terça-feira, 24 de abril de 2012

"A questão de uma Weltanschauung" (S. Freud, Conf. XXXV, Vol 22)

"A questão de uma Weltanschauung" (S. Freud, Conf. XXXV, Vol 22) ou”35. Acerca de Uma Visão de Mundo [Tradução. Volume 18. Companhia das Letras.]”

Weltanschauung [ou visão de mundo], para Freud, seria uma construção intelectual que busca solucionar todos os problemas de nossa existência de maneira uniforme e sem deixar lacunas. Na tentativa de separar o que é conhecimento do que é ilusão, Freud opõe a Weltanschauung científica a três outras, a arte, a filosofia e a religião. A arte para ele não pretenderia ser mais do que uma ilusão, logo, não representa ameaça à ciência. A filosofia, por sua vez, não se opõe à ciência, pois apesar de também se utilizar de métodos científicos, essa se perde ao almejar ilusoriamente uma verdade que dê conta de abarcar uma visão total de mundo. Já a visão de mundo pautada na religião, para Freud, é a única cuja força realmente representa uma ameaça para a ciência. Esse poder se dá pelo fato dela dar conta de três funções na vida do homem. A primeira é saciar o que o pai da psicanálise chama de sede de conhecimento, uma vez que a cosmogonia religiosa explica e dá sentido a todo o universo. A segunda é dar garantia de proteção e uma promessa de felicidade, reconfortando o homem diante da imprevisibilidade dos perigos da vida. A terceira função é normativa, tendo em vista que a religião, com sua ética, prescreve quais são as condutas moralmente corretas e quais são aquelas incorretas para os indivíduos.
O pai da psicanálise traça um paralelo entre a religião e o animismo. Neste texto, o teórico estabelece que o animismo precede a religião. Este seria caracterizado pela crença de que o mundo era habitado por demônios, espíritos, mas sem a presença de um Deus superior. Nele, o homem tinha como principal “poder” a magia, caracterizada pela onipotência do pensamento, ou seja, eles acreditavam que com o pensar e as palavras, eram capazes de mudar o ambiente. Neste sentido, a religião, que surge posteriormente, estabeleceu a adoração de animais, o “totem” (ou “símbolo” como parte do sistema religioso) e também os primeiros mandamentos éticos, os tabus. Neste sentido, Freud escreve o texto Totem & Tabu (1912-13), onde desenvolve de forma mais aprofundada esta teoria.
Freud estabelece uma relação da visão de mundo religiosa com experiências comuns na infância. Neste sentido, observa-se que na impossibilidade de lidar com o desamparo infantil, os desejos e a necessidade que prosseguem na vida adulta, o homem adulto reaviva a representação psíquica do pai em uma figura divina. Afinal, o sujeito detentor de uma visão de mundo religiosa passa a ter o seu desamparo minimizado, tendo em vista que as três grandes necessidades citadas no parágrafo anterior são atendidas.
Terminada esta breve teorização acerca da visão de mundo, Freud parte para estabelecer a problemática da relação entre a “crença” na ciência e na religião. Sendo assim, a religião estabelece como uma objeção à possibilidade de ser investigada pela ciência, a ideia de que ela dignificaria a vida humana e seria a “coisa mais bela que o ser humano já produziu”. Neste sentido, visa se posicionar como um campo superior e incontestável da experiência humana. Como refutação a essa ideia, o teórico diz que, o pensamento científico busca estabelecer uma relação com a realidade, ou seja, visa uma “verdade.” Neste sentido, de acordo com o autor, a religião não é, e ainda que pretenda ser, jamais poderá se firmar como substituta da ciência.
Sendo assim, o que a religião visa, na verdade, é a proibição da crítica/pensamento em prol da sua autopreservação. Em termos práticos, isso causa diversos problemas na vida do sujeito. Como forma de fundamentar esta questão, o autor demonstra que a sua experiência clínica trouxe a possibilidade da observação de diversos conflitos referentes a inibição da sexualidade feminina em decorrência de dogmas religiosos. Outros exemplos também são apresentados no texto, no que tange a leitura de biografias por parte do autor. Ele reconhece, no entanto, a importância desse pensamento no que se refere a unificação da sociedade, já que não seria possível cada um ter suas próprias regras morais em detrimento de um ideal coletivo. A partir disso, ele apresenta a hipótese de que a razão, no futuro, poderia substituir os dogmas religiosos, como forma de promover o espírito livre, ao mesmo tempo em que se mantém a coesão social.

            O autor prossegue fazendo referência a outras visões de mundo que se contrapõem à ciência. Sendo assim, ele cita o niilismo [que deriva do anarquismo] e o marxismo. A primeira, que parte da ciência, mas abandona os seus preceitos na sua constituição, preconiza a inexistência e o caráter ilusório da verdade, que seria um constructo proveniente das nossas próprias necessidades, ou seja, o homem veria aquilo que deseja ver. Sem um critério de verdade, todas as opiniões são, em última instância, fúteis, igualadas por serem desprovidas de valor. Também é frívolo, justamente por ser falso, todo o conhecimento, o que torna essa teoria inválida no que se refere ao cotidiano. Já quanto à segunda, a visão de mundo marxista, o teórico diz que deve ter maior importância. Ela preconiza que o desenvolvimento das formas de sociedade é um processo histórico natural, que os fatores econômicos exercem uma influência determinante sobre as atitudes humanas e que a estratificação na sociedade se dá a partir da dialética.  Freud refuta tanto o caráter natural, quanto a questão da dialética e a primazia das condições econômicas como promotoras dos aspectos psicológicos dos sujeitos. Neste sentido, o autor pontua que as condições psicológicas, a partir do domínio da natureza, influem na economia, o que retira esse caráter determinista proveniente da teoria marxista. Trata-se, aqui, de ler esta relação [estabelecida por Marx] como reducionista e incapaz de abarcar, por exemplo, a questão das pulsões, da necessidade de amor, da relação entre o prazer e o desprazer e as diferentes relações na economia que são estabelecidas a partir disso em cada sociedade. Freud, assim, não ignora a importância do aspecto econômico como motor de desenvolvimento da cultura, mas o estabelece como um dos pontos que podem ser pensados neste sentido.
Outra crítica que Freud estabelece ante ao marxismo é que este, em alguns casos, tal como na religião, firma a proibição do pensamento crítico. Este ponto diverge da Weltaunschaaung científica e afasta este pensamento da mesma. O marxismo se atém às próprias ilusões, prometendo um futuro melhor, no qual o ser humano alcançaria a sociedade perfeita. Freud novamente aponta para a influência dos fatores psicológicos subjetivos: é impossível que, a partir das questões psíquicas inerentes ao ser humano, exista uma sociedade perfeita, harmoniosa, sem leis, aonde todos trabalharem e que isso não gere qualquer tipo de conflito.
A conclusão de Freud é que a psicanálise não precisa de uma Weltanschaaung própria, já que faz parte da ciência. E que também este campo do saber não se pretende ser autossuficiente, nem tampouco criar sistemas e verdades absolutas. Sendo assim deve, no seu desenvolvimento teórico, se sustentar a partir destes pilares, como forma de ofertar sempre a busca pela “verdade” pautada numa leitura baseada na realidade.


Revisado por Antônio Alberto Almeida, Ana Clara Figueiredo e Sheila Beserra. da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.

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