"A
questão de uma Weltanschauung" (S. Freud, Conf. XXXV, Vol 22)
ou”35. Acerca de Uma Visão de Mundo [Tradução. Volume 18.
Companhia das Letras.]”
Weltanschauung
[ou visão de mundo], para Freud, seria uma construção intelectual
que busca solucionar todos os problemas de nossa existência de
maneira uniforme e sem deixar lacunas. Na tentativa de separar o que
é conhecimento do que é ilusão, Freud opõe a Weltanschauung
científica a três outras, a arte, a filosofia e a religião. A arte
para ele não pretenderia ser mais do que uma ilusão, logo, não
representa ameaça à ciência. A filosofia, por sua vez, não se
opõe à ciência, pois apesar de também se utilizar de métodos
científicos, essa se perde ao almejar ilusoriamente uma verdade que
dê conta de abarcar uma visão total de mundo. Já a visão de mundo
pautada na religião, para Freud, é a única cuja força realmente
representa uma ameaça para a ciência. Esse poder se dá pelo fato
dela dar conta de três funções na vida do homem. A primeira é
saciar o que o pai da psicanálise chama de sede de conhecimento, uma
vez que a cosmogonia religiosa explica e dá sentido a todo o
universo. A segunda é dar garantia de proteção e uma promessa de
felicidade, reconfortando o homem diante da imprevisibilidade dos
perigos da vida. A terceira função é normativa, tendo em vista que
a religião, com sua ética, prescreve quais são as condutas
moralmente corretas e quais são aquelas incorretas para os
indivíduos.
O
pai da psicanálise traça um paralelo entre a religião e o
animismo. Neste texto, o teórico estabelece que o animismo precede a
religião. Este seria caracterizado pela crença de que o mundo era
habitado por demônios, espíritos, mas sem a presença de um Deus
superior. Nele, o homem tinha como principal “poder” a magia,
caracterizada pela onipotência do pensamento, ou seja, eles
acreditavam que com o pensar e as palavras, eram capazes de mudar o
ambiente. Neste sentido, a religião, que surge posteriormente,
estabeleceu a adoração de animais, o “totem” (ou “símbolo”
como parte do sistema religioso) e também os primeiros mandamentos
éticos, os tabus. Neste sentido, Freud escreve o texto Totem &
Tabu (1912-13), onde desenvolve de forma mais aprofundada esta
teoria.
Freud
estabelece uma relação da visão de mundo religiosa com
experiências comuns na infância. Neste sentido, observa-se que na
impossibilidade de lidar com o desamparo infantil, os desejos e a
necessidade que prosseguem na vida adulta, o homem adulto reaviva a
representação psíquica do pai em uma figura divina. Afinal, o
sujeito detentor de uma visão de mundo religiosa passa a ter o seu
desamparo minimizado, tendo em vista que as três grandes
necessidades citadas no parágrafo anterior são atendidas.
Terminada
esta breve teorização acerca da visão de mundo, Freud parte para
estabelecer a problemática da relação entre a “crença” na
ciência e na religião. Sendo assim, a religião estabelece como uma
objeção à possibilidade de ser investigada pela ciência, a ideia
de que ela dignificaria a vida humana e seria a “coisa mais bela
que o ser humano já produziu”. Neste sentido, visa se posicionar
como um campo superior e incontestável da experiência humana. Como
refutação a essa ideia, o teórico diz que, o pensamento científico
busca estabelecer uma relação com a realidade, ou seja, visa uma
“verdade.” Neste sentido, de acordo com o autor, a religião não
é, e ainda que pretenda ser, jamais poderá se firmar como
substituta da ciência.
Sendo
assim, o que a religião visa, na verdade, é a proibição da
crítica/pensamento em prol da sua autopreservação. Em termos
práticos, isso causa diversos problemas na vida do sujeito. Como
forma de fundamentar esta questão, o autor demonstra que a sua
experiência clínica trouxe a possibilidade da observação de
diversos conflitos referentes a inibição da sexualidade feminina em
decorrência de dogmas religiosos. Outros exemplos também são
apresentados no texto, no que tange a leitura de biografias por parte
do autor. Ele reconhece, no entanto, a importância desse pensamento
no que se refere a unificação da sociedade, já que não seria
possível cada um ter suas próprias regras morais em detrimento de
um ideal coletivo. A partir disso, ele apresenta a hipótese de que a
razão, no futuro, poderia substituir os dogmas religiosos, como
forma de promover o espírito livre, ao mesmo tempo em que se mantém
a coesão social.
O autor prossegue fazendo referência a outras visões de mundo que se contrapõem à ciência. Sendo assim, ele cita o niilismo [que deriva do anarquismo] e o marxismo. A primeira, que parte da ciência, mas abandona os seus preceitos na sua constituição, preconiza a inexistência e o caráter ilusório da verdade, que seria um constructo proveniente das nossas próprias necessidades, ou seja, o homem veria aquilo que deseja ver. Sem um critério de verdade, todas as opiniões são, em última instância, fúteis, igualadas por serem desprovidas de valor. Também é frívolo, justamente por ser falso, todo o conhecimento, o que torna essa teoria inválida no que se refere ao cotidiano. Já quanto à segunda, a visão de mundo marxista, o teórico diz que deve ter maior importância. Ela preconiza que o desenvolvimento das formas de sociedade é um processo histórico natural, que os fatores econômicos exercem uma influência determinante sobre as atitudes humanas e que a estratificação na sociedade se dá a partir da dialética. Freud refuta tanto o caráter natural, quanto a questão da dialética e a primazia das condições econômicas como promotoras dos aspectos psicológicos dos sujeitos. Neste sentido, o autor pontua que as condições psicológicas, a partir do domínio da natureza, influem na economia, o que retira esse caráter determinista proveniente da teoria marxista. Trata-se, aqui, de ler esta relação [estabelecida por Marx] como reducionista e incapaz de abarcar, por exemplo, a questão das pulsões, da necessidade de amor, da relação entre o prazer e o desprazer e as diferentes relações na economia que são estabelecidas a partir disso em cada sociedade. Freud, assim, não ignora a importância do aspecto econômico como motor de desenvolvimento da cultura, mas o estabelece como um dos pontos que podem ser pensados neste sentido.
Outra
crítica que Freud estabelece ante ao marxismo é que este, em alguns
casos, tal como na religião, firma a proibição do pensamento
crítico. Este ponto diverge da Weltaunschaaung científica e afasta
este pensamento da mesma. O marxismo se atém às próprias ilusões,
prometendo um futuro melhor, no qual o ser humano alcançaria a
sociedade perfeita. Freud novamente aponta para a influência dos
fatores psicológicos subjetivos: é impossível que, a partir das
questões psíquicas inerentes ao ser humano, exista uma sociedade
perfeita, harmoniosa, sem leis, aonde todos trabalharem e que isso
não gere qualquer tipo de conflito.
A
conclusão de Freud é que a psicanálise não precisa de uma
Weltanschaaung própria, já que faz parte da ciência. E que também
este campo do saber não se pretende ser autossuficiente, nem
tampouco criar sistemas e verdades absolutas. Sendo assim deve, no
seu desenvolvimento teórico, se sustentar a partir destes pilares,
como forma de ofertar sempre a busca pela “verdade” pautada numa
leitura baseada na realidade.
Revisado
por Antônio Alberto Almeida, Ana Clara Figueiredo e Sheila Beserra.
da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.
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