relação das crianças com animais, tal como Freud revela em Totem e tabu: “O fato novo que aprendemos com a análise do ‘pequeno Hans’ – fato com uma importante relação com o totemismo – foi que, em tais circunstâncias, as crianças deslocam alguns de seus sentimentos do pai para um animal” (Freud, 1913, p. 134). Originalmente havia, no Homem dos Lobos, um desejo homossexual ao pai que, por conta da ameaça da castração11, transformou-se num medo do pai. A atitude homossexual para com o pai foi recalcada, por conta da ameaça da castração, que se faz ansiogênica devido ao interesse narcísico atrelado ao pênis. Por conta da ansiedade, instalouse o recalque. De fato, era de se esperar que o se tornou consciente não foi o medo do pai, mas de um substituto dele: “O que se tornou consciente foi o medo, não do pai, mas do lobo” (Freud, 1918, p. 118). Em O futuro de uma ilusão o que Freud apresenta é muito semelhante ao que foi dito em Totem e tabu, com a diferença que há a introdução de maneira mais explícita da ideia de desamparo. Essa situação de desamparo é um protótipo infantil, uma vez que foi o pai que protegeu a criança dos perigos externos, de forma que faz-se necessário a existência de um pai, porém um pai mais poderoso, que proteja os seres humanos do Destino. Logo, Freud continua com a sua opinião de Totem e tabu de que a origem da religião seria um ‘anseio 

 11 Em Inibição, sintomas e ansiedade Freud revisa sua teoria da ansiedade. Anteriormente ele atribuiu como fonte da ansiedade a libido recalcada. Entretanto, Freud constata que na verdade é a ansiedade que produz o recalque. Desta forma, a fobia do Homem dos Lobos pode ser atribuída ao medo da castração, uma vez que foi o medo da castração que produziu a ansiedade que resultou no recalque das pulsões neste: “Mas o afeto de ansiedade, que era a essência da fobia, proveio, não do processo de repressão, não das catexias libidinais dos impulsos reprimidos, mas do próprio agente repressor. A ansiedade pertencente às fobias a animais era um medo não transformado de castração. Era portanto um medo realístico, o medo de um perigo que era realmente iminente ou que era julgado como real. Foi a ansiedade que produziu a repressão e não, como eu anteriormente acreditava, a repressão que produziu a ansiedade” (Freud, 1926, p. 110 e 111).

20 pelo pai’. O que é introduzido de novo em O futuro de uma ilusão é a origem desse anseio, que é o desamparo: “É a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de reconhecer – reação que é, exatamente, a formação da religião” (Freud, 1927, p. 33). Essa mesma opinião é expressa em A questão de uma Weltanschauung, quando Freud afirma que a figura do pai é supervalorizada por conta da proteção que ele oferecia à criança. Quando o indivíduo se torna adulto, ele sabe que continua desamparado como na infância. Consequentemente, surge a necessidade de um retorno da imagem mnêmica do pai, que é transformada em divindade. Segundo Freud: “A força afetiva dessa imagem mnêmica e a persistência de sua necessidade de proteção conjuntamente sustentam sua crença em Deus” (Freud, 1933, p. 160). A visão de mundo religiosa seria assim determinada pela situação da infância (Freud, 1933, p. 161). O que permite a crença em Deus então é a ilusão, porquanto a ilusão não se caracteriza necessariamente como sinônimo de um erro, mas por derivar dos desejos humanos. As ilusões seriam as realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade, e o seu poder deriva do poder desses desejos (Freud, 1927, p. 39). No caso da religião, a ilusão que a sustenta refere-se à crença da existência de um pai que aplaque o desamparo e a debilidade humana. Freud explicita que existe claramente uma correlação com a neurose: Assim, a religião seria a neurose obsessiva universal da humanidade; tal como a neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do relacionamento com o pai. [...] Se, por um lado, a religião traz consigo restrições obsessivas, exatamente como, num indivíduo, faz a neurose obsessiva, por outro, ela abrange um sistema de ilusões plenas de desejo juntamente com um repúdio da realidade (Freud, 1927, p. 52). Em Totem e tabu Freud destaca, a partir do estudo dos povos primitivos, a existência de três sistemas de pensamento: o animista (mitológico), o religioso e o científico. Segundo ele, apesar do animismo ainda não ser propriamente uma religião, ele contém os fundamentos para a formação desta. Os povos primitivos, aqueles que tinham essa primeira visão de mundo, precisavam controlar o mundo ao seu redor. Por conta dessa necessidade de domínio dos homens, dos animais e das coisas que eles utilizavam a magia e a feitiçaria. Segundo Freud: “É fácil perceber os motivos que conduziram os homens a praticar a magia: são os desejos humanos” (Freud, 1913, p. 94). Ainda sobre a forma animista de pensamento, Freud a atribui à onipotência de pensamentos: “Para resumir, pode-se dizer, então, que o princípio 21 que dirige a magia, a técnica da modalidade animista de pensamento, é o princípio da ‘onipotência de pensamentos’” (Freud, 1913, p. 96). Além dos povos primitivos, Freud também assinala a sobrevivência da onipotência12 dos pensamentos com uma presença marcante na neurose obsessiva. Por conta do recalque, ocorreu nos neuróticos obsessivos uma maior sexualização de seus processos de pensamento (Freud, 1913, p. 100), de forma que há uma supervalorização dos processos mentais em comparação com a realidade (Freud, 1913, p. 99). A transição da fase animista para a religiosa se dá a partir da transferência da onipotência para os deuses, mas sem abandoná-la totalmente, pois os religiosos reservam para si o poder de influenciar os deuses através de uma variedade de maneiras, de acordo com os seus desejos (Freud, 1913, p. 98). Por conta do funcionamento narcisista dos povos primitivos, uma vez que supervalorizavam seus atos psíquicos, podemos também assumir que o simples impulso hostil contra o pai, a mera existência de uma fantasia, teriam sido suficientes para produzir a reação moral que criou o totemismo e o tabu (Freud, 1913, p. 161). Com relação ao sentimento de culpa, Freud explica-o em O mal-estar na civilização. Segundo ele, haveria a existência de um conflito pulsional, expresso numa luta entre Eros e Thanatos, ou entre pulsão de vida e pulsão de morte13. A agressividade que era dirigida a um objeto externo, e que tem sua origem na pulsão de morte, é internalizada. Ela, que proveio do eu, retorna dirigida para ele, assumida por essa parte do eu que se voltou contra o próprio eu – o supereu. A tensão entre o severo supereu e o eu é chamada de sentimento de culpa, e expressa-se como uma necessidade de punição (Freud, 1930, p. 127). O sentimento de culpa seria, dessa forma, um medo da perda do amor, mas considerando que a autoridade foi internalizada, então o sentimento de culpa seria produto do medo do supereu, assim como surgiria também a necessidade de punição como forma de mitigar essa culpa. Freud volta então à Totem e tabu no que se refere à origem do sentimento de culpa: “Não podemos afastar 

12 O mesmo é afirmado no caso do ‘Homem dos Ratos’: “O processo de pensamento torna-se sexualizado, pois o prazer sexual que está normalmente ligado ao conteúdo do pensamento vê-se aplicado ao próprio ato de pensar, e a satisfação derivada do fato de se alcançar a conclusão de uma linha de pensamento é sentida como uma satisfação sexual” (Freud, 1909, p. 211). 
13 Devido ao interesse de Freud em compreender a compulsão à repetição, como também o caráter conservador da vida pulsional, ele elabora Além do princípio de prazer. Neste, conclui que além da existência de uma pulsão que teria como objetivo a preservação da substância viva e para reuni-la em unidades cada vez maiores (pulsão de vida), deveria haver também uma pulsão contrária que tenderia a dissolver essas unidades e conduzi-las a seu estado primevo e inorgânico (pulsão de morte) (Freud, 1930, p. 122).


22 a suposição de que o sentimento de culpa do homem se origina do complexo edipiano e foi adquirido quando da morte do pai pelos irmãos reunidos em bando” (Freud, 1930, p. 134). É esse mesmo ato de agressão que é recalcado na criança e que imagina-se ser a fonte do seu sentimento de culpa (Freud, 1930, p. 134). A partir do sentimento de culpa, compreendemos melhor os sintomas neuróticos, já que neles se oculta uma quota de sentimento de culpa o qual fortifica os sintomas, fazendo uso deles como punição. Dessa forma, Freud afirma que quando uma tendência pulsional experimenta o recalque, seus elementos libidinais são transformados em sintomas e seus componentes agressivos em sentimento de culpa (Freud, 1930, p. 141). É o que Freud já havia afirmado sobre o masoquismo em O problema econômico do masoquismo: A volta do sadismo contra o eu (self) ocorre regularmente onde uma supressão cultural dos instintos impede que grande parte dos componentes instintuais destrutivos do indivíduo seja exercida na vida. Podemos supor que essa parte do instinto destrutivo que se retirou aparece no ego como uma intensificação do masoquismo. Os fenômenos da consciência, contudo, levam-nos a inferir que a destrutividade que retorna do mundo externo é também assumida pelo superego, sem qualquer transformação desse tipo, e aumenta seu sadismo contra o ego. O sadismo do superego e o masoquismo do ego suplementam-se mutuamente e se unem para produzir os mesmos efeitos. Só assim, penso eu, podemos compreender como a supressão de um instinto pode, com frequência ou muito geralmente, resultar em um sentimento de culpa, e como a consciência de uma pessoa se torna mais severa e mais sensível, quanto mais se abstém da agressão contra os outros (Freud, 1924, p. 187). O supereu rígido é característico da neurose obsessiva de forma que, por conta das semelhanças entre as proibições dos povos primitivos e dos neuróticos, Freud diz que seria mais apropriado caracterizar estes como aqueles que padecem da ‘doença do tabu’. Apesar dos tabus serem aparentemente destituídos de sentido, assim como as proibições obsessivas, eles são mantidos por um medo irresistível: “Não se faz necessária nenhuma ameaça externa de punição, pois há uma certeza interna, uma convicção moral, de que qualquer violação conduzirá à desgraça insuportável” (Freud, 1913, p. 44). Esta convicção moral refere-se à ansiedade na forma de sentimento de culpa. Segundo Freud: “a base do tabu é uma ação proibida, para cuja realização existe forte inclinação do inconsciente” (Freud, 1913, p. 49). Desta forma, a necessidade de proibir a relação sexual incestuosa, assim como de proibir a morte do totem, são melhor compreendidas depois de um estudo da vida mental das crianças e dos neuróticos: A psicanálise nos ensinou que a primeira escolha de objetos para amar feita por um menino é incestuosa e que esses objetos são objetos proibidos: a mãe e a irmã. Estudamos também a maneira pela qual, à medida que cresce, ele se liberta dessa atração incestuosa. Um neurótico, por outro lado, 23 apresenta invariavelmente um certo grau de infantilismo psíquico; ou falhou em libertar-se das condições psicossexuais que predominavam em sua infância ou a elas retornou; duas possibilidades que podem ser resumidas como inibição e regressão no desenvolvimento. Assim, as fixações incestuosas da libido continuam (ou novamente começam) a desempenhar o papel principal em sua vida mental inconsciente. Chegamos ao ponto de considerar a relação de uma criança com os pais, dominada como é por desejos incestuosos, como o complexo nuclear das neuroses. […] As mais antigas e importantes proibições ligadas aos tabus são as duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto. Estes devem ser, então, os mais antigos e poderosos dos desejos humanos” (Freud, 1913, p. 35, 48 e 49). As semelhanças entre a neurose obsessiva e a religião são apontadas em quase todos os textos de Freud. Em Atos obsessivos e práticas religiosas Freud afirma: “a neurose obsessiva parece uma caricatura, ao mesmo tempo cômica e triste, de uma religião particular” (Freud, 1907, p. 111). Já em Totem e tabu ele também faz uma analogia entre a religião e a neurose obsessiva: “Poder-se-ia sustentar que um caso de histeria é a caricatura de uma obra de arte, que uma neurose obsessiva é a caricatura de uma religião e que um delírio paranoico é a caricatura de um sistema filosófico” (Freud, 1913, p. 85). Em Moisés e o monoteísmo Freud também segue a mesma linha que nos textos anteriores, com a diferença que clarifica o processo de desenvolvimento de uma neurose e o compara com o desenvolvimento de uma religião. Neste texto, Freud faz uma revisão de sua teoria da neurose. Segundo ele, a fórmula do desenvolvimento desta seria: “Trauma primitivo – defesa – latência – desencadeamento da doença neurótica – retorno parcial do reprimido” (Freud, 1939, p. 95). Tal como a neurose, a formação de uma religião segue essa mesma fórmula, e os dogmas que se formam são produto do retorno do recalcado. Freud também explica a obediência às exigências de renúncia pulsional. Segundo ele, as exigências pulsionais teriam origem no isso, o qual, ao entrar em contato com a realidade através do eu, resultam numa abstinência de satisfação por conta de uma obediência ao princípio de realidade. Portanto, haveria um obstáculo externo à satisfação pulsional. Ao mesmo tempo, também existe também um obstáculo interno, uma vez que há a internalização de uma parte dessas ‘forças inibidoras’ formando o supereu. Apesar da renúncia pulsional trazer desprazer, o eu se sente elevado pela renúncia pulsional, ocorrendo por conta disso uma satisfação substitutiva. Uma vez que o supereu é o representante dos pais, e o eu da criança sente medo de perder o amor dos pais e por isso mesmo que os obedece, quando os pais são internalizados, o eu continua a se privar da satisfação pulsional, uma vez que ele busca então o amor do supereu pela sua renúncia. Esse sentimento narcísico de orgulho explica então a 24 obediência ao supereu nas neuroses, como também explica a obediência aos dogmas religiosos (Freud, 1939, p. 131 e 132). Em Moisés e o monoteísmo Freud também introduz o conceito de ‘verdade histórica’. Essa verdade refere-se à existência de uma herança arcaica que permanece inconsciente no isso, mas que exige entrar em contato com a consciência, mas quando o faz aparece de forma alterada e deturpada. Desta forma, segundo Freud, há muito tempo compreende-se que uma parte da verdade esquecida jaz oculta nas ideias delirantes, que quando retorna tem que se apresentar com deformações e más compreensões. Já a convicção compulsiva que se liga ao delírio surge desse cerne de verdade, e se espalha para os erros que a envolvem. De acordo com Freud, devemos conceber a existência de algo assim, que pode ser chamado de verdade histórica, também nos dogmas da religião (Freud, 1939, p. 99). Ocorreram repetições reais e recentes dessa memória, uma vez que tal como o pai primevo foi assassinado pelos filhos, o mesmo se passou com Moisés, como também com Cristo. Dessa forma, os fenômenos religiosos não seriam resultado de uma tradição que se baseia unicamente na comunicação, até por conta do fato que esses se encontram libertados da coerção do pensamento lógico, revelando assim que houve o recalque, e o poder da religião se manifesta a partir do retorno do recalcado (Freud, 1939, p. 115 e 116). Por conta do conceito de verdade histórica, Freud retorna à sua hipótese desenvolvida em Totem e tabu em uma carta à Lou Andreas-Salomé, em 1935: As religiões devem seu poder coercitivo ao retorno do recalcado, são reminiscências de processos arcaicos desaparecidos e altamente eficazes da história da humanidade. Já afirmei isso em Totem e tabu. E agora o condenso numa fórmula: o que fortalece a religião não é a sua verdade real, mas sua verdade histórica (Dicionário de Psicanálise, 2005, p. 518 e 519). Freud também explora a ética religiosa, argumentando que tem sua origem a partir do sentimento culpa sentido por conta de uma hostilidade recalcada para com Deus. Desta forma, a ética religiosa seria caracterizada por ser uma formação reativa neurótica obsessiva, e podemos presumir que serve também aos propósitos secretos de punição (Freud, 1939, p. 148). Freud também explora a transição do judaísmo para o cristianismo: “O judaísmo fora uma religião do pai; o cristianismo tornou-se uma religião do filho” (Freud, 1939, p. 102). Mais tarde, ele também diz: “na história da religião – isto é, com referência ao retorno do reprimido – o cristianismo constituía um avanço e, a partir dessa época, a religião judaica foi, até certo ponto, um fóssil” (Freud, 1939, p. 102). Portanto, a diferença entre essas duas 25 religiões seria que, enquanto o judaísmo referia-se ao mecanismo de ‘obediência adiada’ a Moisés, tal como observamos com relação ao pai primevo após seu assassinato, no cristianismo o fundamental seria a ressureição de Cristo, que expressa o retorno do pai primevo da horda primitiva, transfigurado e, como filho, colocado no lugar do pai (Freud, 1939, p. 103). Dessa forma, enquanto o judaísmo negaria o assassinato do pai por meio de sua crença, o cristianismo visaria a expiar o sentimento de culpa, uma vez que, conforme é expresso em Totem e tabu, Cristo sacrificou a sua própria vida como maneira de mitigar a culpa pelo assassinato do pai. Os irmãos foram assim redimidos do ônus de cumplicidade no ato, uma vez que o pecado original – o assassinato do pai – só poderia ser redimido por um crime semelhante14 ao cometido contra o Deus-Pai, e por isso Cristo sacrifica sua própria vida. Aquilo que foi afirmado sobre a transição do judaísmo para o cristianismo, também aparece em Totem e tabu: “O próprio ato pelo qual o filho oferecia a maior expiação possível ao pai conduzia-o, ao mesmo tempo, à realização de seus desejos contra o pai. Ele próprio tornava-se Deus, ao lado, ou, mais corretamente, em lugar do pai. Uma religião filial deslocava a religião paterna. Como sinal dessa substituição, a antiga refeição totêmica15 era revivida sob a forma da comunhão, em que a associação de irmãos consumia a carne e o sangue do filho – não mais do pai – obtinha santidade por esse e identificava-se com ele” (Freud, 1913, p. 156). A conclusão que podemos tirar de Moisés e o monoteísmo é que tanto a religião judaica como a cristã são consequência do retorno do recalcado. Entretanto, a forma como cada uma se constituiu é produto da demanda a qual cada religião deve atender dependendo das necessidades particulares de cada cultura. Cada povo, a partir de sua demanda particular, cria o seu Deus para atende-la. 

 14 A respeito disso, Freud escreve: “A lei de talião, que se achava tão profundamente enraizada nos sentimentos humanos, estabelece que um homicídio só pode ser expiado pelo sacrifício de outra vida: o autosacrifício aponta para a culpa sanguínea” (Freud, 1913, p. 156). 
15 Apesar da proibição de matar o totem, havia uma situação em que era permitido fazê-lo, que era por conta de uma ocasião festiva em que o clã inteiro matava o animal totêmico, e depois o comiam. Por meio da ingestão do totem, o clã reassegurava sua identificação com o mesmo. Isto, é claro, é uma repetição do assassinato do pai da horda, assim como, logo em seguida, sua ingestão. Também lá tinham o propósito de se identificarem com o pai. O mesmo ocorre com a comunhão cristã (Freud, 1913, p. 156 e 157).

6 CONCLUSÃO 

26Nesta pesquisa não dei enfoque às diferenças entre os cerimoniais religiosos e os atos obsessivos, entretanto, em Atos obsessivos e práticas religiosas Freud diz que ao mesmo tempo que é fácil perceber as semelhanças entre cerimoniais neuróticos e atos sagrados do ritual religioso, as diferenças são igualmente óbvias: A grande diversidade individual dos atos cerimoniais [neuróticos] em oposição ao caráter estereotipado dos rituais (as orações, o curvar-se para o leste, etc.), o caráter privado dos primeiros em oposição ao caráter público e comunitário das práticas religiosas, e acima de tudo o fato de que, enquanto todas as minúcias do cerimonial religioso são significativas e possuem um sentido simbólico, as dos neuróticos parecem tolas e absurdas (Freud, 1907, p. 110 e 111). Apesar dos atos neuróticos aparentarem ser desprovidos de significado, sabemos que, pela análise, seu sentido pode ser revelado. Uma das dificuldades em fazê-lo provém do deslocamento, que é a substituição do elemento real e importante por um trivial (Freud, 1907, p. 116). Ao mesmo tempo, Freud também revela que os cerimoniais religiosos que aparentavam ter um significado definido, também carregam um sentido latente que o crente desconhece: “Para os crentes, entretanto, os motivos que os impelem às práticas religiosas são desconhecidos ou estão representados na consciência por outros que são desenvolvidos em seu lugar” (Freud, 1907, p. 113). Apresentei na primeira parte da pesquisa os elementos fundamentais da organização obsessiva, assim como apresentei suas semelhanças com os rituais religiosos. Já na segunda parte da pesquisa, demonstrei que, de forma geral, as religiões são produto de ilusões, uma vez que sustentam a crença de que Deus protegerá os crentes do Destino. Ao mesmo tempo, Deus também recebe as características do pai. Apesar da religião ser produto do retorno do recalcado, cada religião se desenvolve conforme a cultura particular de cada povo. Segundo Freud, ao preço de fixa-las à força num estado de infantilismo psicológico e por arrastar as pessoas para um delírio de massa, a religião consegue poupar muitas delas de uma neurose individual (Freud, 1927, p. 92). Os textos que Freud escreve sobre a religião costumam critica-la, assim como geralmente enaltecem a ciência. Não dei enfoque a esses trechos durante a composição dessa pesquisa, uma vez que acredito que eles não façam alusão à relação entre neurose e religião, mas dizem respeito à preferência pessoal de Freud pela ciência, e possivelmente às ilusões 27 pessoais de Freud. O que constatei nessa pesquisa é que é impossível pensar a civilização sem a neurose, de forma que os fenômenos psicopatológicos fazem parte da constituição do sujeito no seu ingresso à civilização. A religião é possivelmente um preço que a civilização paga para que muitos supostamente não desenvolvam uma neurose individual, uma vez que, assim como esta, ela também atende às exigências inconscientes de satisfação pulsional, e também se apresenta como uma solução de compromisso, assim como os sintomas.28 7 


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