domingo, 11 de abril de 2010

Roteiro de Leitura: Conferência I (Sigmund Freud, volume XV, 1915)

Conferência I (Introdução) – Parapraxias, Volume XV, 1915.

Para o semestre que se inicia, julgamos salutar iniciar nosso percurso a partir de algumas considerações em torno do texto introdutório à parte I das Conferências Introdutórias à Psicanálise, realizada em 1915. O que se proporia a uma introdução de uma introdução à obra de Freud?
Cremos que, para além dos dados acerca da práxis da psicanálise e das observações de fenômenos clínicos que o texto nos trás, há algo fundamental que se refere a um aspecto do texto que nem todo leitor leigo de Freud presta a atenção: sua retórica. Vamos agora dar atenção maior para o discurso de Freud, para posteriormente retornar ao conteúdo da conferência.
Podemos dividir a obra de Freud em dois tipos de textos: a – textos transcritos de palestras, feitos para serem proclamados, não lidos; b – textos de caráter livresco, para serem lidos, e não proclamados. O presente texto encaixa-se no primeiro tipo, dos textos feitos para serem lidos. O que isso quer dizer?
Quer dizer que encontramos aqui uma preocupação bastante grande com o entendimento do ouvinte, que determina o modo como Freud constrói e costura seu pensamento ao decorrer de sua explicação. O que vemos é um Freud pouco metafórico e bastante indutivo, sempre oferecendo caminhos e descaminhos para o raciocínio correr. Comecemos investigando o público para quem Freud irá proclamar sua teoria: médicos.
Os médicos de meados dos anos 10 certamente possuíam preocupações, posturas e mesmo regência de um paradigma de conhecimento distinto daqueles que a psicanálise preconizava. O que lhes interessava? Ao invés do sentido do sintoma neurótico, lhes era mais caro prestar atenção ao mecanismo fisiológico do sintoma, isto é, no ato médico. Se era o fisiológico que era interessante, também lhes concernia mais o corpo como motor causal sintomático do que a psique. E certamente isto é reflexo de tempos de vigência de um pensamento em que o biológico havia tomado as rédeas causais das afecções humanas, isto é, o corpo encontrava-se em grande posição de evidência. A perspectiva de cura, igualmente, encontrava-se realizando as devidas modificações ao corpo, seja alterando sua fisionomia ou sua química.
Ora, a proposição de uma terapêutica preocupada em dizer que tanto a causa quanto a cura da histeria não mais recaía sobre o corpo era certamente chocante! Como trazer as boas novas à comunidade médica, senão através de uma exposição de idéias bastante premeditada e cuidadosa?
O caso é que frente um público de bases epistemológicas diferentes das bases de Freud, o fundamental era ser o mais maiêutico possível: preparar as fundações do pensamento do público para em seguida fazê-los, eles mesmos, deduzirem o que o fundador da psicanálise descobriu. Quase como que numa atividade de Sherlock Homes, Freud conduzia sua platéia através de um labirinto de ideias.
A escolha de Freud na conferência em questão foi a de apresentar as dificuldades encontradas para o florescimento de sua teoria, para que assim, pudesse facilmente apontar qual é o caminho derradeiro em direção à nova terapêutica da neurose. Ademais, assim Freud também poderia fechar possíveis buracos de raciocínio de sua teoria, podendo também defender-se dos ataques que constantemente sofria. Dessa forma, a complexidade de sua teoria estava assegurada.
Logo de início, nos deparamos com uma grande diferença de sua forma de tratar a neurose para a forma médica: ele anuncia que diferentemente das técnicas mais recentes que os médicos dispõem para oferecer como alternativa aos seus pacientes, no tratamento psicanalítico a sua longa duração, a intrínseca necessidade do esforço por parte do paciente e a difícil previsibilidade de seu êxito ou resultado são características que o fazem mais uma vez desaconselhável para aqueles que não estão dispostos a por em cheque suas certezas. O que não significa que este tratamento não possui efeitos, os quais muitas vezes são irreversíveis, como por exemplo, a mudança na forma com que uma pessoa se relaciona com a própria vida.
Ao decorrer do texto, vemos que as dificuldades enunciadas por Freud não somente referem-se ao seu percurso como novo teórico, mas também as dificuldades que as pessoas enfrentam ao aprendê-la. Que quer dizer? Que há dificuldades relacionadas ao seu ensino e consequentemente a formação daqueles que nela querem se iniciar. Tendo em vista que na medicina os alunos são preparados empiricamente para ver os fenômenos, classificá-los e tratá-los e que em se tratando de psicanálise o trabalho com um paciente resume-se numa simples troca de palavras, é preciso uma grande mudança de atitude com relação aqueles que dela querem se utilizar, isto é, conceber uma nova forma de relacionar-se com o objeto de conhecimento.
A princípio é imprescindível a compreensão de que ao contrário dos sintomas derivados de doenças orgânicas que se apresentam quase sempre da mesma forma nos mais diversos indivíduos, nos sintomas de origem psíquica, tanto as formas de manifestação quanto a origem dos mesmos são de extrema singularidade. Assim, é possível falar que tanto na maneira com que se forma um analista quanto o processo de tratamento de um analisando se dá de um a um, ou seja, sempre de forma única e orientada pela subjetividade da constituição de cada sujeito.
Por isso que Freud destaca a importância do analista ser analisado, uma vez que ao passar por isso, ele se torna mais capaz de assimilar os efeitos do processo de passar por uma análise e os pelos últimos dois motivos que geram as maiores resistências com relação a ela: a idéia de inconsciente e da importância das pulsões de origem sexual na estruturação dos sujeitos e de seus sintomas.
A primeira contraria a asserção extremamente difundida de que a consciência á a característica que define a psique através da afirmação de que a maior parte daquilo que se refere aos processos mentais é de origem inconsciente, logo pouco acessível por parte dos indivíduos. Esse tipo de afirmação é pouco aceito, pois tanto na fundação das ciências, quanto em suas tarefas cotidianas, o homem costuma confiar em sua autonomia, controle e isenção relacionada à sua razão.
A segunda se refere ao fato dos impulsos de ordem sexual terem uma forte influência na constituição do sujeito e na causa das doenças nervosas. Isso se justifica porque assim como o homem para viver em sociedade teve de abdicar a satisfação de seus instintos, cada indivíduo também se dispõem de um sacrifício da satisfação de seus desejos para que possam conviver com outros.
Um possível destino para a energia que não foi despendida na satisfação de instintos pode ser a sublimação, onde essa mesma energia pulsional que poderia ter sido usada para o fim citado acima, se volta para uma atividade socialmente aceita como produções culturais, artísticas e criativas de um modo geral.
Ufa! Tantos novos conceitos. Talvez na leitura dos próximos roteiros, possamos esmiuçar juntos todo este novo universo que se descortina.

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