Ansiedade e vida instintual (S. Freud, Conf.
XXXII, vol. XXII, 1933)
Nesta conferência, Freud descreve a ansiedade[1]
como um estado afetivo, que seria uma combinação de certos sentimentos da série
prazer-desprazer, mas, ao mesmo tempo, teria como protótipo a primeira
experiência de ansiedade. Segundo Freud, essa experiência é o nascimento, e
chama essa primeira ansiedade de tóxica. Logo em seguida, Freud aponta para a possibilidade
de distinguir a ansiedade realística da neurótica. Enquanto a realística parece
propositada, uma vez que seria precipitada por um perigo, a neurótica
permanecia enigmática.
Enquanto a ansiedade realística poderia ser reduzida a um estado de
atenção produzido pelo sinal de perigo, preparando assim uma reação de fuga ou
defesa; já a ansiedade neurótica seria observada em três situações. A primeira
delas é na forma livremente flutuante, que seria a ansiedade expectante. A
segunda seria encontrada nas fobias, em que é possível perceber uma vinculação
com um perigo externo, mas o medo seria exagerado. E a terceira, que seria a ansiedade
na histeria e em outras formas de neurose grave.
Segundo Freud, a experiência clínica revelou que a ansiedade expectante
estaria relacionada à economia libidinal da vida sexual. Assim, a causa mais
comum da neurose de angústia seria a excitação não consumada, ou seja, uma
excitação libidinal não satisfeita, de forma que o estado de apreensão surgiria
no lugar dessa libido que foi desviada de sua utilização. Para Freud, tanto as
fobias infantis como a ansiedade expectante da neurose de angústia teriam
origem numa transformação direta da libido. A ansiedade na histeria e em outras
neuroses, entretanto, seria consequência do recalque.
O recalque atua sobre uma representação, entretanto existe uma quota de
afeto que estava ligada a essa representação, e que é transformada em ansiedade.
Assim, uma quota de libido se tornou não-utilizável, seja por uma debilidade
infantil do ego, como nas fobias infantis, ou por processos somáticos da vida
sexual, na neurose de angústia, ou devido ao recalque, como na histeria.
Para Freud, a ansiedade neurótica será produto de um medo da própria
libido. Assim, por exemplo na fobia, observa-se a ação do mecanismo de
deslocamento, uma vez que um perigo interno é transformado num perigo externo,
de forma que, aparentemente, observa-se uma ansiedade realística, mas que na
verdade tem origem na vida pulsional[2].
A mudança de uma primeira teoria da ansiedade para uma segunda,
refere-se especialmente à constatação de que a ansiedade não é produto do
recalque, mas que a ansiedade causaria o recalque. Tal como Freud havia
anunciado que a ansiedade seria consequência de uma situação de perigo, aqui
também ele afirma que, quando um menino abandona a mãe como escolha objetal,
isso se daria por conta de uma experiência de ansiedade, que seria o medo de
ser castrado. Assim, o que produziria o recalque seria o temor da castração. De
acordo com Freud, a castração não é o único perigo que poderia ser motivo para
o recalque. Há um estádio de imaturidade do ego em que haveria um medo da perda
do amor. Já na fase fálica haveria o medo de ser castrado. E, mais tarde, um
temor do superego, que seria uma ansiedade moral. Assim, na segunda teoria da ansiedade,
além de afirmar que a ansiedade faz o recalque, também atribui à situação
pulsional temida uma situação de perigo externa.
De acordo com Freud, o ego perceberia a experiência de satisfação
pulsional como possibilidade de recriação de uma situação de perigo. Por conta
disso, esse investimento pulsional precisa ser abandonado. Se o ego é forte,
ele atrai o impulso para si. Mas, caso o impulso ainda pertença ao id, e o ego
se sinta fraco, ele pode utilizar da ansiedade para produzir uma experiência de
desprazer, e considerando o funcionamento primário do inconsciente no princípio
de prazer-desprazer, então haveria a instalação do recalque dessa pulsão.
Freud também esclarece que haveria duas fases anteriores à fase fálica,
que são a fase oral e a fase sádico-anal. Haveria, na primeira fase (a fase
oral), a questão de uma incorporação oral. Já na fase sádico-anal apareceriam
as tendências destrutivas e as tendências afetuosas em relação ao objeto, sendo
as primeiras de destruir e perder, e as segundas de manter e possuir. Segundo
Freud, existe uma relação entre as disposições na evolução da libido, e o
desenvolvimento das neuroses.
Também há, nesta conferência, uma mudança da primeira teoria das pulsões
para a segunda. Freud utiliza o termo ‘Trieb’
[pulsão] para nomear uma quantidade de energia que faz pressão em uma
determinada direção, que tem origem numa excitação do corpo, e sua finalidade é
a remoção dessa excitação.
Havia, anteriormente, uma distinção entre as pulsões egóicas e pulsões
sexuais. Entretanto, com o estudo do narcisismo, essa distinção se tornou
desnecessária, uma vez que o ego pode tomar a si mesmo como objeto. Freud
inclusive afirma que o ego é sempre o principal reservatório de libido. A
libido do ego é constantemente transformada em libido objetal, e a libido
objetal, em libido do ego. A hipótese de Freud, portanto, na segunda teoria das
pulsões, é que haveria duas classes de pulsões: as pulsões de vida e as pulsões
de morte.
Segundo Freud, é possível observar que há pessoas cujas vidas se repetem,
muitas vezes prejudicando-as, como se estivessem perseguidas por um ‘destino
implacável’. Freud atenta para o fato de que essas pessoas, sem se aperceberem,
causam a si mesmas esse destino. Na análise também é observado a reprodução de
experiências infantis recalcadas, que são melhor explicadas por uma ‘compulsão
à repetição’. Esta triunfaria sobre o princípio de prazer, expressando a
natureza conservadora da vida pulsional. A distinção entre as pulsões de vida e
de morte, seria que a primeira visaria à combinação da substância viva,
enquanto a pulsão de morte estaria vinculada a uma tendência para o retorno ao
inorgânico. A compulsão à repetição seria uma consequência da ação da pulsão de
morte.
Um dos obstáculos para a análise é uma necessidade de punição, que Freud
classifica como um desejo masoquista, vinculado ao sentimento inconsciente de
culpa. Este certamente pode ser vinculado a um desejo de autodestruição, que
Freud remonta à pulsão de morte. Entretanto, quando as pulsões eróticas (pulsão
de vida) se encontram fundidas com as pulsões agressivas (pulsão de morte),
então essas manifestações de sadismo e masoquismo podem ser atenuadas, condição
necessária à civilização.
Elaborado por
Eduardo Zaidan,
da equipe de
monitores de Psicanálise da PUC-SP.
[1] O termo utilizado por Freud é Angst.
Segundo Luiz Hanns, no Dicionário
comentado do alemão de Freud, o termo Angst
é um dos mais polêmicos entre os tradutores de Freud. De acordo com Hanns, as
traduções francesas e espanholas tendem a privilegiar a tradução de Angst para “angústia”, enquanto as
inglesas para “ansiedade”. Utilizei no resumo “ansiedade”, uma vez que é o
termo empregado pela edição da Imago, dada sua ascendência inglesa. Entretanto,
recomendamos o termo “angústia” como melhor tradução para Angst, apesar de ter respeitado, na composição deste resumo, a
tradução da edição utilizada.
[2] Na obra de Freud, os termos Instinkt
e Trieb são utilizados para abarcar
fenômenos distintos. Apesar da diferença entre estes dois termos, a edição da
Imago condensou ambos no termo “instinto”, omitindo essa diferença. Segundo
Paulo César de Souza, em As palavras de
Freud, “passou-se a ver no termo ‘pulsão’ o conceito freudiano por
excelência, aquele que define o humano-simbólico, objeto da psicanálise, por
oposição ao instintivo-animal, objeto da biologia”. Apesar da edição da Imago ter
traduzido tanto Instinkt como Trieb para instinto, utilizaremos pulsão
como tradução alternativa para Trieb,
uma vez que acreditamos que seja uma tradução mais adequada para o termo Trieb.
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