terça-feira, 6 de novembro de 2012

"Ansiedade e Vida Pulsional" (Sigmund Freud, Conferência XXXII, Vol. XXII, 1933)

Ansiedade e vida instintual (S. Freud, Conf. XXXII, vol. XXII, 1933)
Nesta conferência, Freud descreve a ansiedade[1] como um estado afetivo, que seria uma combinação de certos sentimentos da série prazer-desprazer, mas, ao mesmo tempo, teria como protótipo a primeira experiência de ansiedade. Segundo Freud, essa experiência é o nascimento, e chama essa primeira ansiedade de tóxica. Logo em seguida, Freud aponta para a possibilidade de distinguir a ansiedade realística da neurótica. Enquanto a realística parece propositada, uma vez que seria precipitada por um perigo, a neurótica permanecia enigmática.
Enquanto a ansiedade realística poderia ser reduzida a um estado de atenção produzido pelo sinal de perigo, preparando assim uma reação de fuga ou defesa; já a ansiedade neurótica seria observada em três situações. A primeira delas é na forma livremente flutuante, que seria a ansiedade expectante. A segunda seria encontrada nas fobias, em que é possível perceber uma vinculação com um perigo externo, mas o medo seria exagerado. E a terceira, que seria a ansiedade na histeria e em outras formas de neurose grave.
Segundo Freud, a experiência clínica revelou que a ansiedade expectante estaria relacionada à economia libidinal da vida sexual. Assim, a causa mais comum da neurose de angústia seria a excitação não consumada, ou seja, uma excitação libidinal não satisfeita, de forma que o estado de apreensão surgiria no lugar dessa libido que foi desviada de sua utilização. Para Freud, tanto as fobias infantis como a ansiedade expectante da neurose de angústia teriam origem numa transformação direta da libido. A ansiedade na histeria e em outras neuroses, entretanto, seria consequência do recalque.
O recalque atua sobre uma representação, entretanto existe uma quota de afeto que estava ligada a essa representação, e que é transformada em ansiedade. Assim, uma quota de libido se tornou não-utilizável, seja por uma debilidade infantil do ego, como nas fobias infantis, ou por processos somáticos da vida sexual, na neurose de angústia, ou devido ao recalque, como na histeria.
Para Freud, a ansiedade neurótica será produto de um medo da própria libido. Assim, por exemplo na fobia, observa-se a ação do mecanismo de deslocamento, uma vez que um perigo interno é transformado num perigo externo, de forma que, aparentemente, observa-se uma ansiedade realística, mas que na verdade tem origem na vida pulsional[2].
A mudança de uma primeira teoria da ansiedade para uma segunda, refere-se especialmente à constatação de que a ansiedade não é produto do recalque, mas que a ansiedade causaria o recalque. Tal como Freud havia anunciado que a ansiedade seria consequência de uma situação de perigo, aqui também ele afirma que, quando um menino abandona a mãe como escolha objetal, isso se daria por conta de uma experiência de ansiedade, que seria o medo de ser castrado. Assim, o que produziria o recalque seria o temor da castração. De acordo com Freud, a castração não é o único perigo que poderia ser motivo para o recalque. Há um estádio de imaturidade do ego em que haveria um medo da perda do amor. Já na fase fálica haveria o medo de ser castrado. E, mais tarde, um temor do superego, que seria uma ansiedade moral. Assim, na segunda teoria da ansiedade, além de afirmar que a ansiedade faz o recalque, também atribui à situação pulsional temida uma situação de perigo externa.
De acordo com Freud, o ego perceberia a experiência de satisfação pulsional como possibilidade de recriação de uma situação de perigo. Por conta disso, esse investimento pulsional precisa ser abandonado. Se o ego é forte, ele atrai o impulso para si. Mas, caso o impulso ainda pertença ao id, e o ego se sinta fraco, ele pode utilizar da ansiedade para produzir uma experiência de desprazer, e considerando o funcionamento primário do inconsciente no princípio de prazer-desprazer, então haveria a instalação do recalque dessa pulsão.
Freud também esclarece que haveria duas fases anteriores à fase fálica, que são a fase oral e a fase sádico-anal. Haveria, na primeira fase (a fase oral), a questão de uma incorporação oral. Já na fase sádico-anal apareceriam as tendências destrutivas e as tendências afetuosas em relação ao objeto, sendo as primeiras de destruir e perder, e as segundas de manter e possuir. Segundo Freud, existe uma relação entre as disposições na evolução da libido, e o desenvolvimento das neuroses.
Também há, nesta conferência, uma mudança da primeira teoria das pulsões para a segunda. Freud utiliza o termo ‘Trieb’ [pulsão] para nomear uma quantidade de energia que faz pressão em uma determinada direção, que tem origem numa excitação do corpo, e sua finalidade é a remoção dessa excitação.
Havia, anteriormente, uma distinção entre as pulsões egóicas e pulsões sexuais. Entretanto, com o estudo do narcisismo, essa distinção se tornou desnecessária, uma vez que o ego pode tomar a si mesmo como objeto. Freud inclusive afirma que o ego é sempre o principal reservatório de libido. A libido do ego é constantemente transformada em libido objetal, e a libido objetal, em libido do ego. A hipótese de Freud, portanto, na segunda teoria das pulsões, é que haveria duas classes de pulsões: as pulsões de vida e as pulsões de morte.
Segundo Freud, é possível observar que há pessoas cujas vidas se repetem, muitas vezes prejudicando-as, como se estivessem perseguidas por um ‘destino implacável’. Freud atenta para o fato de que essas pessoas, sem se aperceberem, causam a si mesmas esse destino. Na análise também é observado a reprodução de experiências infantis recalcadas, que são melhor explicadas por uma ‘compulsão à repetição’. Esta triunfaria sobre o princípio de prazer, expressando a natureza conservadora da vida pulsional. A distinção entre as pulsões de vida e de morte, seria que a primeira visaria à combinação da substância viva, enquanto a pulsão de morte estaria vinculada a uma tendência para o retorno ao inorgânico. A compulsão à repetição seria uma consequência da ação da pulsão de morte.
Um dos obstáculos para a análise é uma necessidade de punição, que Freud classifica como um desejo masoquista, vinculado ao sentimento inconsciente de culpa. Este certamente pode ser vinculado a um desejo de autodestruição, que Freud remonta à pulsão de morte. Entretanto, quando as pulsões eróticas (pulsão de vida) se encontram fundidas com as pulsões agressivas (pulsão de morte), então essas manifestações de sadismo e masoquismo podem ser atenuadas, condição necessária à civilização.

Elaborado por Eduardo Zaidan,
da equipe de monitores de Psicanálise da PUC-SP.





[1] O termo utilizado por Freud é Angst. Segundo Luiz Hanns, no Dicionário comentado do alemão de Freud, o termo Angst é um dos mais polêmicos entre os tradutores de Freud. De acordo com Hanns, as traduções francesas e espanholas tendem a privilegiar a tradução de Angst para “angústia”, enquanto as inglesas para “ansiedade”. Utilizei no resumo “ansiedade”, uma vez que é o termo empregado pela edição da Imago, dada sua ascendência inglesa. Entretanto, recomendamos o termo “angústia” como melhor tradução para Angst, apesar de ter respeitado, na composição deste resumo, a tradução da edição utilizada.
[2] Na obra de Freud, os termos Instinkt e Trieb são utilizados para abarcar fenômenos distintos. Apesar da diferença entre estes dois termos, a edição da Imago condensou ambos no termo “instinto”, omitindo essa diferença. Segundo Paulo César de Souza, em As palavras de Freud, “passou-se a ver no termo ‘pulsão’ o conceito freudiano por excelência, aquele que define o humano-simbólico, objeto da psicanálise, por oposição ao instintivo-animal, objeto da biologia”. Apesar da edição da Imago ter traduzido tanto Instinkt como Trieb para instinto, utilizaremos pulsão como tradução alternativa para Trieb, uma vez que acreditamos que seja uma tradução mais adequada para o termo Trieb

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