domingo, 25 de novembro de 2012

Resumo do texto “Édipo e Teoria da Constituição do Sujeito” in “Édipo 3 x 4”, Franklin Goldgrub


A principal função inicial, e ainda considerada por muitos, do constructo teórico do complexo de Édipo é a de descrever o processo de formação sexual e os conflitos decorrentes da ligação entre a criança e as figuras parentais.
Freud busca explicar os distúrbios sexuais, em um primeiro momento, a partir da teoria do trauma/sedução. Essa teoria é revogada cedendo espaço para o inicial conceito de identificação, conceito esse que serviria de base para a primeira versão do complexo de Édipo. Aqui, a identificação seria o processo de assemelhação aos modelos adultos, do que decorre o fato de que esse modelo se baseava em um referencial heterossexual e tinha como pressuposto o desejo sexual enquanto imitação do padrão experimentado pela criança através dos pais.
As primeiras elaborações acerca do Édipo traziam a ideia de uma possível dissolução do mesmo, hipótese substituída mais tarde pela ideia de permanência, já que persistiria enquanto o desejo de completude impossível de ser alcançado (“rochedo da castração").
Até a segunda teoria das pulsões (na qual surge o conceito da “pulsão de morte”) e conforme as primeiras versões do complexo de Édipo, a não dissolução acarretaria nas perversões e nas neuroses, enquanto que sua sucumbência representaria o caminho para a “normalidade”.
Ainda nessa primeira concepção, a identificação resultaria em uma rivalidade com a figura parental de mesmo sexo, o que originaria a escolha de objeto heterossexual na puberdade.
A partir do caso do Pequeno Hans e das reflexões sobre o imaginário infantil, Freud elabora a noção da fase fálica que é, posteriormente, relacionada ao complexo de Édipo. Nesse momento, as diferenças entre meninos e meninas e suas respectivas vivências afetivas são recolocadas como fundamentais e o órgão masculino passa a ser valorizado, enquanto que o feminino passa a representar a falta.
Tem-se, pois, uma nova versão do Édipo, segundo a qual as recordações infantis são fruto das expectativas afetivas da criança na busca do amor incondicional. Os obstáculos postos frente a essa busca remetem à figura paterna. Para a menina, trata-se de uma decepção e para os meninos, trata-se de uma rivalidade. A partir dessa diferença, o superego feminino não seria tão severo como o do menino. Assim, a menina entraria no Édipo ao aceitar a diferença anatômica. Ela aceita a castração como castigo já recebido e então troca de objeto de desejo. Voltando-se ao pai, a menina novamente se frustra, porém recebe em contrapartida o modelo de homem e a promeça de um bebê como uma indenização pela ausência do pênis (perspectiva levantada em “Algumas Consequências Psíquicas da Distinção Anatômica dos Sexos”).
Essa ideia é alterada no texto "Feminilidade", no qual Freud reconhece a intensidade do vínculo da menina com a figura materna, abrindo espaço para a conceituação da homossexualidade feminina através da "reivindicação fálica", assumindo a existência da fase pré-edipiana. Nesse sentido, há a primazia do falo que se torna ponto central da concepção
freudiana do complexo de Édipo. A referência fálica é que dá ao Édipo um caráter estrutural que se choca com as noções de regressão e fixação, dada a sua atemporalidade.
A tese da primazia do falo coloca a mulher em uma posição de inferioridade, numa tese de desvalorização do feminino, numa hierarquização da relação masculino e feminino. Também se encontra limitação para teorizar acerca da homossexualidade. Quanto à nosografia, a desvalorização da condição feminina implicaria em assumir que existiria uma maior abundância de conflitos nas mulheres. Além disso, a afirmação de que superego seria menos rígido restaria incompatível com a noção de que a depressão seria fruto de um superego severo demais.
Com efeito, coloca-se em questão a universalidade da "inveja do pênis" e do "medo à castração" e, por consequência, se a função do complexo de Édipo seria, efetivamente, de descrever o processo de construção de identidade de gênero ou se diria respeito à constituição do sujeito de uma forma mais ampla.

As expectativas inconscientes e a identificação

A noção da universalidade da supremacia do falo, que leva a hierarquização entre os genêros, foi construída por Freud através de uma generalização a partir da sua clínica. Essa concepção resultaria em dizer que as fantasias femininas e masculinas seriam, por sua vez, igualmente diferentes, afirmação que as coloca como subordinadas a um critério biológico. Essa generalização é problemática pois exclui a singularidade intrínseca às estruturas familiares, aos modelos diferentes de cultura e sociedade, enfim, ela desconsidera toda a pluralidade e especificidade de cada existência humana. Isso inclusive com relação ao gênero, sendo que até cada pai e mãe podem ser diferentes com cada um de seus filhos.
Assim, diante dessas incongruências também é possível questionar as representações associadas ao feminino (provedor do amor incondicional ou marcado pela ausência de poder) e ao masculino (interditor, efetivador das normas e fonte de poder). Com efeito, a suposição de que o poder da família se concentraria nas mãos do homem resta ineficiente diante da enorme gama de possibilidades e variedade das configurações conjugais.
Apesar das críticas levantadas, tendo em vista as limitações do seu tempo, a descrição elaborada por Freud inaugura uma percepção que caminha no sentido oposto ao da generalização e, por isso, tem seu valor fundamental.
O campo das fantasias originárias e das teorias sexuais infantis possibilitam um olhar para um âmbito mais abstrato, que não se resume às explicações empíricas, biológicas ou culturais tão somente.

O édipo estrutural

A criança é inserida no universo da falta a partir da aquisição da linguagem, que é concomitante à constituição do eu. Nesse primeiro momento do Édipo a criança ainda não internalizou as regras, isto é, o superego ainda não está constituído. O superego se caracteriza pelo reconhecimento do desejo do outro.
No princípio do Édipo, a criança ocupa a posição de sujeito absoluto que se caracteriza pelo não reconhecimento do desejo do outro, ou seja, pela rejeição aos limites. Há, pois, a recusa da falta que é inerente ao desejo. Põe-se então um embate entre a não aceitação dos limites e o seu gradativo reconhecimento, tendo em vista os obstáculos impostos pelo próprio convívio humano (pais, outras crianças e circunstâncias, etc).
Para que se possa explicar a emergência do superego é preciso novamente atentar para o conceito de identificação. Porém, aqui a identificação será entendida como o mecanismo através do qual se dá a construção de um jeito singular de lidar com a falta. A identificação é um discurso desejante que se dá a partir do lugar atribuído pelos pais ao bebê, por meio de suas expectativas inconscientes. Nesse sentido, a construção da identidade de gênero é mais uma das facetas da constituição do sujeito e está, também, subordinada às expectaticas inconscientes das figuras parentais.
A perspectiva da identificação enquanto reprodução de modelos remete à consciência, enquanto que a ideia de “expectativas inconscientes” remete, como o próprio nome indica, ao inconsciente. Essa última concepção permitiria compreender porque as crianças não precisariam de modelos concretos na sua constituição de identidade (crianças criadas só por mulheres e que formam identidades masculinas, por exemplo), assim como poderia esclarecer o mistério acerca da homossexualidade e desconstruir a ideia de que um casal homossexual promoveria filhos com a mesma opção sexual.
Enfim, afirmar que o processo de constituição da identidade é fruto do lugar no qual a criança é inserida em certo discurso, isto é, é submisso às expectativas inconscientes das figuras parentais, significa dizer que esse processo é independente de fatores biológicos e culturais.

Perspectivas e impasses de “Feminilidade”

No texto em questão, Freud conceitua a feminilidade a partir da “inveja do pênis”. Porém, ao longo de sua obra verificam-se contradições entre a concepção contaminada pela material investigado e críticas sobre a associação entre o feminino e passividade e o masculino e atividade.
Uma dessas contradições se vê em “Conferências Introdutórias à Psicanálise”, na qual Freud afirma que “à libido não podemos atribuir nenhum sexo”. Essa afirmação desdiz as postulações derivadas da ideia de consequências das diferenças anatômicas, pois exclui os fatores biológicos quanto à sexualidade. No mesmo sentido, o conceito de “inveja do pênis” também é questionável, pois não haveria como dizer, se a libido é única, que as fantasias seriam ou femininas ou masculinas. O conceito de “libido agenérica” serviria de base para a tese da bissexualidade originária. Outrossim, essa tese introduz a concepção de que a sexualidade está inserida no âmbito do prazer/desprazer, que é mais amplo e diz respeito a qualquer relação objetal “fazendo de qualquer demanda (atração ou repulsa) a metáfora (ou seja, concretização) do discurso desejante.”
Cabe ressaltar ainda que a homossexualidade feminina exposta em “Feminilidade” não pode ser transposta para o gênero masculino e também que se a histeria feminina decorresse da “inveja do pênis” não haveria como se explicar a histeria masculina.
Lacan contribui fortemente com a distinção entre pênis e falo. Essa distinção havia sido feita por Freud, mas fora deixada de lado com o advento da desvalorização do genital feminino. O falo, para Lacan, seria o objeto colocado no lugar da superação da falta. Porém, também em Lacan, a referida distinção se perdera frente a primazia das diferenças anatômicas e a associação entre a função paterna à virilidade. Com efeito, tanto as distinções entre as identidades, quanto entre as formas de prazer, revelam a concepção lacaniana de uma lógica diferente para os gêneros.
Lévi-Strauss, por sua vez, não diferencia os gêneros e interpreta o mito do complexo de Édipo como uma metáfora do surgimento da Lei, operando, assim, igualmente entre homens e mulheres, feminino e masculino.

Os Obstáculos à concepção estrutural do Édipo

Os maiores obstáculos a uma concepção estrutural do complexo de Édipo são, porventura, a relação entre o mesmo e a biologia e a cultura. A psicanálise, ao longo de sua história, tem estado às voltas com essa questão.
Lacan, em sua teorização acerca do Édipo, promoveu avanços no sentido de libertar a psicanálise desses óbices, com sua afirmação de que o inconsciente se equipararia à linguagem, se estruturaria como linguagem. Porém, ele mesmo persistiu na distinção entre os gêneros.
A teoria da constituição do sujeito que considera que inconsciente e linguagem são frutos da mesma matéria, isto é, são consubstancias, precisa atentar para os quadros nosográficos tais como autismo e esquizofrenia infantil, uma vez que eles são essenciais para a compreensão do conjunto de fatores envolvidos no referido processo. Além disso, não se pode deixar de lado questões acerca da aquisição da linguagem e da diferença entre essa e a comunicação.
De fato, a nosografia demonstra que as patologias e os conflitos, tanto quanto a sublimação, manifestam-se igualmente entre os sexos. Assim, permanece aberto o debate sobre se as teorias acerca da sexualidade infantil justificam os conceitos “medo à castração” e “inveja do pênis”.
Em contrapartida, uma teoria baseada nos efeitos da linguagem no que concerne à constituição do sujeito possibilitaria a compreensão do sentido das fantasias sexuais infantis. Enfim, as variações das configurações familiares, a ausência de uma das figuras parentais, assim como a questão das crianças institucionalizadas e das diferentes estruturas sociais afastam a noção de que o processo do complexo de Édipo estaria sujeito às diferenças de gênero, biológicas e culturais. Ao contrário, os protagonistas familiares e institucionais metaforizam o campo desejante e o campo normativo, seja quem ou de que gênero eles forem.
Quanto à fase pré-edipiana, ela pode ser considerada, tanto no menino quanto na menina – diferentemente do postulado por Freud -, como dois momentos do Édipo. O primeiro se caracterizaria pelo conflito entre o desejo de completude e o campo normativo no pólo oposto. Dessa forma, o início da fase fálica seria a expressão do conflito dos adultos, que revelariam a dificuldade deles de lidar com a separação inerente ao desenvolvimento da criança. O segundo momento, concomitante à identificação sexual, seria quando a ideia de poder não ser faltante é revogada e dessa forma tem início o processo de identificação com a posição de sujeito.
Nesse sentido, a condição sexuada metaforiza a falta por ter como pressuposto a existência de um objeto de desejo. Diferentemente, Freud atribui essa constatação (queda do sujeito absoluto) ao momento em que se nota a diferença anatômica entre os sexos.
O processo acima descrito é concomitante ao surgimento do superego, uma vez que ele é o representante da aceitação do outro, isto é, de que o objeto de desejo é, por sua vez, desejante.
De acordo com o exposto, a psicose infantil aconteceria diante da impossibilidade de anuir com a linguagem, incluindo a comunicação, mas não a linguagem. Já o autismo se instauraria a partir da impossibilidade de saída da indiferenciação em direção à posição de objeto. Cabe a ressalva de que é difícil se encontrar esquizofrenia e autismos “puros”. A concepção psicanalítica da psicose se baseia na ideia de que o recalque primário não tenha operado, enquanto que na perversão e na neurose as falhas estariam no recalque secundário.



Preparado por Camila Gerassi da Equipe de Monitores de Psicanálise da PUC de São Paulo.

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