terça-feira, 24 de abril de 2012

"A questão de uma Weltanschauung" (S. Freud, Conf. XXXV, Vol 22)

"A questão de uma Weltanschauung" (S. Freud, Conf. XXXV, Vol 22) ou”35. Acerca de Uma Visão de Mundo [Tradução. Volume 18. Companhia das Letras.]”

Weltanschauung [ou visão de mundo], para Freud, seria uma construção intelectual que busca solucionar todos os problemas de nossa existência de maneira uniforme e sem deixar lacunas. Na tentativa de separar o que é conhecimento do que é ilusão, Freud opõe a Weltanschauung científica a três outras, a arte, a filosofia e a religião. A arte para ele não pretenderia ser mais do que uma ilusão, logo, não representa ameaça à ciência. A filosofia, por sua vez, não se opõe à ciência, pois apesar de também se utilizar de métodos científicos, essa se perde ao almejar ilusoriamente uma verdade que dê conta de abarcar uma visão total de mundo. Já a visão de mundo pautada na religião, para Freud, é a única cuja força realmente representa uma ameaça para a ciência. Esse poder se dá pelo fato dela dar conta de três funções na vida do homem. A primeira é saciar o que o pai da psicanálise chama de sede de conhecimento, uma vez que a cosmogonia religiosa explica e dá sentido a todo o universo. A segunda é dar garantia de proteção e uma promessa de felicidade, reconfortando o homem diante da imprevisibilidade dos perigos da vida. A terceira função é normativa, tendo em vista que a religião, com sua ética, prescreve quais são as condutas moralmente corretas e quais são aquelas incorretas para os indivíduos.
O pai da psicanálise traça um paralelo entre a religião e o animismo. Neste texto, o teórico estabelece que o animismo precede a religião. Este seria caracterizado pela crença de que o mundo era habitado por demônios, espíritos, mas sem a presença de um Deus superior. Nele, o homem tinha como principal “poder” a magia, caracterizada pela onipotência do pensamento, ou seja, eles acreditavam que com o pensar e as palavras, eram capazes de mudar o ambiente. Neste sentido, a religião, que surge posteriormente, estabeleceu a adoração de animais, o “totem” (ou “símbolo” como parte do sistema religioso) e também os primeiros mandamentos éticos, os tabus. Neste sentido, Freud escreve o texto Totem & Tabu (1912-13), onde desenvolve de forma mais aprofundada esta teoria.
Freud estabelece uma relação da visão de mundo religiosa com experiências comuns na infância. Neste sentido, observa-se que na impossibilidade de lidar com o desamparo infantil, os desejos e a necessidade que prosseguem na vida adulta, o homem adulto reaviva a representação psíquica do pai em uma figura divina. Afinal, o sujeito detentor de uma visão de mundo religiosa passa a ter o seu desamparo minimizado, tendo em vista que as três grandes necessidades citadas no parágrafo anterior são atendidas.
Terminada esta breve teorização acerca da visão de mundo, Freud parte para estabelecer a problemática da relação entre a “crença” na ciência e na religião. Sendo assim, a religião estabelece como uma objeção à possibilidade de ser investigada pela ciência, a ideia de que ela dignificaria a vida humana e seria a “coisa mais bela que o ser humano já produziu”. Neste sentido, visa se posicionar como um campo superior e incontestável da experiência humana. Como refutação a essa ideia, o teórico diz que, o pensamento científico busca estabelecer uma relação com a realidade, ou seja, visa uma “verdade.” Neste sentido, de acordo com o autor, a religião não é, e ainda que pretenda ser, jamais poderá se firmar como substituta da ciência.
Sendo assim, o que a religião visa, na verdade, é a proibição da crítica/pensamento em prol da sua autopreservação. Em termos práticos, isso causa diversos problemas na vida do sujeito. Como forma de fundamentar esta questão, o autor demonstra que a sua experiência clínica trouxe a possibilidade da observação de diversos conflitos referentes a inibição da sexualidade feminina em decorrência de dogmas religiosos. Outros exemplos também são apresentados no texto, no que tange a leitura de biografias por parte do autor. Ele reconhece, no entanto, a importância desse pensamento no que se refere a unificação da sociedade, já que não seria possível cada um ter suas próprias regras morais em detrimento de um ideal coletivo. A partir disso, ele apresenta a hipótese de que a razão, no futuro, poderia substituir os dogmas religiosos, como forma de promover o espírito livre, ao mesmo tempo em que se mantém a coesão social.

            O autor prossegue fazendo referência a outras visões de mundo que se contrapõem à ciência. Sendo assim, ele cita o niilismo [que deriva do anarquismo] e o marxismo. A primeira, que parte da ciência, mas abandona os seus preceitos na sua constituição, preconiza a inexistência e o caráter ilusório da verdade, que seria um constructo proveniente das nossas próprias necessidades, ou seja, o homem veria aquilo que deseja ver. Sem um critério de verdade, todas as opiniões são, em última instância, fúteis, igualadas por serem desprovidas de valor. Também é frívolo, justamente por ser falso, todo o conhecimento, o que torna essa teoria inválida no que se refere ao cotidiano. Já quanto à segunda, a visão de mundo marxista, o teórico diz que deve ter maior importância. Ela preconiza que o desenvolvimento das formas de sociedade é um processo histórico natural, que os fatores econômicos exercem uma influência determinante sobre as atitudes humanas e que a estratificação na sociedade se dá a partir da dialética.  Freud refuta tanto o caráter natural, quanto a questão da dialética e a primazia das condições econômicas como promotoras dos aspectos psicológicos dos sujeitos. Neste sentido, o autor pontua que as condições psicológicas, a partir do domínio da natureza, influem na economia, o que retira esse caráter determinista proveniente da teoria marxista. Trata-se, aqui, de ler esta relação [estabelecida por Marx] como reducionista e incapaz de abarcar, por exemplo, a questão das pulsões, da necessidade de amor, da relação entre o prazer e o desprazer e as diferentes relações na economia que são estabelecidas a partir disso em cada sociedade. Freud, assim, não ignora a importância do aspecto econômico como motor de desenvolvimento da cultura, mas o estabelece como um dos pontos que podem ser pensados neste sentido.
Outra crítica que Freud estabelece ante ao marxismo é que este, em alguns casos, tal como na religião, firma a proibição do pensamento crítico. Este ponto diverge da Weltaunschaaung científica e afasta este pensamento da mesma. O marxismo se atém às próprias ilusões, prometendo um futuro melhor, no qual o ser humano alcançaria a sociedade perfeita. Freud novamente aponta para a influência dos fatores psicológicos subjetivos: é impossível que, a partir das questões psíquicas inerentes ao ser humano, exista uma sociedade perfeita, harmoniosa, sem leis, aonde todos trabalharem e que isso não gere qualquer tipo de conflito.
A conclusão de Freud é que a psicanálise não precisa de uma Weltanschaaung própria, já que faz parte da ciência. E que também este campo do saber não se pretende ser autossuficiente, nem tampouco criar sistemas e verdades absolutas. Sendo assim deve, no seu desenvolvimento teórico, se sustentar a partir destes pilares, como forma de ofertar sempre a busca pela “verdade” pautada numa leitura baseada na realidade.


Revisado por Antônio Alberto Almeida, Ana Clara Figueiredo e Sheila Beserra. da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.

segunda-feira, 26 de março de 2012

"Terapia Analítica" (S. Freud, Conf. XXVIII, Vol. 16, 1916)

Freud introduz esta conferência comentando a respeito da sugestão como método de tratamento e seus efeitos. Estes equivaleriam aos efeitos de uma medicação psiquiátrica, já que seriam dirigidos contra a manifestação do sintoma. Em seguida, cita a hipnose, que teria como objetivo produzir efeitos semelhantes à sugestão, a partir de uma alteração do estado de consciência. Ele também afirma que o paciente pode perder a autoconfiança pelas repetidas hipnoses e ficar “viciado como se fosse um narcótico”. Tais observações impulsionaram-no a investigar por que a hipnose funcionava, já que as condições que permitiam um resultado favorável eram desconhecidas. Um paralelo entre hipnose e psicanálise começa a ser traçado, segundo o qual a psicanálise é colocada como se fosse uma cirurgia, e o tratamento sugestivo, um cosmético. A hipnose geraria melhoras mais rapidamente. Entretanto, Freud observa que a doença sempre retornava, ou que os sintomas eram deslocados. Então chega à conclusão de que os processos inconscientes que levavam à formação dos sintomas permaneciam presentes no psiquismo do sujeito. Dessa forma, a hipnose encobriria, então, a doença, e dependeria da capacidade de transferência do paciente, visto que o sucesso repousaria exatamente na sugestão. Se não bastasse, tal método proibiria os sintomas e fortaleceria as repressões, deixando o paciente vulnerável a adoecer novamente. Freud então coloca a sugestão como método da psicanálise, mas num sentido educativo, esta será como base para o andamento da análise. Afirma que a vida psíquica só pode ser modificada pelo trabalho de superação das resistências internas.


Um argumento feito por alguns críticos e rebatido por Freud é que estes afirmam que os dados clínicos não são confiáveis, já que se apoiam na transferência, de forma que aquilo que é vantajoso na clínica, não necessariamente é na teoria. A resposta de Freud é que os conflitos do paciente não podem ser resolvidos por meio da sugestão, mas que aquilo que o analista diz ao analisando só produz um efeito no mesmo quando esta interpretação coaduna com o que é real no paciente. Ou seja, a interpretação precisa ter um sentido para o analisando. Além disso, Freud fala que deve ser posto um fim aos êxitos imediatos durante o tratamento, uma vez que de fato eles são consequência da transferência, e que esta constitui uma diferença fundamental entre a terapia analítica e a terapia meramente sugestiva, uma vez que a psicanálise entende este êxito imediato como uma resistência.  Portanto, a eficácia do método interpretativo se dá a partir da superação das resistências.


Em seguida, descreve a cura com fórmulas da libido. Segundo ele, em situações saudáveis, o ego deveria ter a libido à sua disposição. Não é o que acontece, entretanto, com a libido do neurótico, que não se dirige a nenhum objeto real e está sob repressão, algo que demanda muita energia. Neste caso, o sintoma é a única satisfação da libido. A partir disso, a tarefa terapêutica seria remontar a origem dos sintomas para então liberar libido de suas ligações atuais e torna-la novamente utilizável pelo ego.


O trabalho, então, consistiria em duas fases: a primeira seria retirar a libido dos sintomas e esta seria colocada na relação transferencial. A segunda fase, seria a luta pelo novo objeto. A transferência possibilitaria o aparecimento de novas edições do conflito, ocorrendo uma doença transferencial que recebe o investimento que antes era dirigido ao sintoma. Mesmo nesta nova modulação, a libido tentaria chegar ao mesmo resultado. Entretanto, caberia ao analista reconduzi-la a outro rumo. Quando há êxito nesta tarefa, a libido é liberada do objeto temporário e não volta ao original, ficando à disposição do ego. Este se amplia e se concilia com ela, podendo então conceder-lhe satisfação. Ao final desta conferência, é feita uma comparação entre os sujeitos que Freud considera sadios e os que considera neuróticos. Para ele, os únicos sintomas da pessoa sadia seriam os sonhos (outras formações do inconsciente também podem fazer parte desses ‘sintomas’ que as pessoas normais produzem, como os atos falhos e os chistes). Ressalta ainda que a resistência externa atrapalha o tratamento e recomenda aceitar somente pacientes que não dependam de terceiros.


Escrito por Fernanda Bonilha e Fernanda Capuano 


Revisado por Antônio Almeida e Eduardo Zaidan.

Equipe da Monitoria de Psicanálise da PUC de São Paulo.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

"Feminilidade" (Sigmund Freud, Conf. XXXIII, Vol. XXII, 1932/33)

       Logo no início deste texto, Freud discorre sobre as diferenças anatômicas do homem e da mulher, atentando para o fato de que partes do aparelho sexual masculino aparecem também na mulher de modo atrofiado e vice versa. Sendo assim, ele diz que, com base no pensamento da anatomia e da biologia, todo ser humano é homem e mulher ao mesmo tempo em graus diferenciados. 
       Freud ressalta que o pensamento da anatomia é limitado e inicia uma busca de desenvolvimento conceitual a partir da psicanálise.  O teórico faz, então, uma crítica à distinção e equiparação, vinda das ciências biológicas, do conceito de masculino com a atividade e da feminilidade como a passividade.               
        A partir disso, o pai da psicanálise estabelece o conceito de feminilidade a partir de uma leitura psicanalítica: esta elaboração diz respeito às metas passivas, que se diferenciam da passividade, pois precisam, antes, de uma dose de atividade para serem alcançadas. O autor desenvolve ainda o conceito de masoquismo como associado ao feminino, pois a agressividade da mulher é voltada para dentro em decorrência das exigências sociais. Mesmo no homem, a partir disso, o masoquismo é, então, visto como um traço feminino. 
       Depois dessa distinção conceitual, Freud inicia a teorização acerca do desenvolvimento feminino. Ele pontua que, em um primeiro momento, as diferentes fases da libido são iguais para ambos os sexos. As diferenças começam a surgir na fase fálica. Há dois fatores complicadores nesta fase  no que se refere ao desenvolvimento feminino em comparação ao masculino. 1) A substituição de objeto de satisfação sexual. 2) O objeto de amor do complexo de Édipo. Na primeira, o que ocorre é que o clitóris, objeto de prazer sexual, precisa ceder à vagina a função principal no aparelho sexual feminino. Em comparação, no desenvolvimento masculino o objeto continua sendo o pênis. E, a segunda, é a transferência do afeto da mãe para o pai. No desenvolvimento masculino o objeto de afeto era a mãe e continua sendo a mesma. É importante ressaltar que o primeiro objeto de afeto de ambos é a mãe. 
       Essas mudanças tem uma série de implicações. Entre elas, o afastamento da mãe, pela menina, é um ato que está envolto de hostilidade. Ela tende a passar apresentar diversas queixas e acusações contra a mesma, o que inclusive pode ter consequências nos desenvolvimentos posteriores e até mesmo na vida adulta. Uma parte importante deste comportamento hostil ocorre quando, durante o período fálico quando a mãe proíbe a criança de praticar atividades masturbatórias com seus genitais. No período pré-édipico a mãe tende a estimular os mesmos através de carícias. Freud ressalta que, apesar de importante, este não é um ponto de distinção entre meninos e meninas, pois ocorre de forma igual para ambos os sexos. 
       O principal ponto de distinção da feminilidade encontra-se na elaboração do complexo de castração. Este se inicia, na menina, a partir da constatação de que algo a falta, o que a diferencia do menino no sentido de que ele teme a perda do pênis. Sendo assim, a constatação da falta, prepara o complexo de Édipo, e também não há um elemento que estabeleça a superação do mesmo. Retomando, é importante pontuar que no menino a ameaça da castração faz com que ele abandone o desejo pela mãe e supere o complexo de Édipo, na menina isso não ocorre. Como consequência, as mulheres podem ficar indefinidamente no complexo de castração. 
       Retornando ao início, com a entrada no complexo de castração, há três consequências possíveis: a inibição sexual ou neurose, que consiste em um recalcamento da sexualidade. Em uma renúncia a satisfação masturbatória com o clitóris e numa hostilidade em relação a mãe. Na segunda consequência, o complexo de masculinidade, há uma recusa da passividade, o que faz com que haja um posicionamento masculino e, em casos extremos, a escolha de objetos homossexuais. Na terceira, a feminilidade normal, o desejo de ter um pênis deve, então, ser substituído pelo desejo de ter um bebê. Este desejo faz com que se inicie o complexo de Édipo feminino, a dissolução desse complexo, ao contrário do que ocorre no masculino quando o menino, pelo temor da castração, renuncia ao amor pela mãe e instaura o superego, dá-se tardiamente, de forma incompleta, sem um fator específico, o que causa prejuízos à formação do superego. 
       Freud conclui o texto afirmando que a elaboração sobre a feminilidade ainda está, neste momento, incompleta e que necessita de novos estudos e novos desenvolvimentos. Ele diz que este recorte é visto no que diz respeito a função sexual e que há um ser humano para além disso e, por fim, conclama a literatura, ou a elaboração através de vivências pessoais como norte de novas respostas.
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Elaborado pela equipe de Monitoria em Psicanálise do curso de graduação em Psicologia da PUC/SP. Escrito por Antônio Alberto Almeida.

terça-feira, 1 de junho de 2010

´´Uma nota sobre o Inconsciente em Psicanálise`` (Sigmund Freud, Volume XII, 1912)

- Consciente: concepção que está presente em nossa consciência e da qual nos damos conta.
- Inconsciente: conteúdos dos quais não estamos cientes, mas cuja existência Freud nos dá algumas evidências, como através da sugestão pós-hipnótica.
- Sugestão pós-hipnótica: quando o paciente é colocado em estado hipnótico e o médico pede para que ele faça algo assim que despertar. Uma vez desperto e sem lembrança alguma do estado hipnótico, ele realiza a ação ordenada pelo médico anteriormente.
- Histeria: os sintomas na histeria precedem das ideias ativas e inconscientes da mente da pessoa. O trabalho da psicanálise então será ajudar a tornar essas ideias ativas inconscientes em conscientes.
- Ideias Latentes: existem aquelas ideias que ao se tronarem fortes, tornam-se conscientes. A estas chamamos de ideias pré-conscientes.
Porém, existem aquelas que por mais fortes que fiquem, nunca serão conscientes, permanecendo inconscientes.
- Inconsciente é o termo que designa não somente as ideias latentes, mas especialmente as ideias com caráter dinâmico e que se mantém à parte da consciência. Essas ideias inconscientes se mostram através de diversas formas como: lapsos de linguagem, erros de memória e de fala, esquecimento de nomes, sonhos e etc.
- Para que um conteúdo inconsciente penetre na consciência, é necessário uma certa quantidade de esforço. Mas, a resistência está presente dificultando esse processo.
- Resistência: força que impede que as ideias inconscientes emerjam na consciência, porém ela não opera com a mesma força que as ideias pré-conscientes.
- A inconsciência é uma fase regular e inevitável nos processos que constituem nossa atividade psíquica; todo ato psíquico começa como um ato inconsciente e pode permanecer assim ou continuar a evoluir para a consciência, segundo encontra resistência ou não.
- Os sonhos são um produto psíquico. Através deles, a mente consegue fazer vinculações com tendências inconscientes presentes desde a infância, mesmo que estas tenham sido reprimidas ou excluídas da consciência. Sendo assim, com a ajuda do inconsciente, os pensamentos sofrem disfarces e uma deformação nos sonhos.
- As leis da atividade inconsciente diferem amplamente daquelas da consciência.

Preparado por Renata Siqueira da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.

´´A elaboração onírica`` (Sigmund Freud - Conferências Introdutórias à Psicanálise, Os sonhos)

Freud inicia seu texto reforçando que não se pode interpretar os sonhos apenas pelo que se compreende em um primeiro momento, ou seja, o sonho manifesto. Retomará que o sonho manifesto é o resultado de um processo denominado elaboração onírica, que consiste na passagem do conteúdo latente (inconsciente), para uma representação através de nossos sonhos (conteúdo manifesto e consciente). Sendo assim, todo sonho, mesmo que sendo facilmente reconhecido como um desejo do indivíduo, ainda assim conterá transformações, pois foi elaborado de forma que a consciência tenha recursos para representar este conteúdo. O sonho manifesto também será sempre de menor extensão do que o sonho latente. Isso acontece pela ação do mecanismo de condensação, que explicaremos em seguida, e pela impossibilidade de se esgotar o conteúdo latente.

Para Freud, os sonhos mais abstratos passam por um processo de maior elaboração onírica. Com intuito de diferenciar o processo de formação desses sonhos denomina essa de elaboração exacerbada como deformação onírica.

Em seguida explicara mais profundamente as três realizações constituintes da elaboração onírica, A Condensação, o Deslocamento e a Figurabilidade.

1.Condensação

O primeiro mecanismo se trata da condensação, “fusão”, de diversos conteúdos latentes em um único manifesto. Segundo Freud, está presente em muitos de nossos sonhos, mas não necessariamente em todos. Os conteúdos condensados representam apenas parte do sonho latente e para serem condensados precisam possuir um núcleo em comum. O resultado é uma imagem que contém características de vários objetos em apenas um, tendo assim caráter fantasioso. Por exemplo, um jovem sonha com um cachorro que fala inglês e trabalha no ramo do cinema. Está imagem, não faz sentido algum se entendida apenas em sua manifestação. Através de uma análise contextual, e associando livremente essas características o dono deste sonho pode associar, por exemplo, a imagem de seu cachorro condensada, com a de uma professora de inglês e ao mesmo tempo com a imagem de seu amigo que entende de cinema. Lembrando-se do momento que esta vivendo, essa pessoa se da conta de que tem um cachorro e um compromisso com o mesmo. Lembra-se também que está prestes a realizar um exame de proficiência de inglês, e ainda que seu amigo entendedor de cinema recentemente mudou-se para Miami. Temos no cachorro a imagem condensada de um compromisso, com o inglês e a relação dessa língua com seu amigo que reside em um país de língua inglesa e que o jovem também tem o compromisso de contatá-lo. A análise desta manifestação não se esgota nesse ponto, mas nos daremos por satisfeito apenas como exemplo de condensação.
Freud ressaltará ainda que a mente não inventa novos elementos, apenas os condensa. A criação se da, portanto através do mecanismo de condensação. Citará o exemplo do Centauro, como ser “criado”, mas que é apenas a combinação da imagem de um homem com a de um cavalo. Nos sonhos isso também é válido, “criamos” imagens condensadas.

A condensação se da também fora dos sonhos. Parapraxias(atos falhos) podem ser de certa forma muito semelhantes a uma condensação. Analisando a frase “o palhacio do sultão era muito grande” Aceitando o neologismo, “palhacio”, como ato falho, pode-se ainda sugerir que tal palavra nada mais é do que a condensação de palácio, com palhaço. Como na análise da condensação do sonho, para entender essa condensação, o criador deste ato falho deve analisar e associar o sentido e contexto que estas palavras lhe remetem.

Não podemos também considerar a condensação como tradução de conteúdo latente para manifesto. Em uma tradução, o conteúdo é fielmente traduzido. Na condensação ele é fielmente misturado e resumido.

Em suma, o mesmo elemento latente pode estar presente em mais de um conteúdo manifesto. Por sua vez, um conteúdo manifesto contém mais de um elemento latente. Não há também um padrão para a transcrição destes pensamentos. Os conteúdos manifestos não são, de forma alguma de fácil entendimento em uma condensação, não se pode levar a ação do sonho literalmente com o que se manifesta. Importante ressaltar que a condensação, não parece ser a Freud um mecanismo da censura, mas há um fator automático ou econômico isto é, para menor gasto energético, mesmo que a censura pareça lucrar com a deformação propiciada por esta realização.

Logo temos:

1- determinados conteúdos latentes são totalmente omitidos

2- apenas algum fragmento do conteúdo latente transparece de modo manifesto

3- alguns elementos latentes combinam entre si, por possuir algo em comum, e se fundem em uma só unidade no sonho manifesto.

2.Deslocamento

Primeiramente, não podemos dizer que o deslocamento é um mecanismo de defesa, mas sim um modo de funcionamento do inconsciente. A censura faz uso da realização do deslocamento e da condensação, mas não é responsável por sua formação. Embora Freud ainda compreenda neste texto que o deslocamento é, diferentemente da condensação, obra da censura, posteriormente essa idéia se modificará.

O deslocamento se manifesta de duas maneiras: Por alusão e por mudança do acento psíquico.

Alusão: Se no sonho manifesto temos A, se manifestará B. Sendo que B aparentemente não possui nenhuma ligação lógica com A. Em nossa linguagem deslocamos, mas com uma relação inteligível. Por exemplo, nos chistes, há uma relação. Ex: “a Patrícia vai falar das patricinhas”. A função do chiste só tem valor com a relação inteligível entre patrícia e patricinhas. Se a frase fosse “a Patrícia vai falar do Mauricio” não há relação inteligível aparentemente, portanto, o chiste perde sua função. Nos sonhos, os deslocamentos não respeitam essas regras.

Mudança do acento psíquico: Podemos sonhar com a imagem de um padre, mas o conteúdo latente era nosso pai. Por ação da Censura, deslocamento, foi possível deslocar a figura. Não só a figura, mas também a libido, energia catexisada(investida) à mesma. Em um sonho em que o protagonista mata o pai, é mais fácil aceitar que se matou o padre, e não o pai. Esta mudança de uma imagem importante para outra é a mudança de acento psíquico
Resumidamente, como a própria palavra sugere, se desloca, muda de lugar, a imagem, e a importância dada a esta imagem. A importância é deslocada, pois é deslocada a libido, de um objeto para outro.

Em nosso cotidiano o mecanismo de maior afinidade com o deslocamento é a transferência. O paciente transfere a importância antes dada para a figura de seu pai, para a figura de seu analista, por exemplo.

3.Figurabilidade.

A figurabilidade da elaboração onírica constitui na transformação de pensamentos em imagens visuais, É a linguagem na qual se traduz conteúdos latentes em manifestos, muito embora nem todos os conteúdos sejam traduzidos, alguns realmente aparecem em forma de conhecimento ou pensamentos. Segundo Freud, é uma passagem difícil, como da escrita alfabética, onde se define as entonações de palavras, quantidade e regras, para uma escrita pictórica, ou seja, de imagens. Será necessário muito trabalho para conseguir reproduzir a palavra através de imagens. Pensando na língua portuguesa, felizmente possuímos uma palavra que outras línguas não possuem, Saudades. Na língua inglesa para reproduzir tal palavra terá de se formular a frase “I miss you”. Ou seja, foi necessário construir uma frase, e ainda assim foi representado apenas um dos sentidos da palavra.

Considerações

É importante lembrar que os mecanismos de condensação e deslocamento não se restringem ao processo onírico. Por se tratarem de modos de funcionamento do inconsciente, atuam nos lapsos, chistes e sintomas (manifestações, como visto anteriormente, do inconsciente).

Além de compreender a elaboração onírica, este texto também permite uma apreensão do trabalho interpretativo, realizado por um analista. Consiste em chegar, a partir do sonho manifesto, ao conteúdo latente, através da associação-livre do paciente, atenção flutuante do analista e nosso trabalho interpretativo.

´´O conteúdo manifesto dos sonhos e os pensamentos oníricos latentes.`` (Sigmund Freud - Conferências Introdutórias à Psicanálise, Os sonhos)

O conteúdo dos sonhos é uma simbolização o que realmente o sonhador deseja. Os mecanismos oníricos são: condensação e deslocamento (vide resumo de “A Elaboração Onírica”). Isto é, como o conteúdo dos sonhos, manifestação do inconsciente, foi recalcado, este não pode vir à consciência pura e simplesmente. Para que o desejo se manifeste e o sonho ocorra é necessário que seja mascarado.

As transformações que o sonho sofre, para que seu conteúdo energético não seja demasiadamente prejudicial ao ego, são da ordem da condensação, que seria a fusão de duas ou mais cenas e do deslocamento, mudança de uma determinada cena para outro lócus (resumidamente). Num sentido amplo, uma vez decifrado, o sonho deixa de aparecer como uma narrativa em imagens para se tornar uma organização de pensamentos – sob um discurso – a qual exprime um ou vários desejos e a partir dos quais temos a condensação e o deslocamento. O sonhar ocorre devido ao conflito psíquico entre o id e o supereu, em que o id representa a realização do desejo e o supereu representa a lei, as regras, as críticas, os julgamentos.

Por se tratar de manifestações do inconsciente, os sonhos são atemporais, imorais e buscam a realização do desejo, mesmo que o desejo seja apenas a elaboração ou repetição de uma situação vivida. Através do método de associação-livre, é possível acessar estes conteúdos manifestos em busca dos conteúdos ocultos, latentes (´´inacessível para consciência do sonhador``). Isto é, o paciente ao dizer tudo o que lhe vier à cabeça possibilita que o analista faça a intersecção dos conteúdos apresentados e apresente a ele o não dito, simbolizado no sonho.

No trabalho de interpretação dos sonhos não devemos nos preocupar com o que este nos quer dizer, muito menos refletir (pensar) sobre cada idéia do sonhador, os analistas devem manter-se em um estado de escuta plena (futuramente chamado de atenção flutuante) para que assim possam emergir os verdadeiros conteúdos inconscientes. Desta forma: associações do paciente + interpretações do analista = análise revelatória; sendo aqueles os meios e este o fim do processo de análise onírica.

É importante explicitar que o sonho lembrado não é o material onírico original e sim o conteúdo inconsciente deformado. Podemos concluir que o conteúdo onírico citado não importa se relatado com precisão ou não, o importante é como o sonhador associa o relato, já que, toda e qualquer alteração feita teve um sentido, obra da resistência (o não lembrar-se de ter sonhado também teve a atuação deste mecanismo de defesa). O conteúdo latente designaria, por oposição ao conteúdo manifesto (lacunar), a tradução integral e verídica da palavra do paciente, a expressão mais adequada do seu desejo. Em poucas palavras, o conteúdo latente, descoberto pelo analista, é a versão correta e integral, e o conteúdo manifesto é a versão mutilada. O conteúdo manifesto correlaciona-se com o trabalho do sonho e o conteúdo latente correlaciona-se com o trabalho da interpretação.

Freud nos mostra o papel da resistência através de exemplos de negação na auto-análise e da negação ou omissão do paciente a algumas associações. Este material omitido se trata de idéias de extrema importância para o acesso ao inconsciente, e por isso, tem que ser ´´escondido`` pelo sonhador.

O sonhador tem seus próprios julgamentos e críticas sobre seu sonho, considerando assim, que alguns fatores não são relevantes para a interpretação. Assim, o paciente omite determinado fato, o que interfere na associação livre. Isso mostra a resistência durante o relato do sonho. É importante ressaltar que a resistência é do ego e não do inconsciente, é o ego que “não permite” que o conteúdo inconsciente chegue à consciência.

A resistência nos mostra que o trabalho na busca pelo conteúdo inconsciente não será fácil, contudo, nos dá indícios de que tem algo a ser olhado com cautela, pois algo teve de ser transformado ou omitido. É apresentado ainda, que a resistência atua em diferentes graus, dependendo da proximidade deste conteúdo à consciência. Assim, uma resistência maior significa que o conteúdo inconsciente está mais distorcido, enquanto uma menor resistência implica em uma menor distorção.

São citados, por Freud, quatro tipos de relação entre os elementos oníricos manifestos e latentes, são eles:

1- o conteúdo manifesto como constitutivo dos pensamentos latentes (exemplos ´a` e ´b` pg.123)

2- substituição de um fragmento ou uma alusão de conteúdos latentes (exemplos ´c`, ´d` e ´f`)

3- conteúdos manifestos como representação dos conteúdos latentes

4- (não apresentado neste texto) a relação simbólica entre conteúdo manifesto e latente.

Pode-se dizer que a relação entre conteúdo manifesto e latente não é simples. Não necessariamente no relato do sonho (conteúdo manifesto) está presente o conteúdo central do pensamento inconsciente. Desse modo, um elemento manifesto pode substituir por vários elementos latentes ou um elemento latente pode substituir vários elementos manifestos. Isso ocorre por condensação e deslocamento.

Em síntese, é intrínseco à interpretação dos sonhos o caráter de só ser realizado em análise, através do método de associação-livre, para que assim, os conteúdos manifestos possam ser interpretados por um analista que ´´plana`` sobre estes (o dito) na busca pelo não dito (latente). Lembrando sempre que cada significado do sonho é único para cada indivíduo, pois cada um associará tal cena à determinada situação idiossincrática.

domingo, 30 de maio de 2010

sobre os sonhos

capítulo I

Nesse texto, Freud faz um levantamento daquilo que tanto na antiguidade, quanto em seu tempo, filósofos, pensadores e médicos descreviam sobre a que se relacionavam os sonhos.
Os primeiros consideram que na atividade onírica há uma elevação da atividade mental a um nível superior, os segundos afirmam que aquilo que não teve vazão durante o dia ganha força e escoa, já os últimos dizem que a única coisa que induz o sonho são estímulos sensoriais tanto externos quanto internos ao corpo do sujeito.
A partir disso, o autor mostra interesse especial com relação à significação que os sonhos podem apresentar psiquicamente, segundo os processos neurológicos que os formam ou à luz de uma possível interpretação de um significado único para cada indivíduo.
Ao fim do texto, os dois possíveis métodos mais utilizados para interpretar os sonhos podem ser exemplificados através da substituição de diversos elementos oníricos por um significante principal, ou da substituição do conteúdo do sonho como um todo por outro discurso, numa relação simbólica.
Isso é, ou em um único sonho se encontram condensados uma série de conflitos psíquicos na forma de uma representação principal e/ou todo um conflito desloca-se de posição, ocupando em outro lugar a mesma significação que lhe deu origem.