quinta-feira, 18 de novembro de 2010

"Feminilidade" (Sigmund Freud, Conf. XXXIII, Vol. XXII, 1932/33)

       Logo no início deste texto, Freud discorre sobre as diferenças anatômicas do homem e da mulher, atentando para o fato de que partes do aparelho sexual masculino aparecem também na mulher de modo atrofiado e vice versa. Sendo assim, ele diz que, com base no pensamento da anatomia e da biologia, todo ser humano é homem e mulher ao mesmo tempo em graus diferenciados. 
       Freud ressalta que o pensamento da anatomia é limitado e inicia uma busca de desenvolvimento conceitual a partir da psicanálise.  O teórico faz, então, uma crítica à distinção e equiparação, vinda das ciências biológicas, do conceito de masculino com a atividade e da feminilidade como a passividade.               
        A partir disso, o pai da psicanálise estabelece o conceito de feminilidade a partir de uma leitura psicanalítica: esta elaboração diz respeito às metas passivas, que se diferenciam da passividade, pois precisam, antes, de uma dose de atividade para serem alcançadas. O autor desenvolve ainda o conceito de masoquismo como associado ao feminino, pois a agressividade da mulher é voltada para dentro em decorrência das exigências sociais. Mesmo no homem, a partir disso, o masoquismo é, então, visto como um traço feminino. 
       Depois dessa distinção conceitual, Freud inicia a teorização acerca do desenvolvimento feminino. Ele pontua que, em um primeiro momento, as diferentes fases da libido são iguais para ambos os sexos. As diferenças começam a surgir na fase fálica. Há dois fatores complicadores nesta fase  no que se refere ao desenvolvimento feminino em comparação ao masculino. 1) A substituição de objeto de satisfação sexual. 2) O objeto de amor do complexo de Édipo. Na primeira, o que ocorre é que o clitóris, objeto de prazer sexual, precisa ceder à vagina a função principal no aparelho sexual feminino. Em comparação, no desenvolvimento masculino o objeto continua sendo o pênis. E, a segunda, é a transferência do afeto da mãe para o pai. No desenvolvimento masculino o objeto de afeto era a mãe e continua sendo a mesma. É importante ressaltar que o primeiro objeto de afeto de ambos é a mãe. 
       Essas mudanças tem uma série de implicações. Entre elas, o afastamento da mãe, pela menina, é um ato que está envolto de hostilidade. Ela tende a passar apresentar diversas queixas e acusações contra a mesma, o que inclusive pode ter consequências nos desenvolvimentos posteriores e até mesmo na vida adulta. Uma parte importante deste comportamento hostil ocorre quando, durante o período fálico quando a mãe proíbe a criança de praticar atividades masturbatórias com seus genitais. No período pré-édipico a mãe tende a estimular os mesmos através de carícias. Freud ressalta que, apesar de importante, este não é um ponto de distinção entre meninos e meninas, pois ocorre de forma igual para ambos os sexos. 
       O principal ponto de distinção da feminilidade encontra-se na elaboração do complexo de castração. Este se inicia, na menina, a partir da constatação de que algo a falta, o que a diferencia do menino no sentido de que ele teme a perda do pênis. Sendo assim, a constatação da falta, prepara o complexo de Édipo, e também não há um elemento que estabeleça a superação do mesmo. Retomando, é importante pontuar que no menino a ameaça da castração faz com que ele abandone o desejo pela mãe e supere o complexo de Édipo, na menina isso não ocorre. Como consequência, as mulheres podem ficar indefinidamente no complexo de castração. 
       Retornando ao início, com a entrada no complexo de castração, há três consequências possíveis: a inibição sexual ou neurose, que consiste em um recalcamento da sexualidade. Em uma renúncia a satisfação masturbatória com o clitóris e numa hostilidade em relação a mãe. Na segunda consequência, o complexo de masculinidade, há uma recusa da passividade, o que faz com que haja um posicionamento masculino e, em casos extremos, a escolha de objetos homossexuais. Na terceira, a feminilidade normal, o desejo de ter um pênis deve, então, ser substituído pelo desejo de ter um bebê. Este desejo faz com que se inicie o complexo de Édipo feminino, a dissolução desse complexo, ao contrário do que ocorre no masculino quando o menino, pelo temor da castração, renuncia ao amor pela mãe e instaura o superego, dá-se tardiamente, de forma incompleta, sem um fator específico, o que causa prejuízos à formação do superego. 
       Freud conclui o texto afirmando que a elaboração sobre a feminilidade ainda está, neste momento, incompleta e que necessita de novos estudos e novos desenvolvimentos. Ele diz que este recorte é visto no que diz respeito a função sexual e que há um ser humano para além disso e, por fim, conclama a literatura, ou a elaboração através de vivências pessoais como norte de novas respostas.
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Elaborado pela equipe de Monitoria em Psicanálise do curso de graduação em Psicologia da PUC/SP. Escrito por Antônio Alberto Almeida.

terça-feira, 1 de junho de 2010

´´Uma nota sobre o Inconsciente em Psicanálise`` (Sigmund Freud, Volume XII, 1912)

- Consciente: concepção que está presente em nossa consciência e da qual nos damos conta.
- Inconsciente: conteúdos dos quais não estamos cientes, mas cuja existência Freud nos dá algumas evidências, como através da sugestão pós-hipnótica.
- Sugestão pós-hipnótica: quando o paciente é colocado em estado hipnótico e o médico pede para que ele faça algo assim que despertar. Uma vez desperto e sem lembrança alguma do estado hipnótico, ele realiza a ação ordenada pelo médico anteriormente.
- Histeria: os sintomas na histeria precedem das ideias ativas e inconscientes da mente da pessoa. O trabalho da psicanálise então será ajudar a tornar essas ideias ativas inconscientes em conscientes.
- Ideias Latentes: existem aquelas ideias que ao se tronarem fortes, tornam-se conscientes. A estas chamamos de ideias pré-conscientes.
Porém, existem aquelas que por mais fortes que fiquem, nunca serão conscientes, permanecendo inconscientes.
- Inconsciente é o termo que designa não somente as ideias latentes, mas especialmente as ideias com caráter dinâmico e que se mantém à parte da consciência. Essas ideias inconscientes se mostram através de diversas formas como: lapsos de linguagem, erros de memória e de fala, esquecimento de nomes, sonhos e etc.
- Para que um conteúdo inconsciente penetre na consciência, é necessário uma certa quantidade de esforço. Mas, a resistência está presente dificultando esse processo.
- Resistência: força que impede que as ideias inconscientes emerjam na consciência, porém ela não opera com a mesma força que as ideias pré-conscientes.
- A inconsciência é uma fase regular e inevitável nos processos que constituem nossa atividade psíquica; todo ato psíquico começa como um ato inconsciente e pode permanecer assim ou continuar a evoluir para a consciência, segundo encontra resistência ou não.
- Os sonhos são um produto psíquico. Através deles, a mente consegue fazer vinculações com tendências inconscientes presentes desde a infância, mesmo que estas tenham sido reprimidas ou excluídas da consciência. Sendo assim, com a ajuda do inconsciente, os pensamentos sofrem disfarces e uma deformação nos sonhos.
- As leis da atividade inconsciente diferem amplamente daquelas da consciência.

Preparado por Renata Siqueira da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.

´´A elaboração onírica`` (Sigmund Freud - Conferências Introdutórias à Psicanálise, Os sonhos)

Freud inicia seu texto reforçando que não se pode interpretar os sonhos apenas pelo que se compreende em um primeiro momento, ou seja, o sonho manifesto. Retomará que o sonho manifesto é o resultado de um processo denominado elaboração onírica, que consiste na passagem do conteúdo latente (inconsciente), para uma representação através de nossos sonhos (conteúdo manifesto e consciente). Sendo assim, todo sonho, mesmo que sendo facilmente reconhecido como um desejo do indivíduo, ainda assim conterá transformações, pois foi elaborado de forma que a consciência tenha recursos para representar este conteúdo. O sonho manifesto também será sempre de menor extensão do que o sonho latente. Isso acontece pela ação do mecanismo de condensação, que explicaremos em seguida, e pela impossibilidade de se esgotar o conteúdo latente.

Para Freud, os sonhos mais abstratos passam por um processo de maior elaboração onírica. Com intuito de diferenciar o processo de formação desses sonhos denomina essa de elaboração exacerbada como deformação onírica.

Em seguida explicara mais profundamente as três realizações constituintes da elaboração onírica, A Condensação, o Deslocamento e a Figurabilidade.

1.Condensação

O primeiro mecanismo se trata da condensação, “fusão”, de diversos conteúdos latentes em um único manifesto. Segundo Freud, está presente em muitos de nossos sonhos, mas não necessariamente em todos. Os conteúdos condensados representam apenas parte do sonho latente e para serem condensados precisam possuir um núcleo em comum. O resultado é uma imagem que contém características de vários objetos em apenas um, tendo assim caráter fantasioso. Por exemplo, um jovem sonha com um cachorro que fala inglês e trabalha no ramo do cinema. Está imagem, não faz sentido algum se entendida apenas em sua manifestação. Através de uma análise contextual, e associando livremente essas características o dono deste sonho pode associar, por exemplo, a imagem de seu cachorro condensada, com a de uma professora de inglês e ao mesmo tempo com a imagem de seu amigo que entende de cinema. Lembrando-se do momento que esta vivendo, essa pessoa se da conta de que tem um cachorro e um compromisso com o mesmo. Lembra-se também que está prestes a realizar um exame de proficiência de inglês, e ainda que seu amigo entendedor de cinema recentemente mudou-se para Miami. Temos no cachorro a imagem condensada de um compromisso, com o inglês e a relação dessa língua com seu amigo que reside em um país de língua inglesa e que o jovem também tem o compromisso de contatá-lo. A análise desta manifestação não se esgota nesse ponto, mas nos daremos por satisfeito apenas como exemplo de condensação.
Freud ressaltará ainda que a mente não inventa novos elementos, apenas os condensa. A criação se da, portanto através do mecanismo de condensação. Citará o exemplo do Centauro, como ser “criado”, mas que é apenas a combinação da imagem de um homem com a de um cavalo. Nos sonhos isso também é válido, “criamos” imagens condensadas.

A condensação se da também fora dos sonhos. Parapraxias(atos falhos) podem ser de certa forma muito semelhantes a uma condensação. Analisando a frase “o palhacio do sultão era muito grande” Aceitando o neologismo, “palhacio”, como ato falho, pode-se ainda sugerir que tal palavra nada mais é do que a condensação de palácio, com palhaço. Como na análise da condensação do sonho, para entender essa condensação, o criador deste ato falho deve analisar e associar o sentido e contexto que estas palavras lhe remetem.

Não podemos também considerar a condensação como tradução de conteúdo latente para manifesto. Em uma tradução, o conteúdo é fielmente traduzido. Na condensação ele é fielmente misturado e resumido.

Em suma, o mesmo elemento latente pode estar presente em mais de um conteúdo manifesto. Por sua vez, um conteúdo manifesto contém mais de um elemento latente. Não há também um padrão para a transcrição destes pensamentos. Os conteúdos manifestos não são, de forma alguma de fácil entendimento em uma condensação, não se pode levar a ação do sonho literalmente com o que se manifesta. Importante ressaltar que a condensação, não parece ser a Freud um mecanismo da censura, mas há um fator automático ou econômico isto é, para menor gasto energético, mesmo que a censura pareça lucrar com a deformação propiciada por esta realização.

Logo temos:

1- determinados conteúdos latentes são totalmente omitidos

2- apenas algum fragmento do conteúdo latente transparece de modo manifesto

3- alguns elementos latentes combinam entre si, por possuir algo em comum, e se fundem em uma só unidade no sonho manifesto.

2.Deslocamento

Primeiramente, não podemos dizer que o deslocamento é um mecanismo de defesa, mas sim um modo de funcionamento do inconsciente. A censura faz uso da realização do deslocamento e da condensação, mas não é responsável por sua formação. Embora Freud ainda compreenda neste texto que o deslocamento é, diferentemente da condensação, obra da censura, posteriormente essa idéia se modificará.

O deslocamento se manifesta de duas maneiras: Por alusão e por mudança do acento psíquico.

Alusão: Se no sonho manifesto temos A, se manifestará B. Sendo que B aparentemente não possui nenhuma ligação lógica com A. Em nossa linguagem deslocamos, mas com uma relação inteligível. Por exemplo, nos chistes, há uma relação. Ex: “a Patrícia vai falar das patricinhas”. A função do chiste só tem valor com a relação inteligível entre patrícia e patricinhas. Se a frase fosse “a Patrícia vai falar do Mauricio” não há relação inteligível aparentemente, portanto, o chiste perde sua função. Nos sonhos, os deslocamentos não respeitam essas regras.

Mudança do acento psíquico: Podemos sonhar com a imagem de um padre, mas o conteúdo latente era nosso pai. Por ação da Censura, deslocamento, foi possível deslocar a figura. Não só a figura, mas também a libido, energia catexisada(investida) à mesma. Em um sonho em que o protagonista mata o pai, é mais fácil aceitar que se matou o padre, e não o pai. Esta mudança de uma imagem importante para outra é a mudança de acento psíquico
Resumidamente, como a própria palavra sugere, se desloca, muda de lugar, a imagem, e a importância dada a esta imagem. A importância é deslocada, pois é deslocada a libido, de um objeto para outro.

Em nosso cotidiano o mecanismo de maior afinidade com o deslocamento é a transferência. O paciente transfere a importância antes dada para a figura de seu pai, para a figura de seu analista, por exemplo.

3.Figurabilidade.

A figurabilidade da elaboração onírica constitui na transformação de pensamentos em imagens visuais, É a linguagem na qual se traduz conteúdos latentes em manifestos, muito embora nem todos os conteúdos sejam traduzidos, alguns realmente aparecem em forma de conhecimento ou pensamentos. Segundo Freud, é uma passagem difícil, como da escrita alfabética, onde se define as entonações de palavras, quantidade e regras, para uma escrita pictórica, ou seja, de imagens. Será necessário muito trabalho para conseguir reproduzir a palavra através de imagens. Pensando na língua portuguesa, felizmente possuímos uma palavra que outras línguas não possuem, Saudades. Na língua inglesa para reproduzir tal palavra terá de se formular a frase “I miss you”. Ou seja, foi necessário construir uma frase, e ainda assim foi representado apenas um dos sentidos da palavra.

Considerações

É importante lembrar que os mecanismos de condensação e deslocamento não se restringem ao processo onírico. Por se tratarem de modos de funcionamento do inconsciente, atuam nos lapsos, chistes e sintomas (manifestações, como visto anteriormente, do inconsciente).

Além de compreender a elaboração onírica, este texto também permite uma apreensão do trabalho interpretativo, realizado por um analista. Consiste em chegar, a partir do sonho manifesto, ao conteúdo latente, através da associação-livre do paciente, atenção flutuante do analista e nosso trabalho interpretativo.

´´O conteúdo manifesto dos sonhos e os pensamentos oníricos latentes.`` (Sigmund Freud - Conferências Introdutórias à Psicanálise, Os sonhos)

O conteúdo dos sonhos é uma simbolização o que realmente o sonhador deseja. Os mecanismos oníricos são: condensação e deslocamento (vide resumo de “A Elaboração Onírica”). Isto é, como o conteúdo dos sonhos, manifestação do inconsciente, foi recalcado, este não pode vir à consciência pura e simplesmente. Para que o desejo se manifeste e o sonho ocorra é necessário que seja mascarado.

As transformações que o sonho sofre, para que seu conteúdo energético não seja demasiadamente prejudicial ao ego, são da ordem da condensação, que seria a fusão de duas ou mais cenas e do deslocamento, mudança de uma determinada cena para outro lócus (resumidamente). Num sentido amplo, uma vez decifrado, o sonho deixa de aparecer como uma narrativa em imagens para se tornar uma organização de pensamentos – sob um discurso – a qual exprime um ou vários desejos e a partir dos quais temos a condensação e o deslocamento. O sonhar ocorre devido ao conflito psíquico entre o id e o supereu, em que o id representa a realização do desejo e o supereu representa a lei, as regras, as críticas, os julgamentos.

Por se tratar de manifestações do inconsciente, os sonhos são atemporais, imorais e buscam a realização do desejo, mesmo que o desejo seja apenas a elaboração ou repetição de uma situação vivida. Através do método de associação-livre, é possível acessar estes conteúdos manifestos em busca dos conteúdos ocultos, latentes (´´inacessível para consciência do sonhador``). Isto é, o paciente ao dizer tudo o que lhe vier à cabeça possibilita que o analista faça a intersecção dos conteúdos apresentados e apresente a ele o não dito, simbolizado no sonho.

No trabalho de interpretação dos sonhos não devemos nos preocupar com o que este nos quer dizer, muito menos refletir (pensar) sobre cada idéia do sonhador, os analistas devem manter-se em um estado de escuta plena (futuramente chamado de atenção flutuante) para que assim possam emergir os verdadeiros conteúdos inconscientes. Desta forma: associações do paciente + interpretações do analista = análise revelatória; sendo aqueles os meios e este o fim do processo de análise onírica.

É importante explicitar que o sonho lembrado não é o material onírico original e sim o conteúdo inconsciente deformado. Podemos concluir que o conteúdo onírico citado não importa se relatado com precisão ou não, o importante é como o sonhador associa o relato, já que, toda e qualquer alteração feita teve um sentido, obra da resistência (o não lembrar-se de ter sonhado também teve a atuação deste mecanismo de defesa). O conteúdo latente designaria, por oposição ao conteúdo manifesto (lacunar), a tradução integral e verídica da palavra do paciente, a expressão mais adequada do seu desejo. Em poucas palavras, o conteúdo latente, descoberto pelo analista, é a versão correta e integral, e o conteúdo manifesto é a versão mutilada. O conteúdo manifesto correlaciona-se com o trabalho do sonho e o conteúdo latente correlaciona-se com o trabalho da interpretação.

Freud nos mostra o papel da resistência através de exemplos de negação na auto-análise e da negação ou omissão do paciente a algumas associações. Este material omitido se trata de idéias de extrema importância para o acesso ao inconsciente, e por isso, tem que ser ´´escondido`` pelo sonhador.

O sonhador tem seus próprios julgamentos e críticas sobre seu sonho, considerando assim, que alguns fatores não são relevantes para a interpretação. Assim, o paciente omite determinado fato, o que interfere na associação livre. Isso mostra a resistência durante o relato do sonho. É importante ressaltar que a resistência é do ego e não do inconsciente, é o ego que “não permite” que o conteúdo inconsciente chegue à consciência.

A resistência nos mostra que o trabalho na busca pelo conteúdo inconsciente não será fácil, contudo, nos dá indícios de que tem algo a ser olhado com cautela, pois algo teve de ser transformado ou omitido. É apresentado ainda, que a resistência atua em diferentes graus, dependendo da proximidade deste conteúdo à consciência. Assim, uma resistência maior significa que o conteúdo inconsciente está mais distorcido, enquanto uma menor resistência implica em uma menor distorção.

São citados, por Freud, quatro tipos de relação entre os elementos oníricos manifestos e latentes, são eles:

1- o conteúdo manifesto como constitutivo dos pensamentos latentes (exemplos ´a` e ´b` pg.123)

2- substituição de um fragmento ou uma alusão de conteúdos latentes (exemplos ´c`, ´d` e ´f`)

3- conteúdos manifestos como representação dos conteúdos latentes

4- (não apresentado neste texto) a relação simbólica entre conteúdo manifesto e latente.

Pode-se dizer que a relação entre conteúdo manifesto e latente não é simples. Não necessariamente no relato do sonho (conteúdo manifesto) está presente o conteúdo central do pensamento inconsciente. Desse modo, um elemento manifesto pode substituir por vários elementos latentes ou um elemento latente pode substituir vários elementos manifestos. Isso ocorre por condensação e deslocamento.

Em síntese, é intrínseco à interpretação dos sonhos o caráter de só ser realizado em análise, através do método de associação-livre, para que assim, os conteúdos manifestos possam ser interpretados por um analista que ´´plana`` sobre estes (o dito) na busca pelo não dito (latente). Lembrando sempre que cada significado do sonho é único para cada indivíduo, pois cada um associará tal cena à determinada situação idiossincrática.

domingo, 30 de maio de 2010

sobre os sonhos

capítulo I

Nesse texto, Freud faz um levantamento daquilo que tanto na antiguidade, quanto em seu tempo, filósofos, pensadores e médicos descreviam sobre a que se relacionavam os sonhos.
Os primeiros consideram que na atividade onírica há uma elevação da atividade mental a um nível superior, os segundos afirmam que aquilo que não teve vazão durante o dia ganha força e escoa, já os últimos dizem que a única coisa que induz o sonho são estímulos sensoriais tanto externos quanto internos ao corpo do sujeito.
A partir disso, o autor mostra interesse especial com relação à significação que os sonhos podem apresentar psiquicamente, segundo os processos neurológicos que os formam ou à luz de uma possível interpretação de um significado único para cada indivíduo.
Ao fim do texto, os dois possíveis métodos mais utilizados para interpretar os sonhos podem ser exemplificados através da substituição de diversos elementos oníricos por um significante principal, ou da substituição do conteúdo do sonho como um todo por outro discurso, numa relação simbólica.
Isso é, ou em um único sonho se encontram condensados uma série de conflitos psíquicos na forma de uma representação principal e/ou todo um conflito desloca-se de posição, ocupando em outro lugar a mesma significação que lhe deu origem.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Roteiro de Questões - Unidade I (Freud I)

Roteiro:

1. Esboce o contexto histórico cultural do surgimento da psicanálise. Para responder essa questão, leve em conta as resistências apresentadas tanto pelos médicos quanto pelos filósofos.

2. Conceitue Recalque e Resistência

3. Como Freud denomina a libido? Fale também da libido objetal e da libido narcísica.

4. O que Freud quis dizer com a frase: “A sociedade sustenta uma condição de hipocrisia social.”?

5. O que diferencia e o que aproxima: Charcot, Breuer e Freud?

6. Comente as contribuições de Breuer para a psicanálise. Qual o método utilizado por este. Cite o caso da Anna O.

7. As contribuições de Breuer de fato foram imprescindíveis ao desenvolvimento da psicanálise, mas, posteriormente, Freud escolhe trilhar outro caminho.Explique as razões que o levaram a esta decisão e quais as conseqüências desta cisão

8. Quais são os 4 quatros caminhos para o inconsciente? Explique

9. Dada a importância dos sonhos na teoria psicanalítica , comente um pouco mais sobre os sonhos levando em conta suas características.

10. Diferencie a sexualidade infantil da sexualidade adulta

11. Para Freud o que é a transferência?

12. A sublimação é uma forma de realização do desejo? Explique

domingo, 11 de abril de 2010

Roteiro de Leitura: Um estudo autobiográfico (Sigmund Freud, volume XX, 1925)

Um estudo autobiográfico – Capítulo 1, Volume XX, 1925.

Uma das maiores dificuldades de ler Freud é saber em qual momento de sua teoria o texto se situa. Isto porque as constantes mudanças teóricas processadas por ele nos exigem um constante olhar histórico, que o neófito leitor de psicanálise pode não estar a par. Para tanto, muitos transmissores da teoria de Freud constantemente preferem ensiná-lo cronologicamente. O propósito do seguinte texto é mostrar as origens de Freud, o background médico por trás do psicanalista. Com ele, ensejamos explicar um pouco de seu embasamento que o levou a interessar-se pela histeria, e também curiosidades de sua vida. Neste momento, que encerra a unidade introdutória do curso de Freud I, optamos igualmente por apresentar os dados do texto segundo a cronologia da vida de Sigmund Freud:

06/05/1856 – Freud nasce em Freiberg, na Morávia, (Tchecoslováquia).

1860 - Aos quatro anos, mudou-se para Viena onde recebeu toda sua educação. Confessa que seu interesse pela historia da Bíblia teve um efeito duradouro sobre orientações de seu interesse.

Atraído pelas teorias de Darwin e pelo ensaio de Goethe sobre a Natureza, Freud decide tornar-se estudante de Medicina.

1873 – Entra na universidade e afirma que se sentiu inferior e estranho por ser judeu, embora nunca compreendeu o porquê ele tinha de se sentir envergonhado de sua ascendência.

1876 a 1882 – Trabalhou no instituto de fisiologia com Ernest Brucke. Em 1881 tornou-se doutor em Medicina e em 1882 decide abandonar o laboratório de fisiologia para ingressar no Hospital Geral como assistente clínico, e pouco depois, foi promovido a médico estagiário.

Entrou para o Instituto de Anatomia Cerebral e passa a estudar as doenças nervosas. Nessa época, Freud publica grande número de observações clínicas sobre doenças orgânicas do sistema nervoso.

1885 – Freud foi nomeado conferencista de neuropatologia e nesse mesmo ano foi para Paris e tronou-se aluno na Salpetriere. Freud passa a traduzir para o alemão as conferências de Charcot, demonstrando grande interesse sobre suas investigações sobre a histeria. Realizou juntamente com Charcot um estudo comparativo das paralisias histéricas e orgânicas.
Antes de retornar a Viena passou um tempo em Berlim adquirindo e aprofundando conhecimentos sobre os distúrbios gerais da infância. Nessa época, publicou várias monografias sobre paralisias cerebrais unilaterais e bilaterais em crianças.

1886 – Casou-se e decidiu fixar-se em Viena. Estabeleceu-se como especialista em doenças nervosas. Ao apresentar um relatório na Sociedade de Medicina, Freud teve uma má recepção dos médicos e da autoridade. Ao apresentar um caso de hemianestesia histérica clássica à Sociedade foi bem recebido e aplaudido, no entanto reconhece que os outros médicos haviam perdido o interesse por ele. Freud gerou bastante polêmica ao afirmar a existência de histeria em homens.
Por conta desses fatos Freud se vê forçado a ingressar na Oposição, logo em seguida é excluído do laboratório de anatomia cerebral e durante muitos meses não teve onde pronunciar suas conferencias, o que o fez se afastar da vida acadêmica. Freud passa a trabalhar e se focar no hipnotismo. No entanto, percebe alguns obstáculos e limitações desse método.

1886 a 1891 – Realizou poucos trabalhos e publicações. Em 1889, Freud foi para Nancy, onde ficou como observador dos experimentos de Berheim com pacientes de um hospital. Já em 1891, apareceu o primeiro de seus estudos sobre as paralisias cerebrais de crianças. Nesse mesmo ano, Freud recebe um convite para colaborar em uma enciclopédia de Medicina, levando-o a investigar a teoria da afasia.

Roteiro de Leitura: As resistências à Psicanálise ( Sigmund Freud, volume XIX, 1924)

As resistências à psicanálise – Volume XIX, 1924.


Aqui, regressamos a um dos assuntos mais fundamentais na problematização da leitura de Freud: a intenção com que o autor escrevia alguns de seus textos, de escapar à tangente de críticas e reducionismos de seu período que, por sua vez, determinava um estilo bastante característico de explicitar idéias.
Como reagimos ao novo? Qual é o dispêndio psíquico que nos é exigido perante o desprazer do que nos é diferente? Por que repudiamos a mudança? Estes são alguns dos questionamentos que nos despertam a leitura dos primeiros parágrafos do texto. Também podemos perceber uma grande preocupação do autor em nos deixar curiosos quanto ao que ele estaria se referindo: será com relação à recepção da ciência à emergência do saber psicanalítico?
Como podemos imaginar, é própria do estatuto das ciências naturais a constante renovação de axiomas e teses que fundamentam, bem como sua evidente falibilidade e constante incerteza. Nada disso, portanto, impele repúdio por parte do que é novo. Esta afirmação é incongruente? Como haveria da ciência repudiar aquilo que lhe é atual?
É que ela não deseja ser enganada, pois nem tudo que é novo é bom. A ciência é desconfiada, cética. Segundo Freud, este ceticismo é perfeitamente justificável, mas pode apresentar dois caminhos inesperados: pode posicionar-se contra aquilo que lhe é novo, enquanto poupa aquilo que lhe é familiar e já aceito; assim como também pode negar aquilo que lhe é novo sem ter procurado conhecê-lo mais a fundo. Ao tomar estes caminhos, a ciência posiciona-se ao lado da reação primitiva de repúdio ao que é novo. A psicanálise promoveu um corte epistemológico brutal em seu período, que feriu vários campos do conhecimento. O que o presente texto fará será esmiuçar as razões pelas quais houve oposição à psicanálise, e não meramente sua forma. Comecemos a enumerar os motivos que levou a comunidade acadêmica ir contra a psicanálise:

1 – Origem da afecção neurótica:

“Eles haviam sido ensinados a respeitar apenas fatores anatômicos, físicos e químicos. Não estavam preparados para levar em consideração fatores psíquicos, e portanto, enfretaram-nos com indiferença ou antipatia” (Freud, 1924b, pp. 241). Esta frase resume excelentemente a razão que levou os médicos a desacreditar causas psicogênicas para o adoecimento da neurose, fato esse que demonstra uma base epistemológica mecanicista regendo a práxis médica. As neuroses eram somente consideradas distúrbios corporais, estados tóxicos, com os experimentos de Charcot e observações de Breuer pôde-se verificar que também são processos mentais (portanto, hipnotizando o paciente era possível produzir os sintomas somáticos da histeria, sendo assim, a psicanálise começou a considerar o problema como pertencente à natureza dos processos psíquicos).

2 – Divergência quanto ao objeto de estudo da psicologia:

Este tópico refere-se a um conflito entre a psicologia e a filosofia, especificamente.

“A idéia de filósofos sobre aquilo que é mental não era a da psicanálise. A maioria esmagadora deles vê como mental apenas os fenômenos da consciência. Para eles, o mundo da consciência coincide com a esfera do que é mental. Tudo o mais que possa se realizar na mente (...), é por eles relegado aos determinantes orgânicos dos processos mentais ou a processos paralelos aos mentais.” (Freud, 1924b, pp. 242)

Ora, se o mental é o consciente para os filósofos, para a psicanálise, o mental refere-se justamente ao contrário! O mental pertence à esfera inconsciente. Introduzir o inconsciente como célula estruturadora da psique era, certamente, uma afirmação de peso, que implicaria numa revisão tanto do caráter epistemológico do sujeito (referente à possibilidade de produção de conhecimento do sujeito) quanto do caráter ontológico dele (concernente à maneira dele de existir no mundo).
A justificativa de Freud para estes dois modos de conhecer (o psicanalítico e o filosófico) deve-se ao fato de que o filósofo jamais dispôs dos dados que o psicanalista pôde se servir para construir suas bases, isto é, não haveria meios, para a época, de acreditar em atos mentais inconscientes sem um mínimo conhecimento dos efeitos da hipnose ou da interpretação dos sonhos.

Assim, o que notamos? Notamos uma psicanálise que é fronteiriça entre dois terrenos cruéis: o da medicina, representante da ciência, que vê a psicanálise como pura especulação; e o da filosofia, que se nega a crer na clareza dos apontamentos psicanalíticos, acusando-os de partirem de premissas impossíveis.
E quanto ao escárnio evidente que toda grande teoria recebe? Lembremo-nos que Charles Darwin, ao dizer que a humanidade tinha como antepassados os mesmos seres que deram origem aos macacos, também sofreu um bocado. Pois bem, quando Freud pôs em voga a eminência da sexualidade na vida mental humana, muito lhe foi dito de denegridor e incorreto. Com freqüência, insistiam em culpar Freud por uma série de afirmações que ele mesmo não havia dito. Sua definição de sexualidade, por exemplo, não é uma mera resultante do prazer genital, mas bastante próxima do conceito de Eros, introduzido por Platão, em sua obra O banquete. Em momento algum de sua obra, inclusive, Freud defende a sexualidade humana enquanto pansexual, mas dualista. E, sobretudo, o caráter pulsional que as produções culturais, científicas e religiosas da humanidade (todos esses produtos sublimatórios) adquiriram em Freud foi mal interpretado. Como Freud procurou responder a essas questões? Para responder tal questão, inauguraremos um novo tópico:

3 – Más interpretações acerca do primado da sexualidade na teoria psicanalítica:

Segundo Freud, a humanidade encontra-se sustentada por dois pilares valiosos: o do controle das forças naturais e o da repressão da sexualidade. Quanto a ultima: “A sociedade está ciente disso – e não permitirá que o assunto seja mencionado” (Freud, 1924b, pp. 244) e “a sociedade sustenta um grau elevado de hipocrisia cultural” (Freud, 1924b, pp. 245). A repressão que falamos refere-se ao fato de que para vivermos socialmente, devemos sempre realizar concessões que fundamentalmente refere-se à nossa sexualidade. E especialmente à sexualidade genital para com nossos familiares.
O que vemos se desvelando no dizer de Freud é uma crítica contundente à moralidade, moralidade essa que duramente criticou o primado da sexualidade para a psicanálise e que é justamente o fruto desta repressão tão exarcebada. O momento histórico de Freud (e talvez o nosso...), que prenunciava a modernidade em vários aspectos, estava sendo posta em jugo, e por isso encontrou resistências por parte das pessoas de sua época.
Outro fator de ojeriza social à psicanálise foi a nova visão de infância que propunha: uma infância sexuada, perversa e polimorfa quanto aos seus objetos de prazer. Que escândalo, crianças se masturbando! E quanto ao complexo de Édipo? Desejos sexuais pelo progenitor do sexo oposto e desejos de assassinato e agressão ao progenitor de mesmo sexo? Cremos que essas afirmações, proferidas em uma sociedade de um século atrás, sejam auto-explicativas quanto à celeuma que causaram. E agora, pensemos: uma teoria que procurou trabalhar justamente com aquilo que havia sido jogado para debaixo do tapete; aquilo que, segundo Laplanche, esconde-se das crianças... A principal resistência a ela haveria de ser, sobretudo, emocional!

Freud encerra seu texto lembrando-nos do potencial disruptor de outros teóricos anteriores a ele: Darwin, que havia retirado o ser humano do centro da biologia, e Copérnico, que havia arruinado o sistema geocêntrico, retirando o planeta Terra do centro do universo. E Freud, que ferida narcísica havia realizado? A de retirar a o ser humano do centro de si mesmo, a propor o inconsciente.
Como haveria da psicanálise sobreviver a tantas críticas? Preocupemo-nos com esta questão num outro momento.

Roteiro de Leitura: Uma breve descrição da Psicanálise (Sigmund Freud, volume XIX, 1924)

Uma breve descrição da psicanálise – Volume XIX, 1924.


Este texto encontra-se num momento em que a teoria de Freud caminhava para a maturidade. Conforme nos diz a nota inicial presente no volume XIX da edição da Imago, Rio de Janeiro, de Jones, esta matéria foi escrita sob medida para editores ingleses, entre outubro e novembro de 1923. O texto preocupa-se em resumir o percurso teórico da psicanálise até então, pontuando-os em cinco momentos diversos:

I

Vemos que a obra inaugural da psicanálise é A interpretação dos sonhos, de1900, mas que obviamente ela não caiu pronta dos céus. O que houve antes? Aqui, nesta primeira parte, veremos descrita a infância da psicanálise freudiana.
A psicanálise cresceu num campo muito restrito: seu objetivo inicial era tão-somente compreender a natureza das “doenças nervosas ‘funcionais’”, e ir além da impotência do tratamento médico até então existente para tais afecções, que era reflexo de opiniões, segundo Freud, que denotavam a falta de compreensão dos médicos sobre o fenômeno (Freud, 1924a, pp. 215).
A pretensão médica se esgotava na explicação de que as paralisias histéricas eram fundadas em ligeiros distúrbios funcionais das mesmas partes do cérebro que, quando gravemente danificadas, levavam às paralisias orgânicas correspondentes. As medidas terapêuticas realizadas pelos médicos envolviam uma forma de endurecer o paciente,seja através de remédios, seja através de zombarias e advertências malcriadas. Havia também a opção terapêutica de utilizar choques elétricos.
Na década de 1880, com o advento do hipnotismo na ciência médica, duas lições puderam ser tiradas: mudanças físicas podiam ser efetuadas a partir de influências mentais e que, posteriormente à devida influência através da hipnose, poder-se-ia especular acerca de processos mentais indiscutivelmente inconscientes. O inconsciente, até então fruto de elucubração filosófica romântica, agora podia ser comprovado concretamente através da hipnose.
A hipnose também se mostrou poderosa auxiliar no estudo das neuroses, sobretudo na histeria. Charcot, por exemplo, teorizou acerca de uma possível etiologia histérica vinculada a traumas, ou seja, pensou o trauma como eliciador de uma paralisia de natureza histérica e até o provou, forjando em pacientes momentos traumáticos sob situação de hipnose que os levavam à paralisia. Janet, por sua vez, analisou como através da hipnose a histeria estava empossada de uma situação de incapacidade constitucional de manter reunidos processos mentais.
O fator decisivo para a psicanálise foram os estudos de Breuer, médico vienense, que curou através da palavra a famosa Anna O. Com ela, Breuer e Freud perceberam que a etiologia dos sintomas histéricos estavam intimamente relacionados à vida emocional do indivíduo e à ação recíproca de forças mentais. Especificamente, o sintoma lhe substituía um determinado afeto que era reprimido por uma ação. Ou seja, o momento traumático reprimido estava esquecido na memória do sujeito. A hipnose, por fazer o sujeito histérico reviver o momento traumático, lhe daria mais liberdade para exprimir o afeto que antes estava reprimido e assim, recuperar-se.
A histeria, portanto, passou a ser explicada como casos anormais em que o caminho percorrido pelo afeto é desviado para uma inervação somática fora do comum (processo chamado de “conversão”), mas que da mesma forma poderia ser levado a outro caminho (processo chamado de “ab-reação”). Para se ver livre do sintoma. Assim funcionava a catarse durante hipnose: ab-reagir o afeto para uma inervação somática correta. O método catártico, dessa forma, foi o primeiro estandarte da psicanálise para lidar com a sintomática neurótica.

II

No segundo momento do texto, é tratada a decorrada da utilização da hipnose como método clínico. Por que Freud parou de utilizá-la? Por duas razões: nem todos eram suscetíveis a entrar em estados hipnóticos (e convenhamos, o próprio Freud não era tão bom hipnotizador assim) e os resultados nem sempre eram satisfatórios, em alguns casos, o sintoma voltava dentro de algum tempo.
Por qual método Freud seguiu, após ter observado as falhas do método hipnótico/catártico? Seguiu com o método de “associações livres”, que implica pedir ao paciente para que fale tudo aquilo que lhe ocorra, o mais desprendido possível das censuras internas ou medo de não fazer sentido. Até hoje este é o método psicanalítico utilizado e, portanto, a “regra de ouro da psicanálise”. Através do que fosse sentindo dito pelo paciente, o psicanalista deve ir auxiliado pela sua atenção flutuante, e assim, interpretar o sentindo do sintoma.
Ao decorrer da utilização do método das associações livres, Freud notou a ocorrência de fenômenos relativos a uma resistência do paciente de contribuir para seu próprio tratamento. A resistência é a mais fundamental ferramenta do processo de recalque de situações conflituosas do sujeito, e ela trabalha em favor justamente do sintoma permanecer como tal, uma vez que a revelação do recalcado, sua emergência, poderia conter um poder tamanho que romperia o sujeito, desintegrando seu ego.
Assim, podemos classificar o sintoma como a convergência de três conceituações:

A - o sintoma neurótico é fruto de um desejo impróprio que foi recalcado, mas escapou a este processo de recalque, por alguma razão;

B - o sintoma neurótico emerge na consciência como tal em razão de uma formação de compromisso com o superego, instância psíquica responsável pela censura, que redefine a forma do desejo de um sintoma;

C – o sintoma neurótico é, portanto, a realização substitutiva de um prazer.

O que, por sua vez, definiria a maneira singular pela qual cada sujeito recalca desejos e pensamentos “impróprios”? Freud responderia que estes fatores remetem-se diretamente à infância, que é tida como o “núcleo das neuroses”. Com o auxílio de dois constructos teóricos que procuram designar complexos por meio dos quais todos nós passamos (complexo de Édipo e complexo de castração), Freud define que a maneira como os sintomas passarão a existir nos sujeitos depende em muito de como o sujeito sairá resolverá a situação edípica, e aprenderá a lidar com suas feridas narcísicas, de desejar e não poder ter.
Naturalmente, se estamos falando de infância, de castrações gradativas no nosso desejo, estamos também no terreno da sexualidade infantil. O livro Três ensaios sobre a sexualidade, de 1905, vem justamente tratar deste assunto tão polêmico, relacionando-a ainda ao fetichismo e a perversão.

III

Agora que já temos descrito brevemente o principal corpo teórico da psicanálise – uma teoria geral da neurose – cremos importante passarmos para o próximo nível de reflexão que o texto propõe: falar de psicopatologia da vida cotidiana, isto é, em que a psicanálise pode ser útil de falar de fenômenos diários sob seu olhar que não sejam sintomas mórbidos, mas participem da vida de todos, normalmente?
Parapraxias, sonhos, chistes, atos falhos, ele responde. O caso é que o sintoma não é a única possibilidade de formação de compromisso, mas também todos esses são formas do recalcado emergir, mediante a forma que o superego, instância censora, lhes determina, para que então, o desejo possa vazar.
Com a análise dos sonhos, pudemos perceber que os sonhos funcionam conforme sintomas neuróticos. Aparentemente sem sentido, mas que através da análise, podem vir a revelar sentidos curiosos e salutares para a vida mental. O sonho é uma realização disfarçada de um desejo recalcado.

IV

Neste quarto momento, Freud dedica-se a discutir alguns vocábulos importantíssimos para a teoria psicanalítica, sendo o primeiro deles “libido”. A libido é a força com que uma pulsão se direciona para um objeto (libido objetal) ou para o próprio ego (libido narcísica).
A interação destas duas formas de libido foi fundamental na descrição e explicação de uma série de quadros sintomáticos, como as neuroses de transferência (histeria, neurose obsessiva) e psicoses. Na neurose, imperaria a libido objetal, enquanto na psicose, a libido narcísica.
Quanto a esse dito distúrbio narcísico libidinal, que é a psicose, a psiquiatria teve muito a contribuir em sua explicação e terapêutica. Tanto é que foi nesta área da medicina que a psicanálise foi primeiramente fundida. Muitos autores procuraram explicações para a psicose, e na época do texto, ainda não se havia compilado grande material suficientemente bom para construir uma teoria geral das psicoses.



V

Por fim, neste último momento do texto Freud preocupa-se em discutir as interfaces entre a psicanálise e o social e como a preocupação de expandir os limites da análise do sujeito para a análise do social representa uma das maiores ampliações da clínica que podemos encontrar na psicologia inteira.
A possibilidade de migrarmos conclusões da instância psíquica individual para uma dita instância psíquica de grupo reside em vários fatos. Por exemplo, no fato de que os opostos (no caso, indivíduo-sociedade) talvez remontem a uma mesma essência. Para tanto, Freud cita um autor da filologia, Karl Abel, que dizia que nas línguas mais antigas, como o egípcio, os opostos eram designados da mesma maneira. Ademais, o vínculo indivíduo-sociedade poderia ser possível, pois algumas evidências são bastante visíveis: o modelo metapsicológico da neurose obsessiva é quase que uma caricatura da religião, por exemplo.
A partir da psicanálise, Freud pôde inferir uma série de observações fundamentais para olhar o social: a sociedade está embasada sob grande renúncia pulsional (isto é, a supressão cultural em muito represou a pulsionalidade e a sociedade criou modos substitutivos de prazer em prol do coletivo, modos esses chamados de sublimação); a análise dos sonhos pode perfeitamente servir para interpretar obras de arte e mitos (muito embora a apreciação estética não seja uma área totalmente cara à psicanálise) e, por fim, a primazia do complexo de Édipo como paradigma regente da teoria psicanalítica.

Roteiro de Leitura: Conferência I (Sigmund Freud, volume XV, 1915)

Conferência I (Introdução) – Parapraxias, Volume XV, 1915.

Para o semestre que se inicia, julgamos salutar iniciar nosso percurso a partir de algumas considerações em torno do texto introdutório à parte I das Conferências Introdutórias à Psicanálise, realizada em 1915. O que se proporia a uma introdução de uma introdução à obra de Freud?
Cremos que, para além dos dados acerca da práxis da psicanálise e das observações de fenômenos clínicos que o texto nos trás, há algo fundamental que se refere a um aspecto do texto que nem todo leitor leigo de Freud presta a atenção: sua retórica. Vamos agora dar atenção maior para o discurso de Freud, para posteriormente retornar ao conteúdo da conferência.
Podemos dividir a obra de Freud em dois tipos de textos: a – textos transcritos de palestras, feitos para serem proclamados, não lidos; b – textos de caráter livresco, para serem lidos, e não proclamados. O presente texto encaixa-se no primeiro tipo, dos textos feitos para serem lidos. O que isso quer dizer?
Quer dizer que encontramos aqui uma preocupação bastante grande com o entendimento do ouvinte, que determina o modo como Freud constrói e costura seu pensamento ao decorrer de sua explicação. O que vemos é um Freud pouco metafórico e bastante indutivo, sempre oferecendo caminhos e descaminhos para o raciocínio correr. Comecemos investigando o público para quem Freud irá proclamar sua teoria: médicos.
Os médicos de meados dos anos 10 certamente possuíam preocupações, posturas e mesmo regência de um paradigma de conhecimento distinto daqueles que a psicanálise preconizava. O que lhes interessava? Ao invés do sentido do sintoma neurótico, lhes era mais caro prestar atenção ao mecanismo fisiológico do sintoma, isto é, no ato médico. Se era o fisiológico que era interessante, também lhes concernia mais o corpo como motor causal sintomático do que a psique. E certamente isto é reflexo de tempos de vigência de um pensamento em que o biológico havia tomado as rédeas causais das afecções humanas, isto é, o corpo encontrava-se em grande posição de evidência. A perspectiva de cura, igualmente, encontrava-se realizando as devidas modificações ao corpo, seja alterando sua fisionomia ou sua química.
Ora, a proposição de uma terapêutica preocupada em dizer que tanto a causa quanto a cura da histeria não mais recaía sobre o corpo era certamente chocante! Como trazer as boas novas à comunidade médica, senão através de uma exposição de idéias bastante premeditada e cuidadosa?
O caso é que frente um público de bases epistemológicas diferentes das bases de Freud, o fundamental era ser o mais maiêutico possível: preparar as fundações do pensamento do público para em seguida fazê-los, eles mesmos, deduzirem o que o fundador da psicanálise descobriu. Quase como que numa atividade de Sherlock Homes, Freud conduzia sua platéia através de um labirinto de ideias.
A escolha de Freud na conferência em questão foi a de apresentar as dificuldades encontradas para o florescimento de sua teoria, para que assim, pudesse facilmente apontar qual é o caminho derradeiro em direção à nova terapêutica da neurose. Ademais, assim Freud também poderia fechar possíveis buracos de raciocínio de sua teoria, podendo também defender-se dos ataques que constantemente sofria. Dessa forma, a complexidade de sua teoria estava assegurada.
Logo de início, nos deparamos com uma grande diferença de sua forma de tratar a neurose para a forma médica: ele anuncia que diferentemente das técnicas mais recentes que os médicos dispõem para oferecer como alternativa aos seus pacientes, no tratamento psicanalítico a sua longa duração, a intrínseca necessidade do esforço por parte do paciente e a difícil previsibilidade de seu êxito ou resultado são características que o fazem mais uma vez desaconselhável para aqueles que não estão dispostos a por em cheque suas certezas. O que não significa que este tratamento não possui efeitos, os quais muitas vezes são irreversíveis, como por exemplo, a mudança na forma com que uma pessoa se relaciona com a própria vida.
Ao decorrer do texto, vemos que as dificuldades enunciadas por Freud não somente referem-se ao seu percurso como novo teórico, mas também as dificuldades que as pessoas enfrentam ao aprendê-la. Que quer dizer? Que há dificuldades relacionadas ao seu ensino e consequentemente a formação daqueles que nela querem se iniciar. Tendo em vista que na medicina os alunos são preparados empiricamente para ver os fenômenos, classificá-los e tratá-los e que em se tratando de psicanálise o trabalho com um paciente resume-se numa simples troca de palavras, é preciso uma grande mudança de atitude com relação aqueles que dela querem se utilizar, isto é, conceber uma nova forma de relacionar-se com o objeto de conhecimento.
A princípio é imprescindível a compreensão de que ao contrário dos sintomas derivados de doenças orgânicas que se apresentam quase sempre da mesma forma nos mais diversos indivíduos, nos sintomas de origem psíquica, tanto as formas de manifestação quanto a origem dos mesmos são de extrema singularidade. Assim, é possível falar que tanto na maneira com que se forma um analista quanto o processo de tratamento de um analisando se dá de um a um, ou seja, sempre de forma única e orientada pela subjetividade da constituição de cada sujeito.
Por isso que Freud destaca a importância do analista ser analisado, uma vez que ao passar por isso, ele se torna mais capaz de assimilar os efeitos do processo de passar por uma análise e os pelos últimos dois motivos que geram as maiores resistências com relação a ela: a idéia de inconsciente e da importância das pulsões de origem sexual na estruturação dos sujeitos e de seus sintomas.
A primeira contraria a asserção extremamente difundida de que a consciência á a característica que define a psique através da afirmação de que a maior parte daquilo que se refere aos processos mentais é de origem inconsciente, logo pouco acessível por parte dos indivíduos. Esse tipo de afirmação é pouco aceito, pois tanto na fundação das ciências, quanto em suas tarefas cotidianas, o homem costuma confiar em sua autonomia, controle e isenção relacionada à sua razão.
A segunda se refere ao fato dos impulsos de ordem sexual terem uma forte influência na constituição do sujeito e na causa das doenças nervosas. Isso se justifica porque assim como o homem para viver em sociedade teve de abdicar a satisfação de seus instintos, cada indivíduo também se dispõem de um sacrifício da satisfação de seus desejos para que possam conviver com outros.
Um possível destino para a energia que não foi despendida na satisfação de instintos pode ser a sublimação, onde essa mesma energia pulsional que poderia ter sido usada para o fim citado acima, se volta para uma atividade socialmente aceita como produções culturais, artísticas e criativas de um modo geral.
Ufa! Tantos novos conceitos. Talvez na leitura dos próximos roteiros, possamos esmiuçar juntos todo este novo universo que se descortina.